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Polícia

Entre o desrespeito e a impunidade, nova lei que equiparou injúria e racismo reflete em MS

“Não é por ter me chamado de preto, mas pelo desrespeito”, diz PM que foi injuriado durante abordagem após preso não aceitar ‘ser abordado por um preto’
Danielle Errobidarte -
(Foto: Henrique Arakaki - Jornal Midiamax)

No último dia 12, foi sancionada a Lei Federal número 14.532 que tipifica como crime de racismo a injúria racial, com aumento de pena. Em Mato Grosso do Sul, foram ao todo 30 crimes de racismo em que as ofensas foram direcionadas à raça e cor das vítimas. Se considerado o crime de injúria qualificada por discriminação referente a raça, cor, etnia, religião, origem ou pessoa com deficiência, os dados sobem para 469 casos. Desde a mudança na lei, já foram três vítimas em MS.

Para exemplificar que esse tipo de discriminação passa por cima de qualquer autoridade exercida pela vítima, o Jornal Midiamax conta o relato de um cabo da Polícia Militar que sofreu injúria racial durante o horário de serviço. Ele estava junto ao colega de serviço, também negro, realizando rondas próximo a uma casa noturna, quando foram chamados por funcionários.

Chegando ao local, os policiais encontraram o autor em visível estado de embriaguez, se negando a pagar o que havia consumido e importunando clientes. Ele se negou a apresentar a comanda na saída da casa noturna.

Assim que o cabo se aproximou do autor, ele se recusou a dizer o nome e disse que “não conversaria com pretos”. Ele ainda disse que “faria ligações para pessoas influentes que o tirariam dali”. O policial explicou que o autor apenas deveria acertar o consumo que fez na casa noturna.

Em seguida, o autor teria dito que “não iria pagar p* nenhuma”. Por isso, ele foi algemado e levado para a delegacia, acusado de injúria qualificada pela raça, cor, etnia ou origem, resistência, desacato e recusa de dados sobre identidade.

Apesar de ter sido chamado de “preto” de uma forma ofensiva – o que é utilizado para qualificar o crime de injúria racial, ou seja, a forma como as palavras são direcionadas à vítima – o militar afirma que o autor ainda teria dito “chama algum policial branco”. Entretanto, o outro policial que estava junto a ele também era negro. “Não é por ter me chamado de preto [que me senti ofendido], é por me desrespeitar na frente de todo mundo”, relata.

Crimes de racismo e injúria em MS

Segundo dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), no ano de 2023, até o dia 22 de janeiro, foram registradas 13 ocorrências de injúria qualificada por discriminação em MS, cinco de LGBTFobia, uma de religião, quatro contra idosos e duas contra pessoas com deficiência.

Os crimes de racismo em MS envolvendo raça ou cor aumentaram 200% de 2021 para 2022, passando de 10 para 30 casos, segundo a Sejusp. Já os relacionados à LGBTFobia, cresceram 12,5%, de 8 para 9, de um ano para outro. Os crimes envolvendo religião foram denunciados por três vítimas nos dois últimos anos, enquanto o de divulgação de estava em zero em 2021 e teve um registro em 2022.

Já a injúria qualificada por discriminação em MS aumentou 52,27% nos últimos dois anos, saltando de 208 em 2021 para 469 em 2022. Até agora, em 2023, foram 13 registros de injúria qualificada por discriminação de raça ou cor, enquanto em 2022 foram 179 desde agosto.

Ainda conforme a Sejusp, com as alterações da lei 14.532/2023, que entrou em vigor no dia 11 de janeiro, até o dia 22, foram registradas três ocorrências de injúria por discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

O que muda na lei?

Segundo o defensor público Mateus Augusto Sutana, do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, os crimes de racismo são inafiançáveis, ou seja, quando uma pessoa é presa por esses crimes não tem direito à fiança. Além disso, são também imprescritíveis, o que significa que o(a) autor(a) será investigado, processado e punido sem prazo limite para punibilidade.

“Diferente do que as pessoas estão falando, a lei 14.532, de 2023, não equiparou os crimes de injúria racial e racismo, mas a injúria se tornou uma espécie de racismo. Antes este crime era previsto no Código Penal, e agora está previsto na própria lei de racismo”, afirma o defensor.

O defensor ainda explica a diferença entre os dois crimes. Enquanto no crime de racismo as vítimas são indeterminadas, as ofensas genéricas e direcionadas a um grupo de pessoas, a injúria racial é o xingamento e ofensas direcionadas a determinada pessoa. Entretanto, conforme Mateus Augusto, na prática esses dois tipos penais protegem valores jurídicos muito próximos.

