Cartomante de MS morta pelo ex-marido vivia escondida em SP e teve pesadelo sobre crime

‘Sonhei que morri, levei um tiro no rosto de Ezequiel”, consta em um print de WhatsApp

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Michelli Nicolich morava escondida do ex, com medo. (Foto: Reprodução)

Vítima de feminicídio nesta segunda-feira, 12, a cartomante Michelli Nicolich, de 37 anos, morava escondida do ex-companheiro, o estudante de Medicina Ezequiel Lemos Ramos, de 38 anos, em uma casa na região de São Mateus, na zona leste de São Paulo. Dias antes do crime, ela teria tido um pesadelo de que seria assassinada por ele. Segundo a família, Michelli vivia sob tensão desde maio deste ano, quando se separou e saiu de Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul, para viver com os dois filhos na capital paulista.

A mulher tinha medidas protetivas contra Ezequiel. Ainda assim, investigações preliminares indicam que ele armou uma emboscada na saída da escola dos filhos, no Parque São Rafael, zona leste, e disparou dezenas de vezes quando o carro da mulher, um Fiat Uno branco, passou. Atingidos, Michelli e o filho mais novo, de 2 anos, chegaram a ser socorridos, mas não resistiram. O mais velho, de 4 anos, não sofreu ferimentos.

“Ela estava morando escondida dele. Não revelava (endereço), morava em um lugar bem escondidinho e que só a família sabia onde era”, conta ao Estadão um dos três irmãos de Michelli, o vendedor autônomo Jacques Nicolich, de 38 anos. “Tanto que ele pegou (encontrou) ela na escola, deve ter descoberto pelo nome, pelo registro das crianças.”

Ezequiel era estudante de Medicina em Pedro Juan Caballero, no Paraguai, e morou com Michelli e os dois filhos por alguns anos em Ponta Porã, cidade de Mato Grosso do Sul que faz fronteira com o país vizinho. “Lá, ela descobriu que ele estava acessando um site de relacionamento e que fez um depósito de R$ 1 mil no nome de uma mulher. Ela descobriu e queria saber quem era essa mulher”, diz Jacques. O episódio ocorreu em maio.

Jacques relata, ao ser confrontado, que Ezequiel perdeu o controle e partiu para cima de Michelli. “Quando ela correu para o quarto – ele era colecionador de arma, correu para pegar uma arma -, ela correu para a rua e chamou a polícia. A polícia conseguiu pegar ele”, conta. Conforme o boletim de ocorrência registrado em maio, Michelli relatou que Ezequiel queria expulsá-la de casa e a ameaçou de morte, “engatilhando a arma em sua cabeça”.

Segundo a delegada Thatiana Isabela Colombo, da Delegacia de Atendimento à Mulher de Ponta Porã, Ezequiel foi preso em flagrante por portar munições sem comprovação de regularidade – apesar de, na época, ter apresentado registro de CAC (grupo que engloba caçadores, atiradores e colecionadores) – e medidas protetivas foram deferidas contra ele depois de então.

Desde maio, Ezequiel estava proibido de se aproximar de Michelli, seus familiares e testemunhas, devendo permanecer a uma distância mínima de 200 metros; de manter contato com a vítima por qualquer meio de comunicação; e de permanecer no lar de convivência com a ex-mulher. No mês seguinte, apesar de as medidas continuarem valendo, ele recebeu liberdade provisória.

Mudança

Após o episódio, Michelli se mudou com os filhos de Ponta Porã para São Paulo e passou a viver sob tensão. “Ela fugia dele, desde maio que ficou essa tensão”, conta Jacques. Como alternativa, o acusado passou a tentar contato com os familiares dela. “Ele mandava mensagens para mim em perfis falsos dele, já que não podia mandar mensagem para ela. Aí ele criava perfis fake e ficava tentando se aproximar dela de novo, falava das crianças, para voltar com ele”, afirma. “Até me mandou foto de registro de armamento para falar que não tinha que ter sido preso.”

De acordo com o irmão da vítima, Michelli e Ezequiel nunca se viram após a separação. No último Dia dos Pais, ainda assim, ela mandou, por intermediários, os filhos para que o pai pudesse revê-los. A Polícia Civil de São Paulo informou que o acusado relatou que estava morando em Carapicuíba, na Grande São Paulo, há algum tempo.

