O advogado ofendeu a ATMS em seu blog

O advogado Roberto Flávio Cavalcanti, que vive no Rio de Janeiro foi condeando pela Justiça de Mato Grosso do Sul a pagar R$ 15 mil ao Fundo Estadual de Assistência Social do Estado de Mato Grosso do Sul. Em 2007, ele publicou em seu blog pessoal, conteúdo ofensivo à Associação das Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul (ATMS). O teor da publicação foi alvo de ação civil pública pela 67ª Promotora de Justiça de Direitos Humanos da comarca de , após denúncia da ATMS.

A publicação

A postagem no blog aconteceu em 2007. O advogado repercutiu uma notícia de Campo Grande, que comentava uma audiência na Câmara Municipal de Campo Grande em dois de novembro de 2007 para discutir a aprovação de utilidade pública para a Associação. “Município de Campo Grande pode conceder recursos para associação de travecos”, intitulou Roberto.

“É o cúmulo da patifaria cogitar distribuição de recursos provenientes de nossos impostos para os próprios e principais hospedeiros de doenças infecto-contagiosas como AIDS e Sífilis. Note que a verborragia da apologia homossexual sempre inclui palavras de toque gentil como “tolerância”, “fim ao preconceito e combate à discriminação”. O blog em questão chamava-se “Catolicismo&Conservadorismo: trincheira do conservadorismo católico”. Roberto excluiu o blog, mas a postagem ficou no ar até 15 de dezembro de 2014.

“Os números elevados de casos de violência física e moral contra os homossexuais se constituem em prova cabal de que o preconceito que impede a aceitação sobre a liberdade de escolha na orientação sexual está longe de se encontrar tão somente no pensamento de uma pessoa, no âmbito seu íntimo, o que por certo está protegido pela livre manifestação do pensamento”, explicou a promotoria.

“O Estado Democrático de Direito pressupõe a tolerância como primado para o convívio social, pressuposto esse que se constitui em corolário lógico do princípio da dignidade da pessoa humana e, se no campo do Direito Penal a legislação carece de mudança para tipificar como crime a conduta discriminatória em razão da orientação sexual, em atendimento a mandado de criminalização expresso constitucionalmente, por outro lado é certo que no campo do Direito Civil o ordenamento jurídico dispõe de instrumentos e mecanismos aptos para coibir tais condutas”, complementou.

Na primeira decisão, o juiz David de Oliveira Gomes Filho entendeu que o objeto da ação havia se perdido com a exclusão do blog. O MPE, no entanto, recorreu.

Ao contestar a ação, o advogado, que atuou na própria defesa argumentou, além de contestar o propósito da ação, que o MP fugia da função.”No presente caso, o Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul vem atuando como representante da Associação de Travestis do Mato Grosso do Sul, o que não se coaduna com sua missão institucional”.

Roberto também alegou que o crime de discriminação em razão da orientação sexual” era “simplesmente inexiste no ordenamento jurídico pátrio”.

Para o advogado, o MPE também utilizou de uma ideia errônea de Direitos Humanos como antítodo ao “positivismo jurídico”. “É evidente que, para nosso ordenamento jurídico, não se pode reconhecer o interesse coletivo ou difuso, tutelável como tal, na mera soma de interesses individuais dos membros de um grupo restrito. Ora, conquanto a idéia de “direitos humanos” esteja consolidada no mundo jurídico ocidental, este ideário não pode servir de mero antídoto ao positivismo jurídico. Outrossim, a idéia de “direitos humanos” de homossexuais não passa de equivocada construção jurídica falaciosa guiada pelo ideário do paradigma emergente”, afirmou ele.

Decisão

O juiz contestou, um por um, os argumentos do advogado e indeferiu os pedidos da defesa. “Registre-se que o direito em questão enquadra-se mais dentre os coletivos em sentido estrito do que os individuais homogêneos. De qualquer forma, a doutrina e a jurisprudência são firmes no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade para propor ação em defesa de direitos coletivos, especialmentequando houver efetiva repercussão no interesse público da demanda” afirmou.

“No caso, não resta dúvida de que a demanda tem relevância social, porquanto o objetivo desta ação é evitar a propagação de material discriminatório e ofensivo à honra de pessoas,pelas escolhas íntimas que decidiram fazer”, complementou.

O juiz contestou documentos apresentados pelo advogado e afirmou que ele confundiu esfera cível e penal. “Aduz, ainda, o requerido que ‘as condutas aos quais costumam se entregar,em ruas, os travestis, ainda são corriqueiramente enquadrados como ato obsceno (artigo 233 doCódigo Penal) ou importunação ofensiva ao pudor (art. 61 da Lei de Contravenções Penais)', e que não poderia se beneficiar na esfera cível com a prática destes atos. Mais uma vez o requerido confunde as esferas cível e penal e ainda não identifica de modo claro onde estaria a ausência de interesse processual. A conduta em julgamento neste processo não é aquela praticada nas ruas pelos travestis, mas sim aquela praticada na internet, no blog referido na inicial”.

“No mérito, o autor possui razão. O texto publicado ultrapassa os limites da simples expressão do pensamento e invade a esfera da honra alheia. A liberdade de expressão é garantia necessária numa sociedade livre e democrática, mas a responsabilidade pelo que se dizou pelo que se divulga também é garantia de que esta sociedade livre e democrática é organizada e se mantém nos limites que impedem o estabelecimento da anarquia. A honra alheia é um destes limites”, critica o magistrado.

O juiz questiona a ausência de jurisprudência e cita a própria Constituição Federal. “Ao dispor que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação”, ele não distingue as pessoas a quem garante o direito. Pouco importa se esta pessoa é homem ou se é mulher, se é preto ou se é branco, se é religioso ou se é ateu, se é heterossexual ou se é homossexual. Todos tem o direito de viverem como desejarem, especialmente na intimidade, sem que seja permitido a ninguém incitar o ódio pelas escolhas de cada um e principalmente pela característica pessoal de cada um. Estas escolhas de cada um somente passam a ser restringidas quando violam o direitode outrem”, complementa.

“Penso que o juiz foi muito feliz em sua manifestação na sentença, quando ele diz que a liberdade de expressão é uma garantia necessária em uma sociedade livre e democrática, entretanto essa liberdade de expressão tem que ser exercida com responsabilidade, porque tudo que se diz e o que se divulga numa sociedade livre e organizada têm que se manter nos limites que impeçam o estabelecimento da anarquia, conforme a delimitação da própria sentença”m comentou a promotora Jaceguara Dantas.