Pais de alunos da Escola Municipal Etalivio Pereira Martins, no bairro Monte Castelo, em Campo Grande, denunciaram o projeto “Bombeirinhos do Futuro”, que em sua página na internet afirma oferecer cursos para crianças sobre “ensino militar”. Eles afirmam ter tido prejuízo de cerca de R$ 700 cada um por aulas que eram adiadas constantemente.

A “convocação” ainda revolta os pais. Quando chegaram em casa, os alunos disseram que um projeto dos bombeiros esteve na escola e deveriam participar de uma reunião às pressas, no período noturno. Os que foram, ouviram palestras de meia em meia hora, com a promessa dos filhos aprenderem de hierarquia a animais peçonhentos, durante 24 sábados. No entanto, até o momento, amargaram o prejuízo de cerca de R$ 700 cada um e uma aula na piscina que nem no cronograma estava.

“Meu filho estuda nesta escola e ainda estou tentando entender como, mesmo com toda burocracia, estes golpistas conseguiram entrar dentro de uma escola municipal. O que eu sei é que um dos integrantes da quadrilha, que fazia a captação dos nomes das crianças e vendia uniforme, estava até na festa junina da escola esses dias, então, estou tentando entender como tiveram este vínculo. No meu caso, entregaram panfleto na sala de aula para o meu filho, ainda alegando que ele não podia amassar e que devia levar aos pais”, afirmou ao Jornal Midiamax a terapeuta comportamental Iana Saldanha.

Segundo Iana, o fato ocorreu em uma quarta-feira e, no mesmo dia, os pais deveriam participam de uma reunião, em uma escola particular localizada na Rua Joaquim Murtinho. “A cada meia hora a sala enchia de pais. Era uma reunião rápida onde um homem, que nem porte de bombeiro tinha, falava dos bombeiros militares e civis, explicando o plano de ensino deles, o que incluía prevenção de incêndios, manuseio de extintores, distinção de fogo de eletricidade, fogo que não pode apagar com água, prevenção de acidentes domésticos, identificar animais peçonhentos, entre outros assuntos”, contou.

Ainda conforme a mãe, como a “proposta era muito legal” e seriam 24 sábados, de agosto até o final do ano, seguindo um plano de aula em uma universidade da região central, muitos pais fizeram a matrícula dos filhos. “O curso começaria no dia 5 de agosto e, em seguida, nos colocaram em um grupo através de QR Code. Quando foi chegando mais perto, alguns pais começaram a questionar, porque não tinha quase ninguém, daí bloquearam e deixaram só permissão dos administradores para falar”, explicou.

Em seguida, ainda de acordo com Saldanha, foi repassado um recado que, por conta de “divergência entre os grupos” e pelo fato do “nível de captação de clientes” não ter sido como desejado, o curso começaria somente após as férias escolares. “Antes, iniciava no dia 17 de julho e aí iriam esperar passar as férias para divulgar e ter mais gente porque, segundo eles, o curso ia fornecer material de primeiros socorros, manequins para fazer massagem cardíaca para treinamento e tudo isso era muito caro e precisavam de mais gente inscrita”, disse.

Na ocasião, muitos pais demonstraram ainda mais insatisfação e realmente começaram a desconfiar de golpe. “Depois, fizeram uma votação, se seria 22 de julho a 5 de agosto e o pessoal acabou decidindo pelo dia 5. Só que aí, no dia 4, uma pessoa, que disse ser o André, falou que o pai dele teve um problema de saúde e ele teria que viajar. No meu caso, fui questionar no particular se só ele apresentaria os módulos e também pedir para reaver o valor, mas, nem me respondeu”, disse.

Pais organizaram denúncia coletiva ao Procon e à Decon

Desde então, Iana fala que teve a certeza de estar caindo em um golpe. Além dela, outros pais se mobilizaram e criaram outro grupo no WhatsApp, onde colocaram os contratos, falaram dos prejuízos e todas as suas insatisfações. Com o material em mãos, os pais devem comparecer ao Procon-MS (Órgão de Defesa do Consumidor) e à Decon (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra as Relações de Consumo).

“Foi quando conseguimos o nome completo de um dos envolvidos e constatamos que ele tem passagens por estelionato, além de ser de uma empresa que aplica golpes em todo o país. Depois, parei para pensar em vários detalhes que, na hora da reunião, você não tem nem tempo. Eles fazem um pré-treinamento com as crianças, que saem empolgadas e daí nos levam a proposta e você fica com vontade de proporcionar isso a elas, pelo fato de tantas habilidades que prometem”, relembrou.

Além disso, a mãe fala que já conhecia uma criança que tinha feito um treinamento com os bombeiros e achou que fosse o mesmo. “Resolvi investir, mas, hoje, entendo que a estrutura na hora lá já era precária. É que eles chegam com um marketing agressivo, mas, só pensar um pouco, ver que o contrato deles tem uns erros de português bizarros. São pessoas com nível de instrução baixo, fora que eles jogam metade do valor se você pagar adiantado, o que foi o meu caso”, disse.

Para finalizar, a mãe lamenta o ocorrido e diz que espera a punição. “Eu verifiquei que, primeiro, eles estiveram em um hotel em fevereiro, enganando um monte de pais. Depois, alugaram esta sala na Joaquim Murtinho, onde eu fui. Estão fazendo isso há muito tempo, no país inteiro. Eu nem penso no dinheiro de volta, mas, acho que a diretoria da escola e a Semed [Secretaria Municipal de Educação] precisam ser responsabilizados. Não deveriam deixar estelionatário ficar entrando em escola”, comentou.

