No Dia Internacional da Mulher, neste 8 de março, o Jornal Midiamax foi às ruas e perguntou para mulheres de qual a maior dificuldade enfrentada por pessoas do sexo feminino em pleno 2022. Com 10 casos de feminicídio apenas neste ano, os números representam uma realidade ideal longe de ser alcançada quando o assunto é combate à violência doméstica.

Para a funcionária pública Andrea Espíndola Alvarenga, de 50 anos, em muitos lugares a mulher ainda ganha menos do que o homem. “Em pleno 2022 as mulheres ainda têm tripla jornada, e muitas vezes estão sozinhas com a guarda dos filhos. Fora isso tem a violência doméstica, que geralmente o homem é o causador dos problemas, aquele que violenta, mas ela não pode deixar de estar com ele por ele ser o provedor financeiro”.

A doméstica Dilian Delfino de Souza, de 62 anos, criou o filho, hoje com 31 anos, sozinha. Com a nora grávida, ela orienta o casal para que não passe pelas dificuldades que ela passou. “Criar um filho com o pai já é difícil, imagina sem. Graças a Deus meu filho não me deu trabalho, mas meu relacionamento com o pai dele não deu certo”, afirma.

A vendedora Michelly Soares, de 27 anos, viveu na pele a dificuldade que as mulheres ainda têm de permanecer no mesmo emprego após ficarem grávidas. “Estou há sete anos na mesma empresa, mas na entrevista me perguntaram se eu era mãe e disseram ‘ah, o filho não pode ficar doente, hein?'”, relembra. Para ela, a maior dificuldade do sexo feminino é relacionada às finanças. “A diferença salarial é alta, só a carga horária e a cobrança que são maiores”.

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Andrea Espíndola reclama da diferença salarial (Foto: Henrique Arakaki – Jornal Midiamax)

Já a vendedora de loja de sapato Rafaela Alencar, de 22 anos, acredita que falta segurança em muitas mulheres. “Hoje a mulher está mais desesperançosa de si mesma. Se ela quiser ser dona de empresa, ela pode, mas muitas não acreditam em si mesmas, e aí acabam não acreditando nos outros. As mulheres estão se subestimando muito”, opina.

Já para a assistente de telemarketing Lara Ferreira, de 20 anos, a segurança ainda é seu principal medo como mulher. “Eu estava sentada na praça e chegou um senhor perguntando meu nome, onde eu trabalhava… Passo por isso direto, mas por ser de manhã e num local público, fiquei assustada. Isso ainda me causa insegurança de andar sozinha na rua”, relata.

Dispensada do antigo emprego com sete meses de gravidez, a coordenadora acadêmica Eliete Albuquerque de Oliveira, de 37 anos, afirma que a maior dificuldade para ela como mulher é se posicionar no mercado de trabalho. “Isso que aconteceu comigo, acontece muito. Me mandaram embora com 7 meses de gravidez, logo em seguia começou a pandemia e não consegui mais emprego”, lembra.

A diferença salarial e o foram apontados como os maiores problemas das mulheres pela auxiliar administrativa Nelida Taveira, de 57 anos. A ocupação de cargos de liderança majoritariamente por homens, para ela, escancara a desigualdade. “Existe muita diferença salarial nos cargos e a maioria dos chefes são homens. Até na política, agora que temos mais opções de mulheres para votar”, opina.

A atendente de Gabrieli Nicolau, de 22 anos, cita um exemplo prático de machismo percebido em seu dia a dia. “No trânsito quando algum motorista faz algo errado já pensa que é mulher”. A dificuldade no mercado de trabalho também é percebida pela jovem. “Quando vamos procurar o primeiro emprego, às vezes a mulher é mais bem qualificada, mas perde para o homem, porque também tem a preferência por não engravidar”, alega.

Já a diarista Elisa Velasquez, de 41 anos, opina que os casos de feminicídio sempre ocorreram, mas não eram divulgados e muito menos denunciados. “A gente vê hoje nos jornais e na televisão, mas antes não era divulgado. As mulheres sofriam caladas. Agora está sendo mais falado e elas estão denunciando também”.

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Thai Losche, superintendente da CMB. (Foto: Henrique Arakaki – Jornal Midiamax)

10 vítimas em 2 meses

Em Mato Grosso do Sul, foram 10 vítimas de feminicídio desde 1º de janeiro de 2022. O mais recente ocorreu em Três Lagoas no último domingo (6), com Crislaine Célia Martins, de 34 anos. O autor confessou ter matado também a sobrinha, de 22 anos, Mariane Cristina Martins.

Para a professora e pesquisadora de violência contra a mulher Nealla Valentim Machado, todos os feminicídios são extremamente cruéis e com violência física direcionada. “A maioria das vítimas foi morta com arma branca, são crimes de contato. Há também um caso de tortura muito sério”, diz Machado, em referência à Francielle Guimarães Alcântara, de 36 anos, morta em casa pelo marido após ficar um mês em cárcere privado.

