Pular para o conteúdo
Opinião

Sou mais velho que meus pais

Wilson Aquino*
Admin -

Gosto muito da história de amor de meus pais. Ele, Manoel Dantas de Oliveira, então um jovem aventureiro, cheio de vida e de sonhos, deixou a Bahia rumo ao Rio de Janeiro, na década de 50, onde se alistou na Marinha Brasileira. Não hesitou quando surgiu a chance de servir ainda mais longe: na fronteira do Brasil com a Bolívia, na próspera Corumbá, então parte do grande Mato Grosso (hoje, do MS).

Anos depois, um marinheiro amigo o convidou para passar o Natal e o Ano Novo numa fazenda em Bataguassu, onde morava sua família: os Aquino — gente de raiz forte e tradicional, fundadores da cidade de Anaurilândia. Foi nessa noite natalina, sob as luzes simples da fazenda e o calor da hospitalidade interiorana, que aquele jovem baiano conheceu a filha primogênita do velho Sebastião Aquino Barbosa e de Maurícia de Souza Barbosa. Seu nome era Dair Aquino. Bastou um olhar para que Manoel soubesse que era a mulher de sua vida.

Naquela época, quando o coração falava, a atitude não tardava. Manoel, cheio de amor, confiante, dirigiu-se ao patriarca da família e, com respeito e firmeza, pediu a mão de Dair em casamento. Prometeu voltar em um ano, com as alianças. O tempo, no entanto, tratou de impor suas provas. Missões longas pela Bacia do Rio Paraguai e operações marítimas de segurança nacional o impediram de cumprir o prazo combinado. E, com o passar dos meses, vieram as dúvidas, os boatos: “Ele não volta mais”. Um filho de fazendeiro rico da vizinhança surgiu como pretendente. A pressão era grande, mas o coração de Dair permanecia firme, pois já havia escolhido o seu eterno companheiro.

Quase dois anos depois, numa semana de festas preparada estrategicamente por membros das duas famílias para oficializar o pedido oficial do tal pretendente, eis que surge, pela estrada de terra, todo de branco, montado em um cavalo baio (pena que não era branco, como nos contos de fadas), o jovem marinheiro. Nas mãos, as alianças. No coração, o amor intacto. Foi direto ao velho “Bastião” para justificar o atraso e reafirmar o compromisso assumido. Naquele instante, o tempo pareceu parar. Os olhares se cruzaram com a mesma intensidade do primeiro encontro — mas agora carregados de saudade, expectativa e um amor provado pela espera. Dair, firme em sua decisão de seguir o coração, viu sua fé ser recompensada.

O gesto do jovem marinheiro — atravessar o país não só para cumprir uma promessa, mas para consolidar um sonho — emocionou não só a ela, mas a todos que presenciaram aquele reencontro. Foi como se Deus, que conhece o íntimo de cada coração, tivesse escrito esse capítulo com tinta invisível, revelada apenas aos que creem no poder da verdadeira fidelidade. Casaram-se pouco depois e partiram juntos para Corumbá, onde nascemos: eu e meus irmãos Rubens (primogênito), Edson e Edna.

Alguns anos depois, ele deixou a Marinha. Ingressou no Ministério dos Transportes, onde trabalhou no Serviço de Navegação da Bacia do Prata. Depois, mudou-se com a família para Campo Grande onde assumiu a direção da Campanha Nacional de Alimentação Escolar – CNAE, e permaneceu ali até a sua aposentadoria. Nunca deixou de cultivar o amor por nossa mãe — aquela que foi, e sempre será, a melhor que este mundo já viu.

Infelizmente, ambos partiram precocemente. Ela, em 1981, aos 46 anos; ele, em 1996, aos 66 anos — vítimas das consequências do (maldito) cigarro. Mas partiram depois de cumprirem, com honra e dignidade, o papel mais importante que se pode ter na vida: o de pai e mãe. Foram mestres da vida, que, com firmeza, amor e exemplo, nos ensinaram a caminhar neste mundo com retidão, perseverança e coragem.

