Há dez anos era criada, por meio da Resolução de nº 213 do Conselho Nacional de Justiça, a audiência de custódia que, no ano de 2019, passou a ser prevista expressamente no Código de Processo Penal, em razão do chamado Pacote AntiCrime (Lei nº 13.964/19).
Tal instituto tem por objetivos centrais possibilitar não só a avaliação pelo magistrado da necessidade e da legalidade da prisão efetivada, mas também permitir a averiguação de eventual ocorrência de violência no momento da prisão.
É importante ressaltar, antes de mais nada, que a audiência de custódia acabou por acomodar a prática processual brasileira aos documentos internacionais de direitos humanos, dando eficácia a dois tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário desde 1992: a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Referidas convenções internacionais foram ratificadas pelo Brasil e têm força de norma supralegal, conforme entendimento consolidado do STF (Supremo Tribunal Federal).
Com a audiência de custódia, propicia-se o contato físico do preso com o magistrado, que pode usar deste momento para, conhecendo-o pessoalmente, formar seu convencimento, de modo que a oralidade e a presencialidade passam a ter um importante papel na manutenção ou não prisão.
Quando de sua implementação, a obrigatoriedade da audiência de custódia alcançava basicamente as prisões em flagrante, não abrangendo as prisões decorrentes de mandado judicial. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação de nº 29.303, determinou sua obrigatoriedade em qualquer modalidade de prisão, reforçando sua importância na proteção de direitos e garantias fundamentais.
Com o avanço da tecnologia e, especialmente, com as restrições impostas pela pandemia de COVID-19 no ano de 2020, houve uma ampla adesão às audiências de custódia virtuais. Inclusive, dados recentes do Conselho Nacional de Justiça mostram que, desde agosto do último ano, 54% das audiências desta natureza foram realizadas virtualmente – o que acaba por descaracterizar um ato cuja essência está no contato pessoal e imediato entre os envolvidos, permitindo a análise de elementos de fundamental importância como expressões faciais, tom de voz e sinais físicos de violência.
Cumpre ressaltar que não se trata aqui de uma aversão aos avanços tecnológicos, mas, sim, de uma desaprovação pautada na própria lógica do instituto que visa ser um instrumento de garantia ao preso que, pela primeira vez, tem o seu day in court. Adverte-se que, embora seja um instrumento facilitador de celeridade processual e redução de custo, a virtualização desta espécie de audiência pode comprometer, em especial, um dos principais objetivos da audiência de custódia, que é a verificação da legalidade da prisão e da integridade física e psicológica do preso.
Nesse contexto, há de se destacar que em mais de 150 mil situações foi constatada a ocorrência de violência (7% do total) no momento da abordagem policial – número pouco expressivo sabendo da nossa tolerância com a prática de torturas e maus-tratos que advém de nosso passado escravista.
Por outro lado, recorda-se que um dos objetivos declarados (anexo 02 da Resolução nº 213/CNJ), quando da criação das audiências de custódia, refere-se à redução dos elevados índices de prisões provisórias no Brasil. Contudo, desde que começaram a ser realizadas, as audiências de custódia não têm tido o condão de diminuir a massa carcerária: enquanto em 2016, havia pouco mais de 230 mil presos sem julgamento, no ano de 2024, existia cerca de 215 mil encarcerados provisórios.
Nesse contexto, não há muito o que se comemorar, pois, a se contar pela virtualização e pela inegável preferência judicial pela imposição de prisão provisória, em detrimento de outras medidas alternativas, o aniversário de 10 anos da audiência de custódia não nos presenteou com uma nova realidade.