Em 2022, mulheres, crianças e adolescentes foram 85% das vítimas de estupro em MS

Dos 1.797 casos de estupro registrados este ano no Estado, 1.478 são crianças e adolescentes de 0 a 17 anos

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
Meninas de 8 a 12 anos são maioria entre as vítimas. (Foto Ilustrativa)

Em Mato Grosso do Sul, dados da Sejusp-MS (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) mostram que dos 1.797 estupros registrados no Estado, em 85% dos casos as vítimas são do gênero feminino, ou seja, 1.538. O número é ainda pior quando o crime é detalhado por faixa etária. Crianças e adolescentes de 0 a 17 anos são 1.478 desse total de vítimas de abusadores.

Conforme a DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), só em Campo Grande, até final de novembro foram 508 casos registrados na delegacia especializada. Em 2021, foram 587 o ano todo.

Nos casos de estupro de crianças e adolescentes, a preocupação é que em 90% deles os autores são parentes e estão dentro da casa com a vítima.

“O machismo ainda vive. O fluxo de ocorrências é grande, mas a repressão também está sendo grande. Todos os casos investigados esse ano foram encaminhados ao poder judiciário. Houve muitas condenações e mandados de prisão cumpridos. Hoje em dia temos medidas protetivas, caso deferida, o autor tem que sair de casa e se a mãe continuar com o agressor, ela responde por descumprimento de medida protetiva. Cada vez mais o aparato legal está protegendo as crianças”, explicou a delegada titular da DEPCA, Anne Karine Sanches Trevizan.

Casos

No início do mês de novembro, uma menina de 13 anos pediu socorro a uma amiga após perceber que seria mais uma vez estuprada pelo padrasto em Campo Grande. A adolescente contou à polícia que era abusada há cinco meses pelo homem e que o crime acontecia na frente da mãe, com o consentimento da mulher.

À polícia, a mulher contou que sabia, mas não fez nada, pois o marido era violento e a ameaçava de morte. O criminoso confessou que estuprava a menina.

Em depoimento especial, a vítima contou que o padrasto está casado com sua mãe há 3 anos, e que eles teriam dito a ela que autorizariam a menina a namorar, mas que antes o autor ia mostrar como era para não ser machucada. Todos os abusos eram praticados na frente da mãe da menina e o padrasto ainda mantinha relações com as duas ao mesmo tempo. Quando ela se recusava, o casal tirava o celular dela como forma de punição. O Conselho Tutelar foi acionado e a menina entregue a uma tia.

Em outubro, também em Campo Grande, a avó de uma menina de 10 anos acordou com os gritos da criança que era abusada pelo “amigo” do pai, um rapaz de 23 anos. O pai da vítima estava consumindo bebida alcoólica com o autor quando saiu para comprar mais, deixando a menina na sala. A avó também estava na residência, mas estava dormindo.

A avó acordou com os gritos da neta, que teria relatado que estava deitada no sofá, quando o suspeito enfiou o órgão genital em sua boca e forçou um beijo. Em seguida, a mulher acionou a PM. Ele fugiu da casa, mas foi pego por vizinhos na rua, onde foi linchado. Preso pelos moradores, ele foi levado novamente até o endereço, onde estava uma equipe da PM.

Em agosto, uma criança de 4 anos reclamou de dor no órgão genital enquanto a mãe dava banho nela. Questionada, a menina disse que o homem teria a machucado. Ao mostrar várias fotos para a criança, confirmou a identidade do abusador ao ver a foto dele, marido da babá. A menina contou a mesma história para a tia. O caso ainda segue sob investigação.

Em julho, um homem de 45 anos foi preso em flagrante depois de ser pego pela esposa estuprando a enteada, uma menina de 13 anos. A vítima ainda revelou que a irmã mais nova, de 8 anos, que é filha do acusado, também é vítima dos abusos.

A mulher acionou a Polícia Militar e contou que, ao chegar em casa, flagrou o marido estuprando a menina no sofá da casa. Ao perceber que a esposa tinha chegado, o homem ainda pediu para que ela não contasse nada para ninguém.

Para a mãe, a menina ainda contou que era abusada desde os 11 anos de idade e que os estupros teriam acontecido várias vezes. Ela chegou a revelar que a irmã mais nova, de 8 anos, também sofria os abusos.