Hoje, ao completar mais um ciclo de vida neste 3 de julho, percebo, com espanto e reverência, que sou mais velho do que meus pais chegaram a ser. E essa constatação me leva a uma profunda reflexão. Me vejo, muitas vezes, pensando neles — nos conselhos, nas broncas, nas orações. Nos gestos de carinho e nos olhares de aprovação que tanto marcaram minha infância e juventude. Eles não apenas nos deram a vida — a mim, ao meu querido irmão Rubens, ao Edson, à Edna e à nossa caçula, Márcia Christinne, que nasceu em Campo Grande — como nos ensinaram a vivê-la com dignidade.

Tornar-me mais velho do que meus pais viveram é, por si só, um presente e uma responsabilidade. É como se o tempo me tivesse dado um papel duplo: o de seguir adiante com a própria vida, mas também o de continuar, em cada gesto, a história que eles começaram. Cada manhã em que me levanto para trabalhar, cada conselho que dou aos meus filhos e às pessoas, cada escolha que faço com ética e respeito ao próximo, carrego neles a essência de Manoel e Dair. Eles me deixaram não apenas memórias, mas um modo de viver — e esse é o tipo de herança que nenhuma ferrugem corrói, nenhum tempo apaga.

Certamente, muito antes de eu nascer, já existia uma história de amor sendo escrita para me preparar o caminho. E ela tem nomes: Manoel e Dair.

E acima desses dois nomes tão especiais, está o nome de Deus — o Autor da vida, que confiou a esse casal a missão sagrada de trazer ao mundo filhos especiais, para serem moldados em princípios, fé e amor. Foi Ele quem costurou os encontros, sustentou os sonhos e abençoou cada passo dessa união. E é a Ele que elevo agora minha mais profunda gratidão, por ter me dado pais tão extraordinários. Que honra ter vindo ao mundo por meio de mãos tão nobres, orientadas por um amor que começou no Céu.

*Jornalista e Professor

Compartilhe

Notícias mais buscadas agora

Saiba mais

Condenado por ajudar a matar morador em situação de rua no Cetremi é preso em Campo Grande

Riedel participa da abertura da 53ª Expobel em Bela Vista

Bolsa Família (Divulgação, Roberta Aline - MDS)

Bolsa Família: pagamento de julho começa nesta sexta-feira

Em carta a Bolsonaro, Trump volta vincular taxa a processo do golpe

Notícias mais lidas agora

JBS terá que participar de conciliação com moradores por fedor no Nova Campo Grande

Consórcio Guaicurus pede na Justiça devolução de multas com juros e correção monetária

mpms

Com 88 sigilos, MPMS gastou mais de R$ 369 mil em diárias durante junho

Senadores pedem impeachment da ministra do STF Cármen Lúcia

Últimas Notícias

Mundo

Síria retira tropas de zona de guerra após trégua com drusos

Região vinha sendo palco de confrontos de drusos, beduínos e forças de segurança, com um balanço de mais de 500 mortos

Sem Categoria

Bolsonaro e sede do PL são alvos de busca e apreensão da PF em Brasília

Bolsonaro enfrenta processo no STF pelos atos de 8 de janeiro, além de estar envolvido na guerra comercial entre Brasil e EUA

Cotidiano

Dourados tem queda de temperatura e termômetros registram 5.4 ºC nesta sexta

Um dado preocupante é que conforme o Guia Clima, a cidade segue sem chuvas expressivas há 31 dias

Famosos

Ex-BBB Aline Patriarca anuncia fim do namoro com Diogo Almeida: ‘Respeito’

Aline Patriarca e Diogo Almeida pegaram os fãs de surpresa ao anunciarem o fim do relacionamento; eles se conheceram no BBB 25