Mato Grosso do Sul assistiu em 2023 julgamento que entrou para a história como o maior da década

Mais de 15 mil páginas de processo, 10 testemunhas, forte esquema de segurança e 3 dias de duração; julgamento condenou três por assassinato

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Jamil Name Filho ordenou assassinato que vitimou Matheus Coutinho, por engano, no lugar do pai. (Henrique Arakaki, Nathalia Alcântara, Redes Sociais)

Quatro anos após o crime brutal que tirou a vida do estudante de direito Matheus Coutinho Xavier, de 20 anos – executado por engano a tiros de fuzil em abril de 2019 no lugar do pai, Paulo Roberto Teixeira Xavier – foi realizado o julgamento de três dos seis envolvidos no crime. Em três dias do mês de julho, Mato Grosso do Sul assistiu o que foi considerado o maior da década e até da história de Mato Grosso do Sul.

Foram condenados Jamil Name Filho, Marcelo Rios e Vladenilson Olmedo em um julgamento de três dias no Tribunal do Júri de Campo Grande. A sessão que iniciou na segunda-feira (17 de julho) e terminou já tarde da noite de quarta-feira (19 de julho) condenou os réus, sendo Name Filho foi condenado a 21 anos de prisão, Marcelo Rios a 23 anos e Vladenilson a 21 anos.

Jogo do Bicho ainda é visto pelas ruas de Campo Grande.(Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

Além da extensa duração, a complexidade do caso e influência dos réus, visto que Name Filho é de uma família tradicional no Estado, auxilia no título de maior júri da década. Foram mais de 15 mil páginas de processo, mais de 10 testemunhas, adiamentos sucessivos, plenário lotado e um forte esquema de segurança.

Quando se fala em influência dos réus, refere-se ao empresário Jamil Name e seu filho, Jamil Name Filho (Jamilzinho). O patriarca também era réu sobre o assassinato do estudante, mas faleceu no dia 27 de junho de 2021, aos 82 anos, por complicações de saúde. Pecuarista, dono de diversas empresas e ex-presidente do Operário, Name havia sido preso também no âmbito da Operação Omertà, acusado de chefiar uma organização criminosa especializada em execuções, entre elas, a do estudante de direito.

Pai e filho chefiavam o esquema de exploração ilegal de jogos de azar, mais conhecido como ‘Jogo do Bicho’ em todo Mato Grosso do Sul.

Promotor Douglas (Nathalia Alcântara, Midiamax)

Caso complexo e influência dos réus

Um dos quatro promotores que atuaram no julgamento, Douglas Oldegardo, conversou com o Jornal Midiamax sobre a magnitude do julgamento. Ele, que atua na área há 26 anos e tem uma bagagem de 993 plenários, reforça que o julgamento de Name e comparsas teve grande impacto por conta de vários fatores, entre eles, a complexidade do caso, a influência dos réus e também um pedido de resposta da sociedade.

Oldegardo confessa que não gosta de usar o termo de maior da década ou da história, para não desmerecer outros julgamentos, já que todos são importantes, independente da forma como o crime ocorreu ou mesmo dos próprios réus. Ele chegou a citar alguns que se lembra que tiveram grande repercussão, como o caso Dudu, que segundo ele, não é comum conseguir condenação em homicídio sem cadáver.

“Nesse caso tivemos uma coisa raríssima na história do júri brasileiro, que foi um homicídio sem cadáver. Muitos se falaram no caso do goleiro Bruno, mas nós aqui também tivemos júri sem cadáver”, lembrou. Há ainda o caso Mayana de Almeida Duarte, sendo o 1º julgamento da história do Brasil em que se condenou por homicídio duplamente qualificado, uma morte no trânsito. 

A repercussão que o caso e julgamento de Name teve, ajudou para que ganhasse esse título. O júri foi resultado da Operação Omertà, desenvolvida em Procedimento Investigatório Criminal instaurado em 2019 para apurar crimes de organização criminosa e formação de milícia, extorsão, posse e porte ilegal de armas, jogos de azar, entre outras atividades ilícitas. Os trabalhos resultaram em 19 ações penais entre elas, o assassinato do estudante de direito.

 “O caso era muito complexo e nós tivemos muitas, mas muitas provas. Foram cerca de 5, 6 meses estudando as provas e processo para o julgamento, isso porque eu já conhecia o caso e acompanhei o inquérito policial”, lembrou Oldegardo.

Três de sete réus foram a julgamento

Ao todo eram 7 réus no processo, porém Jamil Name faleceu enquanto estava preso, por motivos de saúde. Zezinho morreu em troca de tiros com a polícia e Juanil segue considerado foragido. Já Eurico foi inocentado das acusações por falta de provas.

O júri foi presidido pelo juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri, Aluízio Pereira dos Santos. Atuam na acusação quatro promotores Luciana do Amaral Rabelo, titular da 21ª Promotoria de Justiça em Campo Grande, promotor Moisés Casarotto, promotor do MPMS desde 2013, Gerson Eduardo de Araújo, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e Douglas Oldegardo, promotor do Júri, e, a assistente, advogada Cristiane Almeida Coutinho, mãe de Matheus. 

“A repercussão social traz uma carga de importância, uma simbologia. A partir do momento que toda a sociedade toma conhecimento de um crime, que toma partido de um crime o resultado deste crime, a sociedade espera uma resposta e esse crime acaba fazendo jus a esse tipo de classificação”, disse o promotor. 

Jamil Name Filho ao lado dos comparsas, Vladenilson Olmedo e Marcelo Rios. (Nathalia Alcântara, Midiamax)

Douglas ainda relembrou como as investigações começaram e a ligação entre os crimes que ligava à família Name, como por exemplo os assassinatos de Matheus, Marcel Colombo e Ilson Figueiredo.