A professora ainda analisa os 10 casos registrados em MS em 2022, apontando que o feminicídio não tem idade, geralmente acontece em ambiente doméstico e os agressores tentam ferir a intimidade das vítimas. “Nesses casos, o cabelo é cortado, a pele dela é ferida e é tudo feito para destruir a beleza e o que pode ser positivo para a vítima, que são mulheres de 15 ou 63 anos”, afirma.

Ainda para a pesquisadora, o feminicídio é classificado como um crime de controle. “É importante a gente destacar que não existe essa de crime por ciúmes ou passional. São homens que não querem que a mulher saia da vida deles, nem que para isso tenham que matá-la. É sobre controle, poder”, finaliza.

Na visão de Machado, é fundamental que haja participação social no combate aos crimes de violência doméstica. “A gente tem essa cultura de não se meter. Mas se você escuta um grito ou alguma coisa vindo da casa do seu vizinho, por exemplo, não custa ligar para a polícia”, pontua.

A superintendente da Casa da Mulher Brasileira, Thai Losche, reforça que o pedido de ajuda imediata para vítimas que estejam em situações de violência deve ser direcionado à Polícia Militar. “Nos casos em que há risco de morte, se a violência está acontecendo naquele momento, deve ser ligado para o 190. O número 180, de disque denúncia, é para aqueles casos em que a ajuda pode ser depois, como em situações recorrentes de maus-tratos, por exemplo”, explica.

Thai destaca que a Casa da Mulher Brasileira oferece ao todo 12 serviços. São eles: setor psicossocial, acompanhamento psicossocial continuado, 3ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), defensoria pública, 72ª Promotoria de Justiça, guarda municipal e patrulha Maria da Penha, Polícia Militar, autonomia econômica (Funsat), brinquedoteca, alojamento e motorista.

A superintendente ainda explica que vítimas de violência doméstica têm atendimento prioritário em unidades de saúde. “Além disso, a Guarda [Civil Metropolitana] tem a ordem de parar qualquer ocorrência para ir atender a vítima de violência doméstica, se ela tiver medida protetiva, como nos casos em que o agressor vai procurá-la ou fica rondando a casa, por exemplo”, finaliza.

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Delegada Ana Paula, da Deam. (Foto: Henrique Arakaki – Jornal Midiamax)

Denúncias na delegacia

Já a delegada Ana Paula Trindade, responsável pela investigação do feminicídio de Natalin Nara Garcia de Freitas, de 22 anos, e prisão do militar da Aeronáutica Tamerson de Souza, afirma que a violência física contra a mulher esbarra, na maioria dos casos, na diferença do porte físico entre agressor e vítima. Além disso, mais de 90% dos casos que envolvem lesões e agressões envolvem consumo de bebidas alcoólicas.

“Nos três registros em que mulheres mataram homens, uma foi facada porque primeiro ele a esfaqueou, a outra afirmou que já era humilhada e resolveu matar e a terceira já tinha sido agredida no final do ano passado e resolveu matar ele, com um amigo, em um dia que ele quebrou o celular dela e estava dormindo bêbado. Mulher não mata por ciúmes, não tem aquela de “se não for meu não vai ser de mais ninguém””, afirma.

Além disso, a delegada analisa que em muitos casos que chegam até a Deam (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher) a mulher é a provedora financeira da casa, mas ela ainda sofre violência por exercer o trabalho de cuidado. “Quem cuida da mãe, do pai, do marido, dos filhos, é sempre a mulher. Os auxílios financeiros do Governo, por exemplo, não têm essa distinção, mas no final todo esse dever é jogado na mulher”, finaliza.

Violência contra a mulher, denuncie!

Em Campo Grande, a Casa da Mulher Brasileira está localizada na Rua Brasília, s/n, no Imá, 24 horas por dia, inclusive aos finais de semana, para que as mulheres vítimas de violência não fiquem sozinhas, mesmo em tempos de pandemia.

Funcionam na Casa da Mulher Brasileira uma Delegacia Especializada; a Defensoria Pública; o Ministério Público; a Vara Judicial de Medidas Protetivas; atendimento social e psicológico; alojamento; espaço de cuidado das crianças – brinquedoteca; Patrulha Maria da Penha e Guarda Municipal. É possível ligar para 153.

Existem ainda dois números para contato: 180, que garante o anonimato de quem liga, e o 190. Importante lembrar que a Central de Atendimento à Mulher (180), é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres em todo o Brasil, mas não serve para emergências.

As ligações para o número 180 podem ser feitas por telefone móvel ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, inclusive durante os finais de semana e feriados, já que a violência contra a mulher no Brasil é um problema sério no país.