Os casos de violência doméstica contra homens têm números irrisórios se comparados aos crimes cometidos contra a mulher, e não chegam a 10% dos registros. Porém, o crime no contexto familiar também faz homens vítimas. Em três anos, pouco mais de 5 mil homens, entre idosos, adultos, jovens, adolescentes e crianças, foram vítimas de violência doméstica em Mato Grosso do Sul. O número pode ser maior, já que muitas vezes a vergonha faz com que o crime seja omitido.

Contra o homem, o crime tem muitas características semelhantes ao praticado contra a mulher, causas, motivações, porém os registros não. Em sua maioria, os registros são feitos contra outros homens, sendo eles pais, irmãos, outras pessoas do ambiente familiar, isso porque o crime quando é praticado pela figura feminina é omitido.

“Chamamos de cifras negras, que é quando os crimes ocorrem, a sociedade sabe, o poder público sabe, mas não há registro formalizado, porque há psicologicamente uma certa vergonha da parte da vítima levar ao poder público uma agressão física por parte de uma mulher. Existe uma certa vergonha do homem, em uma sociedade que está mudando, mas ainda é uma sociedade machista, patriarcal, onde o homem teria que ser o suporte financeiro da família e tem vergonha de se mostrar às vezes devedor, precisando da mulher financeiramente. Então, na maioria dos casos onde o agressor é mulher, a cifra negra aparece”, explica o professor de direito da Uniderp, Rafael Sampaio.

“Quando o agressor é mulher, há mais omissão nos registros, já quando é homem, aparecem mais”, disse. A violência, segundo Sampaio, se assemelha muito aos casos em que a vítima é mulher, como, por exemplo, há os crimes patrimoniais, psicológicos, até casos mais graves como agressão e abuso sexual.

O grande problema quando as vítimas são crianças e adolescentes é porque os agressores em sua maioria são os próprios pais e os números de registros não são tão altos porque eles dependem de terceiros, como professores e escola, para que identifiquem a violência. No caso de abuso sexual, ocorre a mesma coisa, o agressor desses meninos está dentro de casa ou são parentes próximos, e a na maioria das vezes o agressor é homem.

As vítimas mais ‘comuns’ são homens entre 30 e 59 anos, que são quase metade dos números. “Enxergo pessoas mais maduras que não teriam essa vergonha de fazer o registro da ocorrência e buscar punir o agressor”, afirma, dizendo ainda que acredita que os registros das ocorrências tenham aumentado em decorrência de mudança na sociedade. “Estamos em uma sociedade mais moderna, mais informada, menos preconceituosa em alguns nichos sociais, o que acaba fazendo com que as denúncias cheguem mais ao poder público”, detalhou.

Conforme os dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), desde 2020 o número de casos vem aumentando. Em 2020, foram 1.407 registrados em todo Estado, sendo 407 só em Campo Grande. Em 2021, o número subiu para 1.551 em MS e 1.696 em 2022. Já em 2023, até o dia 15 de março, 351 homens registraram ocorrência por violência doméstica.

Ainda conforme Sampaio, diferentemente das mulheres, que têm a Lei Maria da Penha a seu favor, os homens não têm essa proteção. Segundo ele, há algumas medidas cautelares que podem ser impostas, mas não têm a mesma urgência de uma medida protetiva.

Em janeiro deste ano, por exemplo, um tatuador de 30 anos sofreu um agressão gravíssima da ex-namorada, de 41 anos. A mulher jogou um líquido corrosivo no rosto do homem, que ficou cego e teve de passar por uma cirurgia de córneas.

A mulher vigiou a casa dele por uma semana antes do ataque no Bairro Aero Rancho, em Campo Grande. Uma testemunha viu a mulher três vezes antes do ataque e sempre ficava cuidando a casa do tatuador. Na noite do crime, a autora viu o ex-namorado chegando e foi para a frente da casa dele jogar o ácido.

Imagens de câmeras de segurança mostram a autora fugindo e o tatuador pedindo socorro a vizinhos. Em entrevista ao Jornal Midiamax, ainda durante internação na Santa Casa, o tatuador explicou que a mulher não aceitava o fim do relacionamento, ocorrido há quatro meses.

A autora continua foragida, apesar de já ter sido indiciada pelos crimes de perseguição e lesão corporal gravíssima.

(Foto: Danielle Errobidarte – Arquivo Midiamax)

Também no começo do ano, um menino de 10 anos foi espancado com socos e chutes, inclusive jogado contra a parede pelo pai, em uma cidade do interior de MS. O caso foi registrado na delegacia por uma vizinha, que inclusive foi ameaçada pela mãe da criança por ter feito denúncia no Conselho Tutelar.

Ela disse que, em uma das ocasiões, o menino foi agredido com chutes nas costas e devido às dores pediu ajuda para a vizinha com remédios. A criança estava com hematomas nas costas por causa das agressões.

Mudança na Lei

Uma sugestão de plano, segundo o professor de Direito, seria modernizar a Lei Maria da Penha, que segundo ele realizou um ótimo trabalho, fazendo com que ela atenda vítimas de violência e não só mulher. “Ela trouxe uma nova política de enfrentamento à violência doméstica, criou toda uma estrutura para proteger a mulher. O Poder Judiciário teve de criar uma vara específica para julgar esses crimes. Seria interessante modificar a lei. Ao invés de ser contra a mulher, ser contra a pessoa mais frágil no relacionamento. Ela havia sido criada para proteger a mulher, pois era fato histórico da mulher ser a parte mais frágil da relação, mas nos dias atuais temos dependência financeira, moral e psicológica. Muitas vezes a mulher é financeiramente abastada, psicologicamente mais forte e acaba impondo agressões”, explica.

Recentemente, criou-se uma nova lei muito equiparada com a Lei Maria da Penha, que é a Lei de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra criança e adolescente dentro do lar. “Essa lei contempla tanto o menino quanto a menina. A Lei 14.344 tem as medidas protetivas de urgência assim como na Lei Maria da Penha. Então o homem, quando criança e adolescente tem essa proteção, enquanto adulto não há proteção específica, entra na regra geral”, afirma.

Há algumas medidas cautelares diversas à prisão, que podem ser utilizadas para dar proteção para a vítima homem, mas diferentemente de quando a vítima é mulher, essa medida cautelar demora um pouco para sair. Há uma investigação e outros requisitos para que se possa aplicar essas medidas cautelares em favor do homem. “A legislação não é específica e ainda é atrasada nesse sentido, mas não adianta só mudar a lei e não mudar a estrutura. Precisa também de políticas públicas”, conclui.