A escolha dos membros do principal órgão da Polícia Civil de MS, marcada para esta quinta-feira (19), evidencia o racha na cúpula da instituição, implicada nos últimos anos em sucessivos escândalos de corrupção. As eleições para o CSPC (Conselho Superior da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul) estão envoltas em denúncias que podem anular o processo eleitoral.

Delegados de ambos os lados se distanciam cada vez mais sempre que um escândalo atinge a Polícia Civil de MS, e relatam episódios de favorecimento, coação para candidatos deixarem a evitar disputa e até suspeitas sobre o sigilo dos votos e pressão para definir o voto dos eleitores.

O Conselho Superior é formado por delegados, investigadores, peritos, agentes de polícia científica e papiloscopistas. É o órgão que decide assuntos cruciais para a categoria, como promoções, reabilitações e readaptações.

Às vésperas das eleições, os delegados assistem incrédulos ao que muitos membros da Polícia Civil de MS consideram escândalo de favorecimento e de coação. A exposição negativa da escolha do Conselho Superior causa indignação nos eleitores.

Réu por corrupção, mas apto na Polícia Civil de MS

Em grupos reservados de policiais civis no Telegram, por exemplo, delegados discutem e reclamam da candidatura de um colega que responde à ação penal desde 2017 após investigação do (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul) flagrar indícios que apontam para a prática de corrupção ativa na delegacia onde ele atuava.

Segundo a denúncia acatada pela Justiça, a quebra de sigilo telefônico teria indicado que até o telefone da delegacia foi utilizado pelo delegado para ligar inúmeras vezes para esposa de um traficante preso com carro dublê, supostamente resolvendo os trâmites para receber propina.

‘Indefensável, mas aceitável para a PCMS'

Mesmo sendo réu no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), o candidato foi considerado apto pela Comissão Especial Eleitoral a concorrer ao cargo de conselheiro no órgão mais importante da Polícia Civil de MS.

“É indefensável. Pode não ter enrosco jurídico porque a ação está enrolada, mas é moralmente vexatória essa situação. Todos sabemos que o cara foi pego depois de aprontar muito. Isso revela o que a cúpula atual considera aceitável para a PCMS”, reclama um dos colegas sobre a Comissão Eleitoral ter aceitado a candidatura.

Delegada recebeu visita e ‘recado' para desistir

Por outro lado, outra candidata acionou a mesma comissão para registrar oficialmente episódio que classificou como de pressão para desistir da candidatura.

A delegada Rosely Aparecida Molina, lotada atualmente na Acadepol (Academia da Polícia Civil de MS), teve o nome indeferido pela mesma comissão com base em pesquisa por antecedentes criminais de fato ocorrido há mais de duas décadas.

Somente após entrar com recurso e fornecer certidões negativas no âmbito criminal é que a comissão decidiu “que não constam quaisquer anotações e/ou cumprimento de pena“, passando a candidata a ser considerada apta a disputar a vaga no Conselho.

No entanto, segundo documento ao qual a reportagem teve acesso e que foi entregue ao titular da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública de MS), secretário Antonio Carlos Videira, a delegada relatou que foi avisada antecipadamente que seria tirada da disputa pela comissão eleitoral e ‘aconselhada' a não recorrer.

Ela entendeu a visita de um delegado, que integra a comissão eleitoral, como tentativa de coação e pressão para desistir da candidatura ao Conselho Superior da Polícia Civil de MS.

O ‘recado' para a delegada ainda teria sido completado com um comunicado para que ela se manifestasse sobre o pedido de aposentadoria que ingressou em 2017. O processo, parado desde então, teria coincidentemente recebido andamento às vésperas da eleição.

Link no e-mail abriria brecha para pressionar eleitores

Outro ponto polêmico nas eleições para o principal Conselho da Polícia Civil de MS é o sigilo dos votos.

O edital para a eleição desta sexta-feira, publicado no DOE-MS (Diário Oficial do Estado) no final de abril, descreve que o voto é secreto, mas que o procedimento será virtual.

