Denunciados por indígenas em conflitos que envolvem áreas no entorno da Reserva Federal de Dourados, sitiantes pedem que também sejam ouvidos pela Polícia Federal. Na semana passada, indígenas foram ouvidos por agentes federais que apuram o conflito em área da retomada Avae’te.

Os sitiantes criticam a ação dos órgãos federais, que, no entendimento deles, só olham para um lado da história em alguns casos. “A nossa versão nessa história nunca é contada. Ninguém vem aqui ver os dramas que nós estamos vivendo”, relata à reportagem do Jornal Midiamax um sitiante que vive desde 1980 na região reivindicada pelos indígenas e que preferiu não se identificar.

“Aqui ninguém é latifundiário. Estamos todos lutando pelos nossos direitos. Herdamos essa pequena propriedade do meu avô. Ele tocava lavouras e depois eu montei uma criação de porcos para garantir o sustento da minha família. Mas agora tive que fechar meu negócio, porque estamos vivendo sob tensão constante. Tenho dois filhos que tiveram que ir para a cidade diante das ameaças de ataques que estamos sofrendo”, conta o morador que reclama do cerceamento do “direito de ir vir”.

Segundo ele, as autoridades federais estão “fechando os olhos” para uma parte da história. “Nós queremos que eles venham aqui e também possam ver o nosso lado. Só não queremos ser chamados de bandidos. Somos trabalhadores e não estamos tomando nada de ninguém. Meu avô comprou essas terras em 1928”, explica o proprietário.

Moradores também reclamam de ameaças de indígenas (Foto: reprodução, redes sociais)

Conflitos de interesses

“Dias atrás meu carro foi cercado por oito indígenas encapuzados que me ameaçaram, apedrejaram meu carro. Aqui tem famílias, pessoas com medo, uma vizinha que tem uma criança pequena e está quase entrando em depressão”, disse outro morador da região onde está localizada a retomada. Apesar das investigações da PF, o clima segue tenso com denúncias envolvendo as duas partes, com conflitos de interesses.

Somente no último final de semana, dois ataques de indígenas contra donos de chácaras foram registrados na Depac (Delegacia de Pronto Atendimento comunitário). Em um deles, casal, de 47 e 51 anos, registrou boletim de ocorrência após ter o Fiat Uno alvejado durante o trajeto na MS-162, estrada vicinal de Dourados, a 225 quilômetros de Campo Grande, no sábado (27). As vítimas relatam que um grupo com aproximadamente 30 indígenas teria cercado o veículo.

Já um jovem de 19 anos relatou na delegacia que às 15 horas saiu da chácara onde vive a mãe. Ao passar perto da estrada da antiga pedreira, quatro indígenas jogaram pedras contra o rapaz. Um deles ainda lançou um facão, que atingiu o braço do motociclista. Ele também fugiu e procurou a delegacia. Os casos foram registrados como dano, disparo de arma de fogo e lesão corporal dolosa.

Sitiantes fizeram denúncias na Depac de Dourados (Foto: reprodução, redes sociais)

‘Pode queimar’

Enquanto os sitiantes relatam ataques e ameaças, o Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso do Sul, por outro lado, defende que os indígenas são as vítimas.

É o que relata o minidocumentário “Pode queimar: indígenas sob ataque das milícias do agronegócio”, sobre os cinco anos ininterruptos de violência de pistoleiros contra uma comunidade de indígenas Kaiowá e Guarani em Dourados, Mato Grosso do Sul.

Conforme a entidade, com novas imagens divulgadas nessa segunda-feira (28), cerca de cem famílias seguem acampadas, em meio a plantações de soja e milho, no tekoha Avae’te – área reivindicada como tradicional, mas utilizada pelo agronegócio para monocultura.

“Utilizando registros atuais e também imagens feitas pelos próprios indígenas durante ataques, tiroteios e incêndios criminosos ao longo dos últimos cinco anos, o minidocumentário mostra por quais meios a fronteira agrícola avança no centro-oeste brasileiro”, diz uma nota do Cimi.

“No local, as famílias têm sofrido ataques de pistoleiros – e até mesmo de forças policiais – desde que começaram a reocupar o local, em 2018. A retomada é uma das que ficam nas margens da Reserva Indígena de Dourados”, ressalta outro trecho da nota do Cimi, publicada no site oficial da entidade.