Arma usada para matar adolescentes em Campo Grande foi ‘arrumada’ dentro da Máxima

Detento é suspeito de comandar tráfico de drogas em bairros de Campo Grande com livre acesso a celular dentro de unidade da Máxima

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Aysla e Silas, mortos por engano em briga de traficantes em Campo Grande (Reprodução)

As execuções de Aysla Carolina de Oliveira Neitzke e Silas Ortiz, ambos de apenas 13 anos, chamaram a atenção para a guerra do tráfico de drogas em andamento nas ruas de Campo Grande. Além disso, revelam como o Presídio de Segurança Máxima da Agepen se tornou ‘escritório’ de onde traficantes comandam a bandidagem.

Os adolescentes foram assassinados em público por engano. De acordo com o apurado pelo Jornal Midiamax, um detento do presídio de Segurança Máxima de Campo Grande estaria implicado no ‘fornecimento’ da pistola usada para matar Aysla e Silas no Jardim Hortência, no último dia 3.

De acordo com as investigações, Kleverton Bibiano Apolinário da Silva estaria por trás do acesso a pelo menos uma das armas usadas no crime. Além disso, de dentro da unidade da Agepen, o preso estaria ‘monitorando em tempo real’ os passos de policiais que atuam na elucidação do duplo assassinato.

No submundo do narcotráfico em Campo Grande, Kleverton é apontado como suposto chefe da venda de drogas na região das Moreninhas. No entanto, de dentro da cadeia, sob custódia e proteção oficial da Agepen, o detento estaria expandido as atividades para outros bairros campo-grandenses.

Assim, estaria com bocas de fumo no bairro Aero Rancho e supostamente organizaria os comparsas para disputa pelo controle do território no Jardim das Hortênsias, onde uma execução por dívida de droga acabou na morte dos dois adolescentes que não tinham nada a ver com a guerra do tráfico.

Aysla, de 13 anos, e Silas, de 13, tomavam tereré em frente de uma casa, na Rua Flor de Maio, quando foram executados. Porém o alvo, segundo indicam as apurações, seria Pedro Henrique, apontado como ‘correria’ de um dos grupos rivais de Kleverton.

aero rancho
Presos por envolvimento no atentado (Divulgação, PCMS)

Policiais monitorados em tempo real dentro da Máxima

A reportagem confirmou com documentos oficiais que Kleverton se encontra sob custódia na Segurança Máxima. Segundo servidores da unidade da Agepen, ele chegou a ser ouvido por policiais durante este fim de semana após flagrarem mensagens dele ‘orientando’ os investigados pela morte dos adolescentes.

“O presídio onde o detento está é de segurança máxima só no nome”, concordam servidores da segurança pública de Mato Grosso do Sul que falaram com a reportagem.

Assim, se tornaram comuns flagrantes que ligam crimes cometidos nas ruas de diversas cidades de Mato Grosso do Sul às ordens ou informações fornecidas de dentro da unidade da Agepen.

De acordo com relatórios de inteligência aos quais o Jornal Midiamax teve acesso, todos os presídios de MS possuem forte estrutura de comunicação a serviço dos bandidos.

Apesar de o problema que a entrada de celulares nos presídios não ser novo, servidores denunciam que falta vontade política de resolver. Em 2016, o MPMS chegou a ‘recomendar’ ao Governo de MS colocar bloqueadores de sinais em unidade para frear o uso de celulares. Na época, a Agepen ‘oficiou as operadoras’.

De lá para cá, servidores que atuam na ‘neutralização da inteligência adversa’, ou seja, usam contrainteligência para repressão da atuação criminosa, dizem que a pressão por parte dos órgãos que deveriam cobrar o combate à corrupção nas unidades penais só diminuiu em MS.

Detentos ‘mansos’ usam presídios até como ‘depósito seguro’

“Desde que surgiu a polícia penal, afastaram a PM dos presídios e a coisa só piorou nos últimos três anos. Os caras estão tão mansos que estão usando as unidades até como depósito do crime. Estes dias acharam até explosivos guardados num presídio”, denuncia servidor que se aposentou logo após a criação da polícia penal.

