Em região mais vulnerável, conselheiros lidam com crimes sexuais e crianças com fome

Área sul é responsável por bairros como Los Angeles, Dom Antônio e Jardim Canguru
| 29/06/2023
- 14:34
Em região mais vulnerável, conselheiros lidam com crimes sexuais e crianças com fome
Um dos casos atendidos pelo Conselho Sul foi o resgate de seis menores. (Foto: Arquivo Midiamax)

Considerada a área mais populosa e com bairros em situação de maior vulnerabilidade de Campo Grande, a região sul concentra também alto número de denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Conselheiros tutelares que trabalham diretamente nesses locais contam sobre a atuação diária que vai desde crimes sexuais a crianças passando fome.

No Conselho Tutelar Sul, desde o início da atual gestão, no ano de 2020, foram mais de 1800 denúncias por ano. O órgão registrou mais de 5500 denúncias para serem averiguadas desde janeiro de 2020.

Os cinco conselheiros da região são responsáveis por garantir direitos fundamentais de crianças e adolescentes, previstos no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), de bairros como Aero Rancho, Los Angeles, Dom Antônio Barbosa, Jardim Canguru, Jardim Centro Oeste, além da Favela Só Por Deus e da Invasão do Samambaia.

 

Entretanto, devido à região concentrar áreas com vulnerabilidade socioeconômica, uma das conselheiras, Raquel Lázaro, explica que é comum atendimento de crianças vítimas de violência sexual e abandono de incapaz.

“Cabe a nós do Conselho encaminharmos a criança para assistência social, entender o contexto em que ela se encontra, se existe algum indício de alguma outra violação de direito e se esse abuso sexual se deu realmente dentro do ambiente familiar”, explica Raquel.

O acompanhamento dos menores é feito por meio de uma rede de proteção, que inclui órgãos de setores da saúde, educação, segurança pública e assistência social. Por vezes, os conselheiros da área Sul precisam trabalhar em conjunto com as polícias Militar e Civil, já que é comum esse tipo de encaminhamento.

 

Uma das dificuldades dos conselheiros, contudo, é fazer a população entender o trabalho do Conselho Tutelar, já que culturalmente ele é visto como um órgão punitivo. “Se você perguntar para uma criança se ela tem mais medo de entrar dentro da viatura da polícia ou dentro do carro do Conselho, qual ela responderia? O do Conselho. Apesar do peso de entrar em uma viatura, as crianças sabem que vão, mas retornam para casa. Na do Conselho, elas entendem que vão embora e nunca mais vão ver os pais”, afirma Raquel.

Conselheira Raquel Lázaro, do Conselho Tutelar Sul. (Foto: Kisie Ainoã - Jornal Midiamax)

"Aqui tem muita gente passando fome", diz conselheira

Entre as três pilhas de papel, com solicitações para atender, Raquel divide a escala de plantões entre o atendimento de ocorrências urgentes em que é pedido apoio do Conselho Tutelar, reuniões internas e atendimento de famílias e vítimas na unidade. “Aqui é uma região de muita vulnerabilidade social, tem muita gente passando fome. São casas em que têm uma carência socioeconômica muito grande, e isso acaba inserindo as crianças em situações de violação de direitos”, detalha a conselheira.

Ainda segundo Raquel, a realidade da maioria dos lares encontrados pela equipe técnica do Conselho – que é quem realiza as visitas nas residências – é de famílias em que os pais possuem muitos filhos e pouco espaço para convivência familiar.

 

“Existem casas que a família tem sete ou oito membros, com mãe, pai ou padrasto e madrasta, e cinco ou seis filhos, dentro de uma casa com dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Então, essas crianças acabam ficando enclausuradas dentro de casa. Em algum momento vai haver irritação, seja por falta de dinheiro ou de comida, e aí vêm as agressões”, explica Raquel.

A conselheira relata que a maioria das ocorrências atendidas é de maus-tratos, violência sexual e abandono de incapaz. “Esses tempos atrás houve uma situação de uma casa que estava totalmente insalubre, com fezes por todos os cômodos, e as crianças vivendo lá. Nesses casos podemos até sugerir o acolhimento das crianças em abrigos, para a promotoria do Ministério Público”, explica.

Cinco crianças e um adolescente viviam em apartamento

O caso que ficou na memória da conselheira Raquel aconteceu em março deste ano, quando cinco crianças – três meninas, de 1, 5 e 7 anos, e dois meninos, de 2 e 9 anos – e um adolescente, de 12 anos, foram resgatadas de um apartamento em um residencial. Nesse dia, Raquel lembra de ter chegado ao local junto aos policiais militares do 10º BPM (Batalhão de Polícia Militar) e encontrou as crianças sem roupas e reclamando de fome e sede.

A residência estava com forte odor e tinha fezes – de humanos e de animais – por todos os cômodos, além de insetos e muita sujeira. As crianças não tinham local adequado para dormir, apenas colchões jogados no chão, e estavam sem água há dois meses.

Essa foi uma das ocasiões em que o Conselho Tutelar precisou atuar para encaminhar os menores a um abrigo, além de terem passado por depoimento especial na DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), onde o caso foi registrado como maus-tratos.

Contudo, Raquel explica que não são todas as denúncias que chegam ao Conselho que podem terminar com as crianças levadas para uma casa de acolhimento. Os menores de idade são acolhidos apenas em três casos, quando o conselheiro atua de forma emergencial: abandono de incapaz, violência física grave ou estupro de vulnerável.  

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