Para sindicato e Sejusp, câmeras em fardas de policiais penais ajudam, mas não são prioridade
Relatório que recomenda o uso das câmeras foi divulgado após péssimo cenário encontrado nos presídios do País. MS não foi visitado
Lívia Bezerra –
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Divulgado na última semana, o relatório “Tortura Sistêmica e Democracia na Encruzilhada”, desenvolvido pelo MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), recomendou o uso de câmeras nas fardas dos policiais penais em todo o Brasil.
A recomendação que consta no documento leva em conta 45 visitas realizadas em presídios no ano passado constatarem sinais de maus-tratos e celas superlotadas. Apesar de não ter sido contemplado com visitas do colegiado, que é ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, a recomendação abre debate sobre o uso do mecanismo, considerando a população carcerária de MS.
Dos 648,6 mil encarcerados em presídios estaduais de julho a dezembro de 2022, MS é responsável pela custódia de cerca de 17 mil deles, considerando todos os regimes, conforme dados da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais).
Nesse contexto, a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul) e o Sinsapp/MS (Sindicato dos Servidores da Administração Penitenciária) e a Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), opinaram sobre a recomendação, conforme você lê a seguir.
Recomendação é boa, mas bloqueador de sinal de celular é prioridade
Para o titular da Sejusp, Antônio Carlos Videira, outra medida deveria ser imposta antes das câmeras nas fardas dos policiais penais.
“Penso que antes dessa medida, poderiam recomendar as operadoras de telefonia celular a criarem áreas de sombra nos presídios. As câmeras corporais fazem parte de solução ainda muito cara, que implicaria em redução, por exemplo, na ampliação de vagas para presos, um problema que o MS enfrenta face resultado de repressão ao crime, sobretudo ao tráfico de drogas”, opina.
Mesmo contrário à recomendação, o chefe da segurança pública estadual faz uma ressalva de que o monitoramento pelas fardas pode ser observado como forma de proteger os policiais penais durante o trabalho.
“Se o Governo Federal adotar nos presídios federais e disponibilizar aos estados sem prejuízo aos recursos destinados à ampliação de vagas e políticas que promovam ressocialização, redução da reincidência, e ampliação da remissão de pena pelo trabalho e estudo, o uso pode ser analisado pelos policiais penais como uma forma de protegê-los no exercício de suas funções constitucionais e fomentar o estudo de procedimentos operacionais padrões para os trabalhos desenvolvidos em Unidades Penais”, pontua.
Segurança no solário dos presídios deve ser prioridade
O presidente do Sinsapp/MS, André Luiz Santiago, opina que primeiramente deveriam investir na segurança do solário das unidades prisionais. “Muitas unidades prisionais aqui do Estado são construções antigas, puxadinhos ou adaptações totalmente inseguras, que ficam em áreas urbanizadas e que não conseguem investimento para colocar uma simples tela no solário dos presídios para evitar arremessos de drogas e que os drones não levem materiais ilícitos ou armamentos para dentro dos presídios”.
O investimento das câmeras nas fardas possui um custo muito alto, segundo o presidente, que ainda faz um questionamento, ressaltando que já existe um monitoramento nas estruturas físicas dos presídios.
“Existe uma deficiência estrutural dentro das unidades prisionais e que esses recursos são altíssimos e inadequados justamente porque os presídios, ao longo dos anos, receberam um tipo de investimento de monitoramento em todas, ou quase todas as dependências das unidades na estruturação física. Ou seja, por que há um investimento de monitoramento corporal do policial penal se a unidade prisional já tem essa estruturação com um custo muito menor e eficiente? Custo esse que serve tanto para controle interno de todos os movimentos, quanto para tentativas de fugas. Esse sistema acoplado no corpo do policial é de investimento altíssimo”, analisa.
A violação da intimidade dos detentos, que pode prejudicar o Estado futuramente, é outro ponto mencionado por Santiago. “Também precisamos observar que esse policial estará gerando imagens em situações que podem ocorrer ações contra o Estado, porque ele estará fazendo imagens de intimidade dos detentos, em banheiros, por exemplo, visto que o banheiro de uma cela é coletivo. Quando se faz uma geral necessária na parte interna, talvez há algum tipo de imagem que possa sofrer alguma ação contra o Estado por estar violando a intimidade do preso”, explica.
Aguardando definição nacional
A Agepen/MS afirmou que seguirá o que for definido para todos os estados brasileiros.
“O assunto é pauta de discussões pela Secretaria Nacional de Políticas Penais, bem como do Consej (Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária) e a Agepen/MS (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul) seguirá as diretrizes nacionais”.
O relatório
Durante 45 visitas feitas pelos peritos nos estados do Amazonas, Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte e Sergipe, foram encontradas celas com superlotação, e alimentação mal feita e insuficiente. Além disso, nas prisões havia falta de água adequada, banheiros em péssimas condições de uso e detentos doentes sem tratamento médico adequado.
A previsão era de que o monitoramento estivesse ativo já no primeiro semestre de 2022, no entanto, o serviço ainda não foi aderido. Com a divulgação do relatório na última quarta-feira (16), as câmeras nas fardas dos policiais penais podem se tornar realidade. Além dos presídios, carceragens, delegacias, unidades socioeducativas, hospitais psiquiátricos, hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, comunidade terapêutica e abrigo para idosos também foram inspecionados.
Agora, após o cenário encontrado nas visitas, o documento do relatório apresenta 53 recomendações aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, dentre elas o monitoramento individualizado nas fardas dos policiais penais, para pôr fim a tortura e maus-tratos nos presídios e demais instituições de privação de liberdade do Brasil.
O relatório informa que as câmeras de filmagens devem ser fixadas nas fardas ou coletes. “Assegurado um tempo mínimo e adequado de armazenamento das imagens e um tempo maior em casos de ocorrência de conflitos, violência ou possíveis situações de prática de tortura e outras violações de direitos no âmbito da privação de liberdade”, diz o documento.
Além do uso obrigatório das câmeras, o relatório recomendou outras medidas, como a desativação da FTIP (Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária). A FTIP foi criada em 2017 e é composta por policiais penais federais, que atuam na resolução de crises, motins e rebeliões no sistema prisional.
A vedação do uso dos armamentos menos letais no interior das unidades prisionais, como cartuchos de impacto cinético com múltiplos projéteis, bomba fumígena HC, granada de luz e som GL 305, espargidor de pimenta e bombas CS também foram recomendadas.
*matéria atualizada às 12h25 para correção de informação
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