A reportagem acionou a Agepen pedindo posicionamento sobre como os celulares continuam entrando e funcionando dentro das unidades prisionais estaduais de Mato Grosso do Sul. De acordo com a Agepen, várias providências, como a utilização de tecnologia para a revista de visitantes, foram adotada.

O problema afeta o combate ao crime em todo o país. Recentemente, em 24 de abril, a Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), do MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública), realizou mais uma fase da Operação Mute com mandados em presídios de Mato Grosso do Sul.

No PED (Presídio Estadual de Dourados), a operação da Senappen foi um vexame para o sistema prisional de Mato Grosso do Sul. Entra tudo. Assim, acharam até explosivos guardados dentro da unidade da Agepen na maior cidade do interior de MS.

O flagrante comprova que as cadeias viraram ‘escritórios do crime’, onde os bandidos acham mais ‘seguro’ guardar o que precisam esconder da polícia e da justiça.

‘Voz’: negócio lucrativo aluga celulares e paga propina para servidores corruptos

“Não tem uma unidade onde não tenha pelo menos um ‘voz’”, revela servidor que aceitou falar com a reportagem com garantia do sigilo. “Voz” é como são chamados os presos que operam os esquemas de entrada e aluguel de celulares nas cadeias. O negócio é altamente lucrativo.

Segundo os relatos, geralmente, um ‘voz’ atua em conjunto com servidores corruptos que facilitariam a entrada dos celulares.

Para o secretário Nacional de Políticas Penais, André Garcia, a Operação Mute tem também um ‘caráter pedagógico’ e mira exatamente no ponto fraco apontado por servidores da segurança pública nas unidades de Mato Grosso do Sul.

“O intuito básico é cortar o canal de comunicação entre os internos e os criminosos fora das unidades prisionais. Dessa maneira, atingimos um cenário mais favorável da segurança pública nos estados, além de obter impactos positivos na redução dos crimes violentos letais e intencionais”, resume.

No entanto, o cenário sonhado pelo Secretário Nacional de Políticas Penais está longe da realidade no Presídio de Segurança Máxima de Campo Grande.

Liderança na Máxima e narcotráfico em guerra nas ruas

Foi assim, com acesso livre a celulares na cela dentro da Máxima, que Kleverton foi flagrado dando ordens a seu grupo. Ainda de acordo com o apurado pelo Midiamax, Nicollas Inácio Souza da Silva, um dos presos neste fim de semana, estaria junto de João Vitor, que não foi encontrado, com a missão de matar Pedro Henrique, que acabou ferido na perna.

Recém-maior de idade, João Vitor teria deixado a Unei (Unidade Educacional de Internação) há pouco tempo. Deixou a unidade de recuperação já com a ‘missão’ de eliminar Pedro Henrique por dívida de drogas. Além disso, tentativa de homicídio há duas semanas teria sido o estopim para o atentado que acabou na morte dos adolescentes.

O atentado seria contra Luiz Mauricio, conhecido como ‘Gordela’, um dos membros do grupo no tráfico de drogas que também tinha como integrante Kennedy de Lima Pereira e Marlon, já do outro lado tem Guilherme, conhecido como ‘Garrafinha’, e Pedro Henrique Rodrigues. 

A tentativa de assassinato de ‘Gordela’ teve as mesmas características do atentado contra o ‘correria’ do grupo rival na venda de drogas. Esta guerra teria começado com trocas de socos e acabou evoluindo para diversos atentados entre os lados, envolvendo disparos de armas de fogo. 

Aos policiais, ‘Gordela’ teria negado participação nos crimes e disse que estava em casa no momento da morte dos adolescentes. Um motorista de aplicativo acabou preso por envolvimento com os crimes. O alvo do dia 3 deste mês, Pedro Henrique da Silva contou que um amigo de nome Mateus também teria histórico de discussão e ameaças contra Kennedy.