Segundo o site das eleições, a adoção do voto virtual não é novidade e visa “facilitar a acessibilidade e agilizar o processo de apuração das Eleições do Conselho”.

Conforme publicado, policiais civis devem estar cadastrados no servidor de e-mail institucional para receberem um link. Ao clicar nele, seriam redirecionados ao site de votação, onde estarão o nome dos candidatos aptos e onde seria procedida a escolha.

O procedimento, no entanto, foi colocado sob suspeita por eleitores. Isso porque, a partir do e-mail — que é preciso ser acessado com login e senha dos membros da Polícia Civil da MS —, seria possível rastrear e identificar, por código IP dos computadores e também pela origem dos links, quem votou em qual candidato.

Os delegados garantem que a brecha estaria sendo usada de forma velada para pressionar os eleitores a não contrariarem os interesses da cúpula da Polícia Civil de MS.

“Já ouvi de vários colegas que os votos serão verificados e que se os nomes da DGPC não forem eleitos, vai rolar retaliação. Isso é um escândalo. Só por isso, essa eleição deveria ser suspensa”, avalia eleitor que falou com a reportagem.

“Isso é um atentado contra a autonomia dos servidores públicos que fizeram concurso e entraram na Polícia Civil pela porta da frente, sem dever favor a ninguém. Espero que o Ministério Público, vendo esta reportagem de vocês, aja de ofício, como devem, e tomem uma atitude. Esses indícios de irregularidade já são mais que suficientes para suspender o processo”, pondera.

Rumor de remoções: ‘lembrete do risco de retaliações'

No entanto, além do documento protocolado pela delegada direto com o titular da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), ninguém quer se expor na Polícia Civil de MS.

Todos os delegados que aceitaram falar com a reportagem relatam o suposto clima de repressão e foram enfáticos sobre a necessidade de manter o sigilo para evitar ‘problemas maiores'.

Segundo eles, uma das formas de manter suposta ‘ameaça velada' seria antecipar sobre remoções, ou seja, transferências das lotações. Ser tirado da unidade onde atua e colocado, por exemplo, em cidades do interior, seria encarado por muitos como uma forma de retaliação.

“Infelizmente, bater de frente é pior. Tivemos um exemplo recente de uma colega que virou alvo de perseguição descarada simplesmente porque não quis entrar no jogo. Já estão ameaçando veladamente a gente com um rumor de novas remoções. Quando mexem assim, as mudanças podem ser usadas para punir quem não reza na cartilha deles”, justifica um delegado.

Racha: ‘afundando a Polícia Civil de MS'

“Se nem a Adepol toma uma atitude enérgica para resolver esse racha que está só afundando a Polícia Civil, quem sou eu para cobrar sozinho”, diz outro delegado que tem mais de 20 anos de carreira e garante nunca ter visto a situação interna tão ‘bagunçada'.

“Já tivemos muitos embates. O cargo de DG é político, e isso é normal. Só que, quando se perde a sustentação, vira isso. Os colegas mais novos estão corretos em cobrar, porque os tempos são outros e todos ganham, até os aposentados, quando a instituição está mais forte e unida”, pondera.

Acionada pela reportagem sobre todas as suspeitas e denúncias que envolvem as eleições, a Adepol (Associação dos Delegados de Polícia Civil de MS) se limitou a dizer que uma comissão acompanhará a votação desta sexta-feira (20).

“Conforme possibilidade publicada no edital de abertura, nomeamos comissão para acompanhar o dia da eleição, que está marcada para amanhã”, disse a presidente da entidade, delegada Aline Sinnott.

O Jornal Midiamax acionou a Polícia Civil de MS e questionou, por e-mail, sobre as denúncias de favorecimento, bem como sobre as suspeitas acerca do sigilo dos votos para o Conselho Superior, e aguarda posicionamento. Como sempre, o espaço segue aberto.