“Perigo que envolve piscina”: única aula ocorreu em local inadequado

“Boa tarde aos pais e responsáveis. Especialmente esta semana nossa aula será em um espaço de eventos, pois vamos utilizar a piscina do espaço. Tema da aula: Perigo que envolve Piscina…”. É assim que iniciou o comunicado, da única aula que ocorreu, das 10h às 13h, na Rua Manoel Crescente Silva, bairro Universitário.

“Passaram este local pra gente e isto nem estava no cronograma. O lugar era completamente inadequado. Olhei no Google Maps, achei incabível e, mesmo assim, muitos pais foram. Era sem estrutura, sem água, em um sol insuportável, sem banheiro, com fios desencapados e fezes de cachorro para todos os lados”, comentou a mãe.

Outra vítima, de um menino de 6 anos, portador de TEA (Transtorno do Espectro Autista) e que estuda na Escola Municipal Professor Carlos Henrique Schrader, localizada no Jardim Flamboyant, comentou que transferiu R$ 150 logo após a palestra.

“Eu paguei só isso, mas, muitos pais pagaram tudo no dia. Igual a outra mãe disse, recebemos o recado na agenda da escola. Depois, soube que os mirins colocaram o papel nos cadernos das crianças porque o vice-diretor havia permitido e ele que liberou após três visitas destes golpistas. E o restante da história é igual da outra mãe. Todos caímos em um golpe, nem o endereço do escritório que nos deram existe, ou seja, são pessoas que fingiram fazer parte de um grupo honesto, com banners, palestra bem explicativa e tudo mais”, falou.

A reportagem tentou contato telefônico com os responsáveis pelo projeto “Bombeiros do Futuro”, mas as ligações não foram atendidas. O espaço segue aberto para esclarecimentos.

Semed diz que está acompanhando o caso

O Jornal Midiamax entrou em contato com a Semed e a assessoria de imprensa do órgão informou que “está acompanhando o caso de perto e orientando novamente os diretores, professores e servidores da Reme, em geral, para não autorizarem pessoas e empresas entrarem nas unidades sem autorização do órgão central”.

Bombeiros alegam que projeto deles é o “Bombeiros do Amanhã”

A reportagem também entrou em contato com o Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul, questionando sobre o uso do nome da corporação em cursos e também qual é o real projeto que é feito com as crianças. Segundo a assessoria de imprensa, o único projeto envolvendo os militares se chama “Bombeiros do Amanhã”.

O último treinamento, aliás, mantido pelo 6º GBM (Grupamento de Bombeiros Militar), encerrou as atividades do ano letivo e premiou os três melhores alunos, em dezembro de 2022. Ao todo, 54 alunos, entre crianças e adolescentes, receberam o certificado. 

Neste projeto, os bombeiros militares desenvolvem um projeto social que promove cidadania, inclusão social e digital, diminuição da situação de risco em que crianças e adolescentes são submetidos e fortalecer a integração entre a corporação e a comunidade.

Golpes em outras cidades brasileiras

A reportagem apurou que, usando o mesmo nome, os supostos estelionatários também estiveram em outras cidades brasileiras. Em novembro do ano passado, por exemplo, o CBMMG (Corpo de Bombeiros de Minas Gerais) emitiu um alerta, dizendo que empresas estariam usando o nome da corporação em mensagens eletrônicas, campanhas de arrecadação, emissão de documentos e até treinamentos como se fossem credenciadas pela corporação.

Neste caso, a corporação descobriu que em Minas Gerais e outros estados, principalmente nas redes sociais, estava ocorrendo a divulgação de cursos, voltados para crianças e adolescentes, com a temática Bombeiro Aprendiz (civil ou mirim). Em alguns momentos, não era falado da corporação, porém, os golpistas utilizaram as cores e traços semelhantes aos que compõem a identidade visual da instituição.

A prefeitura do município de Poços de Caldas também se manifestou na época. Veja a nota na íntegra:

A Prefeitura Municipal de Poços de Caldas, por meio da Secretaria Municipal de Educação, informa que NÃO foi contatada ou autorizou ações da empresa Escola Bombeirinhos do Futuro, de natureza privada, nas unidades de ensino do município.

A referida empresa NÃO mantém qualquer vínculo com o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais e NÃO possui termos de parceria, colaboração ou apoio da Prefeitura.

Cabe ressaltar que as atividades realizadas em parceria pela Secretaria Municipal de Educação e Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais são desenvolvidas com objetivos estritamente pedagógicos, sem nenhum tipo de cobrança de taxas, mensalidades ou manutenção“.

Empresa se manifesta 20 dias após publicação da reportagem

Na quarta-feira (06), o advogado Lucas Castro entrou em contato com o Jornal Midiamax, se dizendo representante da empresa que ofereceu o curso e encaminhou uma nota sobre o assunto, onde afirma “se tratar de empresa idônea sem qualquer ligação com atos ilícitos”.

Ainda conforme a nota, a aula mencionada na reportagem foi a 1ª aula do curso e que o mesmo está ativo, “tendo aulas frequentes todos os sábados”. Diz ainda que tomou medidas cabíveis contra os responsáveis, devido que “as declarações mencionadas são inverdades”.

Ainda se coloca a disposição para tirar qualquer dúvida e realizar esclarecimento quanto algum fato. “Acerca dos fatos narrados, os mesmos não condiz com a verdade, a empresa tem ciência que existem empresas do mesmo ramo que estão aplicando golpes em todo país, mas que a empresa não compactua com as alegações”.

(Matéria atualizada às 13h37 de 6 de setembro de 2023 para inclusão do posicionamento da empresa)