‘Deu Bom?’, motorista de aplicativo preso pelo crime 

Três suspeitos: Nicollas Inácio, Rafael Mendes e George foram presos pelo envolvimento no atentado na Rua Flor de Maio, Jardim das Hortências, em Campo Grande, que terminou com dois adolescentes, de 13 anos, mortos, e outras duas pessoas feridas, foram presos neste domingo (5). Um dos detidos é um motorista de aplicativo que teria participação no crime. Outro integrante continua foragido.

A polícia encaminhou o trio para a delegacia e confirmou participação no grupo que organizou o ataque. Conforme apurado pelo Jornal Midiamax, as investigações identificaram que Rafael, de 18 anos, também conhecido como ‘Jacaré’, seria o mandante do atentado. Ele tem passagens por receptação e posse ilegal de arma de fogo.

Jacaré estava em sua casa, na mesma rua onde ocorreu o tiroteio, na companhia de sua mãe. Apesar de negar envolvimento nos homicídios, o suspeito acabou revelando que possuía uma arma de fogo na residência, também apreendida.

Após receber voz de prisão, ‘Jacaré’ informou que tinha conhecimento sobre os autores dos homicídios, indicando dois nomes. Diante disso, a polícia identificou os dois suspeitos de executarem o atentado, Nicolas, de 18 anos, e João, de 19 anos, este último não encontrado.

Da Máxima, até motorista de aplicativo para garantir fuga

Com apoio do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubos a Bancos, Assaltos e Sequestros) e GOI (Grupo de Operações e Investigações), as equipes do Choque localizaram o motorista de aplicativo em um imóvel na Vila Bandeirantes. Lá, o motorista confirmou ter prestado apoio ao trio utilizando o veículo HB20, que também acabou apreendido.

O motorista negou envolvimento no crime. Contudo, um dos suspeitos afirmou em depoimento que o motorista teria se dirigido ao comparsa com intimidade, questionando-o sobre o resultado alcançado: “Deu bom…? Porque eu nem escutei os tiros e estava aqui pertinho”, teria dito.

De acordo com as investigações, o motorista tinha conhecimento do plano gerido de dentro da Máxima para assassinar o desafeto e, mesmo após errarem o alvo, manteve-se fiel ao acordo firmado com os comparsas. Os três estão presos no Garras.

Segundo informações obtidas pelo Jornal Midiamax, a busca pelos criminosos contou com equipes do Batalhão de Choque, Ficco (Força Integrada de Combate ao Crime Organizado), GOI e Garras.

Suspeitos fizeram cerca de 16 disparos

Marcas de tiro na residência (Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax)

Nicolas acabou apreendido em uma casa de massagem na Vila Jacy. Em sua mochila, a polícia encontrou um revólver Cal. 357. O suspeito confirmou que estava armado durante o ataque, mas relatou que apenas pilotou a motocicleta enquanto seu comparsa, portando uma pistola 9mm, efetuava os disparos contra as vítimas com o veículo em movimento.

Segundo o depoimento, após o crime, os dois se reuniram na casa de ‘Jacaré’, onde Nicolas observou seu comparsa descarregando o carregador da pistola, ou seja, aproximadamente 16 disparos.

Os suspeitos ainda ocultaram a motocicleta no quintal de um dos membros do grupo e depois acionaram um motorista de aplicativo. A polícia encontrou a motocicleta utilizada pela dupla em uma casa no bairro Aero Rancho.

Agepen promete investigar a Máxima após morte de inocentes

“A Agepen tem adotado várias providências para coibir o acesso de detentos a ilícitos, como a utilização de tecnologias para revistas de visitantes. Atualmente, a utilização de drones para arremessos de ilícitos para dentro do presídio é uma problemática atual que vem sendo enfrentada, com constantes interceptações pela Polícia Penal, inclusive com a prisão de pessoas que pilotam esses equipamentos.

Além disso, operações pente-fino são realizadas para a apreensão. Recentemente, a penitenciária recebeu ação da Operação Mute. Como parte desta fase da Operação Mute, da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), telamentos serão instalados sobre os pavilhões, como forma de dificultar esses lançamentos. A direção da Penitenciária será informada sobre esta denúncia para providências necessárias.”

(Matéria editada às 10h30 para acréscimo de posicionamento da Agepen e às 11h50 para acréscimo de informações)

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