Finanças

A polícia informou ainda que, como motivação para o crime, Ezequiel apontou uma possível desavença financeira. “Ele diz que estava tendo um problema com ela em relação a um dinheiro que eles deveriam ter dividido. E disse que ela também não estaria deixando ele ver os filhos”, afirma o delegado Leandro Resende Rangel, titular do 49º Distrito Policial (São Mateus). O montante seria de R$ 70 mil.

A família nega. “Ela veio para São Paulo com uma conta conjunta no valor de R$ 50 mil. Começou a alugar casa, colocou as crianças na creche com esse dinheiro, não cobrou pensão dele”, afirma Jacques. “Ele contava que esse dinheiro era dele, mas era para os filhos dele. Para comerem, comprar roupa, estudar, fazer essas coisinhas. Não era nem para ela esse dinheiro.”

Pesadelo

Nesta quarta-feira, 14, Jacques publicou nas redes sociais um print de uma mensagem de WhatsApp mandada por Michelli para ela mesma, no último dia 9, dizendo que havia sonhado que seria assassinada.

“Meu Deus, tive um sonho estranho”, diz o escrito. “Sonhei que morri, levei um tiro no rosto de Ezequiel”, continua. “Aí apaguei falei não pode ser verdade, só pode ser um sonho tenho que acorda não é real”.

Programa de TV

Jacques conta que estava assistindo a um programa de TV quando ficou sabendo sobre o assassinato. “Estava assistindo ao programa do Datena (na Band), e nem tinha percebido que era ela. Minha mãe que me ligou, já que os policiais lá da perícia ligaram para ela, para o meu pai. Aí minha mãe me ligou”, diz.

“Estava vendo o carro dela, mas nem tinha passado na minha cabeça. Aquele carro ela tinha comprado há pouco tempo, pagou R$ 5 mil, para ficar fazendo as coisinhas dela e para levar as crianças para a escola.”

‘Fanático por política’

De acordo com o irmão da vítima, Ezequiel alternava bastante de humor e era conhecido por ser “um sujeito fanático por política” “Gostava muito do PT, do Lula”, conta ele. Em imagens compartilhadas nas redes, o acusado aparece inclusive com uma tatuagem do ex-presidente em um dos braços. Conforme o irmão da vítima, a imagem é verdadeira.

Em nota publicada no site oficial, o PT afirmou, por meio da presidente do partido, Gleisi Hoffmann, que “o incentivo à violência e a liberação, pelo governo federal, da compra, posse e porte de armas estão na raiz de crimes e tragédias como a que ocorreu ontem no Parque São Rafael, em São Paulo. O PT está solidário com os familiares das vítimas”.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) também se manifestou sobre o tema nas redes sociais. “Criminosos como esse que assassinou a ex-mulher e o filho em SP devem ser tratados como criminosos e ponto final”, disse.

Sepultamento

O enterro de Michelli e do filho mais novo, contou Jacques, aconteceu por volta de 15h desta terça-feira, 13, no Cemitério Horto da Paz, em Itapecerica da Serra. “Foi difícil. Aquela arma que ele usou, quando dispara, vai muito projétil no corpo”, diz o irmão de Michelli, em referência à carabina usada no crime.

Ainda assim, o enterro pôde ser feito com caixões abertos. “Minha mãe só chora, estamos todos abalados. Perdemos parte da gente também.”

“No momento, a gente quer força, quer que passe essa angústia do peito, mas o importante é que ele está preso. Se estivesse solto, a gente ainda ia ter que fugir dele, largar nossas residências, largar nossa vida para ficar fugindo dele. Uma pessoa que faz uma atrocidade dessa não merece estar no meio da sociedade”, diz Jacques.

Delegado que registrou o caso, Leandro Resende Rangel afirmou que iria dar um momento de luto para a família antes de colher os depoimentos.

Após ser preso, Ezequiel foi conduzido ao 49º Distrito Policial (São Mateus), onde o boletim de ocorrência foi registrado. Posteriormente, o caso seguiu para o 55º Distrito Policial (Parque São Rafael), onde estão em andamento as investigações.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) informou que, em audiência de custódia realizada na tarde de terça-feira, 13. no Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, Ezequiel Lemos Ramos teve a prisão em flagrante convertida em preventiva. A conversão havia sido solicitada pela Polícia Civil de São Paulo. A reportagem não localizou a defesa de Ezequiel.

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