“Aqui nós tocamos muitos inquéritos de facção criminosa. Os inquéritos de facção têm um nível de violência contra a vítima muito pior. As vítimas são decapitadas, tem membros cortados, ainda vivas, queimadas vivas e nem citei vilipêndio ao cadáver e cortar o corpo aos pedaços. Então o nível de violência das facções é mais bárbaro, embora o nível de violência empregada na morte do Matheus tenha sido bastante exagerada, mas não foi por conta do modo como ele morreu”.

“Monopólio das ações da operação Omertà”

O representante do Parquet reforça a singularidade do julgamento. “Foi, sim, a presença de quem estava no banco dos réus, que não é um monopólio daqui do júri, é um monopólio das ações da operação Omertà, que teve diversas ações, diversas frentes, sobre diversos assuntos. Inclusive foram várias etapas da operação e cada novo desdobramento resultava em um novo caderno investigativo, que gerava uma denúncia, e foram várias denúncias contra essas pessoas”, detalha.

Apesar da complexidade, o promotor não tinha dúvidas das acusações. “Criou-se uma expectativa em torno do que essas pessoas envolvidas iam dizer, da resposta que o Poder Judiciário daria para as ações dessas pessoas. Eram pessoas de renome na sociedade. A complexidade, não apenas foram três dias de julgamento, como no próprio julgamento éramos quatro promotores e fizemos revezamento. Todos tentando fazer caber no tempo toda a prova. Era muita prova, muita mesmo”, afirmou.

“Perder um filho é uma desumanidade”

A condenação dos réus veio como alívio para os pais da vítima. Cerca de quatro meses após o julgamento, a mãe de Matheus conversou com o Jornal Midiamax e afirmou que o assassinato do filho deixou feridas que não cicatrizam. “O amor incondicional nasce com a chegada de um filho. E só aumenta, independente da presença física dele”.

Cristiane usou palavras do poeta Fabricio Carpinejar para definir como tem se sentido. Em uma entrevista, Fabrício diz que ‘Perder um filho é uma desumanidade. Você não vai amar menos um dia sequer esse filho. O amor só aumenta, mesmo ele não estando presente’, disse.

Após a morte de Matheus, o esquema criminoso foi revelado e resultou em diversas fases da Operação Omertà. O que restou identificado foi um grupo criminoso armado, que atuava conforme interesse das lideranças. Para isso, agentes da Segurança Pública de Mato Grosso do Sul eram cooptadas para integrar a organização.

Cristiane Almeida, mãe de Matheus e Paulo Xavier, pai da vítima. (Nathalia Alcântara, Midiamax)

Entenda a motivação para a morte de PX

As investigações demonstraram que Jamil Name e Jamil Name Filho teriam ordenado a morte de Paulo Xavier, o PX. Ele já teria atuado com a família, na prestação de serviços enquanto também atuava como policial militar.

Inclusive, já teria feito segurança particular de Jamilzinho, na época em que ele teve uma briga com Marcel Colombo, o ‘playboy da mansão’, em 2018. Marcel foi assassinado a tiros em uma cachaçaria da cidade, também segundo a investigação a mando da família Name.

Foi nessa época que PX conheceu o advogado Antonio Augusto de Souza Coelho, com quem passou a ter uma relação próxima. Paulo Xavier também tinha vínculos com a Associação das Famílias para Unificação e paz Mundial.

Nesse período, Antonio foi procurado pela associação, para resolver pendências comerciais e negociar propriedades. Foi então que passou a negociar com a família Name, que se viu em prejuízo financeiro.

Depois, PX teria passado a prestar serviços para o advogado e parou de atender a família Name. Foi então que os líderes decidiram pela morte do policial. No contexto da denúncia, é relatado que a organização criminosa se baseava na confiança e fidelidade, por isso o abandono ao grupo foi malvisto.

A partir da ordem de execução de Paulo Xavier, homens de confiança da família Name foram acionados para colocarem o plano de morte em prática. São eles Marcelo Rios, ex-guarda municipal de Campo Grande, e o policial aposentado Vladenilson Olmedo.

Veículo onde Matheus estava, destruído pelos tiros de fuzil. (Arquivo)

Morte por engano de Matheus

Marcelo Rios estaria sob a função de selecionar os executores. Foram eles Juanil Miranda, que até hoje é considerado foragido, e José Moreira Freires, o Zezinho. Este, morreu em confronto com a polícia após a Operação Omertà, e já foi condenado pela morte do delegado Paulo Magalhães.

Além disso, o grupo teria que armar os pistoleiros. Vladenilson e Marcelo Rios, neste ponto, são acusados de captarem informações sobre Paulo Xavier, realizando um monitoramento da casa do militar.

Antes do crime, Eurico, um ‘hacker’, passou a monitorar Paulo Xavier. No dia do crime, atendendo às determinações dos mandantes, Juanil e Zezinho se armaram com fuzil AK-47 e, em um Onix, seguiram até a casa de PX.

Eles aguardavam a saída do policial na Rua Antônio Vendas, no Jardim Bela Vista, naquele dia 9 de abril de 2019. O que os pistoleiros não contavam é que, quem saía na caminhonete S10 branca naquele momento era o filho de Paulo Xavier, Matheus Coutinho, estudante de Direito de 20 anos.

Os pistoleiros se aproximaram e atiraram várias vezes contra o motorista da S10. Matheus ainda foi socorrido pelo pai, mas morreu a caminho do hospital. A perícia identificou que Matheus morreu com 7 tiros de fuzil.

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