Silêncio impera no bairro onde Nando era ‘bonzinho’ e enterrava vítimas sexuais

‘Cabeça’ da rede frequentava igreja e ouvia hinos no carro

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‘Cabeça’ da rede frequentava igreja e ouvia hinos no carro

Olhares desconfiados e clima de silêncio dominam o Danúbio Azul, em Campo Grande, depois da descoberta de um cemitério clandestino para vítimas de uma rede de exploração sexual e tráfico de drogas, que sumiu com mais de 10 pessoas, nos últimos três anos. No bairro todos conheciam Luiz Alves Martins Filho, ou melhor, o ‘Nando’ tido como uma pessoa tranquila, solução de problemas, uma espécie de ‘dono’ da favela, mas que agora é investigado como o ‘cabeça’ do macabro sistema. 

A descoberta dos sumiços e da ‘rede’ começou em setembro, quando a polícia civil investigava se Douglas Henrique Vieira Cezar, de 20 anos e Wesley Gomes Rodrigues, de 16 anos, mortos depois de uma colisão no anel viário da BR-163, fugiam após de atirarem em ‘Leleco’, Leandro Aparecido Nunes Ferreira, de 28 anos. Leandro morreu uma hora depois de dar entrada no hospital e durante as investigações do homicídio, a polícia concluiu que ele tinha envolvimento com a ‘rede’, há aproximadamente 3 anos. 

No dia 10 de novembro, as investigações resultaram em cumprimentos de mandados de busca e apreensões, onde ‘Nando’, Rudi Pereira da Silva, Diego Vieira Martins, Jeová Ferreira Lima, Jeová Ferreira Lima Filho, Andreia Conceição Ferreira e Ariane de Souza Gonçalves foram presos. Logo depois outros três envolvidos foram presos, mas não tiveram os nomes revelados. Uma arma de fogo também foi apreendida com ‘Nando’.

Após ser preso, ‘Nando’ apontou o local onde seria o ‘cemitério’ do esquema, onde as vítimas que entravam em conflito com o grupo eram enterradas depois de serem assassinadas. E a partir de demais depoimento, a polícia passou a encontrar corpos e ossadas das vítimas. 

O tal ‘conflito’ segundo a delegada responsável pelas investigações, Aline Gonçalves Sinnott Lopes, da DEAIJ (Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude) baseava em quando os meninos e meninas, usuários de drogas aliciados pelo grupo tentavam sair do esquema ou discordavam com as regras impostas pelo grupo, dessa forma ‘desapareciam’. Um ‘acordo’ realizado dentro do próprio grupo de envolvidos. 

“O grupo (Presos envolvidos) se conhece há bastante tempo. Nando tinha uma relação de temor por toda a vizinhança e também com o grupo. Se alguém tem um problema – procura ele – ele resolve. Seja por favor sexual, drogas, afinal eles são todos “amigos” há muito tempo. Por fim, decidiam entre eles enterrar todos de cabeça para baixo”, explicou a delegada. 

Sinnott ressalta a ‘exploração da miséria’, realizada pelo grupo e pontua que durante depoimentos, muitos pais não sabiam o nome dos próprios filhos desaparecidos. “Talvez por serem vítimas da miséria, que o uso das drogas traz. O grupo não ligava para sexo ou cor, eles descartavam as vítimas como se fossem nada”, disse. 

“Ninguém imaginava que ele seria capaz disso. Aqui todo mundo o conhecia”, diz uma das moradoras, que prefere não se identificar, mas que afirma ter conhecido o adolescente Lessandro Valdonado de Souza, de 13 anos, encontrado durante escavações na manhã desta quarta-feira (23). O corpo de Jhenifer Luana Lopes, conhecida como Larissa, de 17 anos, também foi localizado, nesta manhã, na mesma região. 

Pelas ruas do bairro, ninguém quer falar sobre o assunto, e afirmam saber apenas o que estão lendo e vendo em noticiários. Há três meses no bairro, um morador, que preferiu não ser identificado, está apavorado com a história. “Quem desconfiaria de um morador? Isso é um absurdo”, disse. 

Um acadêmico de 26 anos morador do bairro há 15 anos conheceu Ana Cláudia Marques, 37 anos. Ela estava desaparecida desde setembro deste ano e seu corpo foi encontrado no final da tarde da última terça-feira (23), após um dia de buscas. A vítima não constava na lista de desaparecidos procurados na investigação, porém teria sido enforcada com uma corda a mando de Nando. 

O estudante conta que Ana Cláudia era amiga da família e a conheceu quando tinha 14 anos. Ele pontua que ela deixou seis filhos, que atualmente vivem em casas separadas. “Quando ficamos sabendo das investigações e depois da descoberta do corpo da Ana foi um choque. Ninguém imaginava. Antes de mudar, já sabíamos da péssima situação financeira que ela estava vivendo. Não vou julgá-la, mas a gente também não sabe como ela se envolveu com esse pessoal, talvez para tentar sustentar os filhos. Depois que ela mudou daqui também já ficamos sabendo que os filhos foram morar em casas separadas”, disse. 

O morador ressalta que Nando frequentava igreja e passeava de carro pelo bairro ouvindo hinos. “Ele era muito tranquilo. Foi uma surpresa. Ele não transparecia ser esse assassino. Ele ia a igreja e sempre passava pelas ruas do bairro escutando hinos”, disse. 

Vítimas

Dos 10 desaparecidos, a polícia já encontrou restos mortais de seis vítimas. A polícia identificou os corpos de Lessandro Valdonado de Souza, de 13 anos e Jhenifer Luana Lopes, conhecida como Larissa, de 17 anos, Ana Cláudia Marques, de 37 anos e três homens: ‘Café’, ‘Alemão’, e ‘Bruninho’.

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