Autor preso em flagrante após ser pego pela esposa estuprando a enteada de 13 anos em julho (Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)

Investigação e trabalhos

Ao todo, em 2022, a DEPCA realizou 6 operações contra abusadores, sendo 1 Luz da Infância, 1 Acalento e 4 fases da Operação Sentinela. Foram cumpridos 84 mandados de prisão. Este ano a Delegacia Especializada realizou 47 prisões em flagrante de estupro de vulneráveis, isso além dos casos que chegam à Depac ou Deam.

O processo de investigação feito pela DEPCA, segundo a delegada titular da delegacia, Anne Karine, consiste na apuração dos fatos no local, depois a vítima é encaminhada para a delegacia, onde é colhido o depoimento especial junto a uma psicologa para verificar se realmente houve o estupro, caso a informação seja positiva, o caso é registrado e outras testemunhas passam a ser ouvidas. A vítima também é submetida a exames.

“As pessoas ainda precisam se conscientizar que existe abuso sexual, sobre o que não pode ser feito. Que não é brincadeira, é coisa séria. As vítimas têm que contar a alguém, seja uma tia, amiga, prima, na escola. Não acreditem nas ameças do autor, contem”, pede a delegada.

Ainda segundo a delegada, é preciso que os pais fiquem atentos, pois a vítima sempre muda o comportamento, fica mais agressiva, as notas na escola começam a cair, o comportamento fica mais sexualizado, ou começam a esconder mais o corpo. “Respeitem se a criança não quer ficar perto de alguém. Isso tem que ser respeitado e investigar o porquê. Às vezes, a criança não sabe o que está acontecendo. Ela não sabe a diferença. Para ela, está recebendo um carinho. Para que ela saiba que aquilo é um abuso, as pessoas têm que explicar para ela”, detalhou.

A desembargadora Elizabete Anache, coordenadora da Infância e da Juventude de MS, explica que a violência sexual e os estupros sempre existiram, mas como é tratado como tabu, na maioria das vezes ficava sob segredo velado.

“Com as campanhas desenvolvidas por toda a rede de atendimento, estamos conseguindo esclarecer ainda mais esse assunto e romper o tabu sobre a sexualidade humana dentro das famílias, nas escolas e na sociedade, especialmente para as crianças e os adolescentes, que não tinham conhecimento e não sabiam diferenciar carinho afetivo de carinho abusivo. Portanto, o índice de aumento nada mais é que efeito dessas ações”, disse ao Jornal Midiamax.

Apesar do aumento de casos registrados ser de certa forma positivo, isso porque as vítimas estão denunciando mais e não mantendo os abusos sob sigilo, a desembargadora explica que o caso ainda necessita ser tratado como prioridade. “Ainda faltam políticas públicas que considerem a criança e o adolescente, realmente, prioridade absoluta. É preciso atendimento profissional acessível às famílias e uma Rede de Proteção efetiva. Muitas vezes, constatamos falta de capacitação para os profissionais, professores, inspetores escolares, entre outros, para que possam identificar mais facilmente uma vítima de violência e encaminhá-la para o atendimento correto”, afirmou.

Policiais da DEPCA durante última operação contra pornografia infantil de 2022 (Foto: Divulgação/ DEPCA)

Perspectivas para o próximo ano

A DEPCA informou que pretende continuar a realizar diversas operações contra os abusadores no próximo ano para combater que continuem a fazer novas vítimas.

A CIJ (Coordenadoria da Infância e da Juventude), em conjunto com o Projeto Mãe Águia e Projeto Nova, elaborou um livro e um filme cujo conteúdo trata da prevenção à violência sexual, voltado especialmente para as crianças, em um projeto chamado Estrelas na Cabana. Nesse projeto, a equipe profere palestras e faz a exibição do filme nas escolas, levando esclarecimento a vários estudantes, que podem denunciar caso sejam vítimas. Desse modo, pretende ampliar o projeto em toda rede de ensino estadual e municipal do Estado.

“Além disso, estamos terminando o projeto de um Podcast que abrangerá esses temas e será acessível a toda a população. Estamos pensando também em como criar estratégias para avançar na prevenção de um crime muito contemporâneo: a violência sexual digital”, concluiu Elizabete, lembrando ainda que a CIJ trabalha desenvolvendo parcerias com outras instituições (Ministério Público, Defensoria Pública, Secretarias Municipais e Estaduais, entre outras) visando à implantação do Centro de Atendimento da Criança e do Adolescente (Casa da Criança).

Conteúdos relacionados