MS ganha destaque na geopolítica do narcotráfico e população sofre

O clima em Paranhos, cidade de MS na fronteira com o Paraguai e a 477 quilômetros de Campo Grande, é de total descrédito com a segurança pública. Oito meses após uma chacina que deixou cinco mortos à luz do dia no centro da cidadezinha, na noite desta terça-feira (14) foi a vez de um policial civil ser fuzilado. Aquiles Chiquin Junior teve o corpo dilacerado e outras pessoas ficaram feridas.

O policial deixa um filhinho orfão e a sensação de medo coletivo na cidade. Medo que coloca em xeque a capacidade do poder público de sustentar a ordem na região sul-mato-grossense de fronteira. Durante a noite, a família policial de MS, entre militares e civis, lamentou a morte brutal de um colega, sempre com um ar de impotência e resignação nos comentários em grupos reservados de troca de mensagens.

A execução fez oito delegados da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul se reunirem em Paranhos na manhã desta quarta-feira (15). Entre velório e funeral do colega, prometem ‘traçar estratégias e reunir informações sobre o crime’.

É novidade, porque a cidade mesmo não tem nem um delegado titular e depende da delegacia de uma cidade vizinha. Mas, nem a reunião faz os moradores acreditarem que algo será feito. “Isso aqui é comum e nunca dá em nada”, diz um comerciante que mora há 44 anos na região.

Os moradores convivem com toque de recolher tácito, evitam falar com gente de fora que possa parecer ‘bisbilhoteiros’ como investigadores ou jornalistas.

Narcos MS

Segundo os moradores, Paranhos viveria nos últimos meses uma verdadeira situação de guerra implantada por dois grupos de traficantes que disputam o controle do comércio de drogas para o lado brasileiro.

Segundo agências internacionais de inteligência que atuam no lado paraguaio, a Lei do Abate, que permite à Força Aérea Brasileira derrubar aviões clandestinos, dificultou a entrada de droga em voos partindo de países produtores como a Colômbia. Com isso, Mato Grosso do Sul ganhou importância na geopolítica do narcotráfico latino-americano.

A extensa região de fronteira seca entre o Brasil e o Paraguai ganhou destaque como rota de entrada para abastecer grandes centros consumidores próximos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e até mesmo em conexões que levam cocaína e maconha para o nordeste brasileiro e para a Europa.

Segundo um agente que passou 90 dias nos municípios do lado paraguaio do extremo sul de MS, as guerras que se travam são para controlar a região de ‘entreposto’ ou resolver pequenos conflitos comuns nas transações ligadas ao narcotráfico.

“Há diversos grupos agindo independentemente porque a produção ainda é grande e a oferta de droga é alta. Em alguns polos geograficamente estratégicos, como pontos de acesso às melhores rotas, houve a chegada até de brasileiros ligados a grupos cariocas que tentam baratear o custo eliminando intermediários. É complicadíssimo identificar com exatidão a origem destes episódios isolados, porque há muitas disputas menores”, conta.

Faixa de Gaza Brasiguaia

Com base nos dados estatísticos que levantou comparando a ligação dos crimes violentos com o narcotráfico e as efetivas ações do poder público contra os traficantes, o agente compara a situação do sul de Mato Grosso do Sul com a fronteira entre Ciudad Juarez, no México e El Paso, nos Estados Unidos.

“Em Ciudad Juarez o poder público teve o poder esvaziado e teve muita dificuldade para ‘retomar’ o controle dos narcotraficantes. As facilidades da fronteira seca são uma maldição para essas comunidades pequenas”, relata. Juarez foi considerada a ‘Faixa de Gaza Mexicana’, e moradores da fronteira sul-mato-grossense já falam de uma ‘Faixa de Gaza Brasiguaia’.

“Aqui tudo está se resolvendo na bala, mas com esses pistoleiros que matam e fogem pro outro lado. Nunca ouvi dizer que pegaram alguém”, conta um morador de Ponta Porã, a 324 quilômetros de Campo Grande, e também na fronteira seca com o Paraguai. Os ponta-poranenses, assim como toda população fronteiriça de MS, convivem com mortes violentas que incluem execuções cinematográficas.

Igual favela do Rio

Desde grupos menores organizados para roubar veículos no Brasil e trocar por drogas nas cidades de fronteira, até barões do narcotráfico que negociariam proteção policial e salvo-conduto para cargas gigantescas, há muitos interesses girando dinheiro nas pequenas cidades, onde faltam empregos, educação e saúde pública. “Sem opção de renda fora do tráfico, muitas famílias na fronteira acabam reféns econômicas igual acontece nas favelas do Rio de Janeiro”, explica.

Em relatório que preparou para agência internacional, o agente recomenda cobrança de combate à produção na América Latina hispânica e pressão política para que o Brasil intensifique a fiscalização nas áreas de fronteiras secas. Ele cita a Operação Ágata, que reúne militares da marinha, do exército e da força área brasileira e, coincidentemente, iniciou mais uma etapa na última segunda-feira (13), como ‘o caminho’.

“Nós precisaríamos de uma Ágata só em Mato Grosso do Sul até restaurar a ordem aqui. Não sei se há apoio político para isso no Brasil, porque há uma forte rejeição à imagem da militarização que esse modelo pode deixar, mas é o caminho. Não adianta acharmos que incursões das polícias departamentais vão resolver”, diz ele, se referindo às forças policiais geridas localmente.

O crime

O policial civil Aquiles Junior foi executado com uma saraivada de tiros de fuzil calibre 5.56. Foram mais de 26 disparos e ele teve parte do corpo dilacerado por volta das 19 horas desta terça-feira (14). O crime aconteceu em uma academia de musculação, na Avenida Marechal Deodoro, no centro de Paranhos.

De acordo com testemunhas, seriam três autores que chegaram em um Volkswagem Gol vermelho e um deles, com o fuzil, disparou uma rajada. Outras quatro pessoas foram atingidas e estão hospitalizadas.

O delegado Roberto Duarte Farias, lotado em Coronel Sapucaia e Fabrício Dias dos Santos de Sete Quedas foram para Paranhos. Demais policiais e outros agentes de cidades próximas foram para a cidade. Após o crime os autores teriam fugido em sentido ao Paraguai. Aquiles que é de Paranhos entrou na Polícia Civil em 2014.