“A principal diferença que acho importante destacar com a mudança é que agora o crime é uma ação incondicionada. Se a vítima foi na delegacia e informou que houve esse crime, as investigações vão correr independente da vontade da vítima”, explica. Antes, havia o prazo de seis meses para oferecer representação.

A mudança é importante porque, por diversas vezes, a vítima não comparecia na delegacia para pedir representação contra o autor. Atualmente, se for feito o boletim de ocorrência, a investigação vai tramitar independente da vontade da vítima.

Outra diferença é na aplicação da pena, que de 1 ano a 3 meses passou para 2 a 5 anos de reclusão. O defensor cita um exemplo prático. “Se você chamar alguém de um termo pejorativo, e se tiver ânimo de realmente injuriar a pessoa, ou xingar, é considerado racismo na modalidade injúria racial, e vão ter todas essas repercussões”, explica o defensor.

Injúria racial nas redes sociais

O defensor público ainda explica que, quando o crime de injúria racial na modalidade racismo é cometido na internet, como em comentários de matérias, no YouTube, Facebook ou Instagram, direcionado a população LGBTQIA+, o crime será enquadrado também como injúria racial com a qualificação de racismo.

“Quando são feitos xingamentos na internet, atrai a competência da Justiça Federal, e a vítima tem que fazer uma denúncia no Ministério Público Federal. Quando a pessoa recebe um desses xingamentos pessoalmente ou na internet fechada – como e-mail, ou chamada telefônica – deve procurar a justiça estadual, delegacia da Polícia Civil, e fazer um boletim de ocorrência”, explica Mateus Augusto.

O defensor comemora também a atualização do Sigo (Serviço Integrado de Gestão Operacional) – utilizado pelas polícias Civil e Militar para registro de ocorrências – que agora passa a fazer o registro com diferenciação entre injúria racial e racismo. “Depois de muita articulação, a Defensoria do Estado, em parceria com a Polícia Civil, conseguiu atualizar o sistema Sigo para ter dados qualificados de todo tipo de injúria e de racismo”, afirma o defensor.

Ainda na visão do defensor público, a criação de uma Subsecretaria de Políticas LGBTs é um feito a ser comemorado, principalmente em um estado como Mato Grosso do Sul. “A gente sabe que nosso estado é conservador, mas acho que esse é um dos avanços, para que sejam construídas políticas públicas que realmente combatam a violência de pessoas LGBTs”, opina.

Para aqueles que utilizam das para cometer os crimes de injúria racial contra essas vítimas, o defensor faz um alerta. “As pessoas precisam saber que comentários na internet são rastreáveis e elas estão cometendo crimes. Agora, ainda são crimes imprescritíveis, que daqui 5 ou 10 anos, se alguém quiser fazer uma varredura, vai aparecer”, finaliza.

Investigações ocorrerão em delegacia especializada em MS

Mato Grosso do Sul deverá contar com delegacia especializada para investigar crimes que tenham sido cometidos por convicções ideológicas, de gênero, de orientação sexual, religiosas, raciais, culturais e étnicas.

É o que determina decreto publicado no DOE (Diário Oficial do Estado) na última quinta-feira (26), que impõe à Deops (Delegacia Especializada de Ordem Política e Social) a responsabilidade de investigar crimes de ódio de forma geral.

Conforme o texto publicado, fica sob responsabilidade da Deosp “investigar, reprimir e apurar as infrações penais de intolerância, definidas como condutas que configurem violência física, moral ou psicológica, originalmente motivadas pelo posicionamento intransigente e divergente de pessoa ou de grupo em relação a outra pessoa ou a grupo e caracterizado por convicções ideológicas, de gênero, de orientação sexual, religiosas, raciais, culturais e étnicas”.

O decreto também detalha que a DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídios), portanto, passará a atuar na repressão, apuração e investigação de crimes de homicídios tentados ou consumados que tiverem a motivação por convicções ideológicas, de gênero, de orientação sexual, religiosas, raciais, culturais e étnicas.

As duas delegacias especializadas estão localizadas no complexo do Cepol (Centro Especializado de Polícia Integrada), no Arnaldo Estevão de Figueiredo, onde também há uma das Depacs (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário), no qual há duas delegacias plantonistas para registros de ocorrências daquela região.

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