Pular para o conteúdo
Opinião

Impronúncia: a decisão judicial que veda o direito de ser declarado inocente

Priscilla Emanuelle Merlotti de Oliveira e Rejane Alves de Arruda
Admin -

Nosso Código de Processo Penal de 1941, ainda hoje em vigor, prevê expressamente o procedimento judicial a ser seguido para julgamento dos chamados crimes dolosos contra a vida (dentre eles o homicídio e o feminicídio). Trata-se do procedimento do tribunal do Júri que tem a particularidade de exigir que o juiz togado, antes de levar o réu a julgamento pelo Conselho de Sentença (formado por sete jurados), analise a admissibilidade da acusação.

 Isto significa que o réu somente será levado a julgamento pelo Tribunal do Júri se o juiz entender que estão presentes dois requisitos: os indícios de autoria e a prova da existência de um crime doloso contra a vida.  

  Ocorre que, em tal procedimento, se ao final da colheita de provas (instrução criminal), o juiz entender que inexiste um desses dois requisitos, caberá proferir uma decisão que é denominada de Impronúncia. Não se trata de absolvição e, muito menos, de condenação. No fundo, é uma decisão que põe fim ao processo, sem reconhecer a inocência do acusado.

 Ainda que se torne irrecorrível, não sendo mais passível de recurso, a decisão de Impronúncia não impede que possa haver um novo processo, pelo mesmo crime, contra o mesmo acusado. Isso acontece porque, se no curso do prazo de prescrição do delito, forem amealhados os indícios de autoria faltantes ou a prova da existência do crime até então inexistente, será possível uma nova ação penal contra o réu.

 Logo, ainda que o processo tenha sido concluído, o acusado será lançado num estado de incerteza – o que não ocorreria se estivéssemos perante outro tipo de delito. Num crime de roubo ou de tráfico de drogas, por exemplo, a falta de indícios de autoria ou da comprovação da existência do crime ensejaria uma absolvição que, passado o prazo recursal, estaria acobertada por aquilo que se chama de “coisa julgada”.

Por tais motivos, a decisão de Impronúncia causa-nos uma inegável perplexidade, pois acaba por infringir princípios importantes advindos do devido processo legal, como o da segurança jurídica, da presunção de inocência e da isonomia.

De fato, com a Impronúncia, o acusado não tem definida a sua situação (de culpa ou inocência), ainda que já exista um processo findo. Ademais, em face desta indefinição, sua presunção de inocência acaba por ser arranhada, podendo, a qualquer tempo, ser novamente denunciado pela prática delituosa. Por fim, este acusado é colocado em situação de total desigualdade em relação aquele que, após o devido processo legal, foi absolvido.

Analisando-se os antecedentes históricos da Impronúncia, constata-se que tal espécie de decisão judicial possui sua origem calcada em mecanismos amplamente adotados pelos tribunais de Inquisição da Idade Média que, para evitar, a todo custo, a absolvição, embasava suas decisões em elementos de informação provisórios e sujeitos a alterações futuras.

A crítica em relação a tal tipo de decisão ganha força quando se recorda o quanto um provimento dessa natureza põe em xeque a lisura do acusado, podendo ocasionar-lhe restrições de natureza social, profissional e psicológica. Restrições que não podem ser olvidadas, principalmente num país como o Brasil, em que o fato de responder a um inquérito ou a um processo já implica numa condenação sumária por parte da sociedade. 

Essa particularidade extremamente injusta que caracteriza a Impronúncia acaba, portanto, por relegar o réu a um “limbo processual”, deixando pendente, sobre sua cabeça, a afiada espada da justiça, até que ocorra a prescrição do crime.

Compartilhe

Notícias mais buscadas agora

Saiba mais

Durante chuva forte em Campo Grande, asfalto cede e abre ‘cratera’ na Avenida Mato Grosso

Bebê que teve 90% do corpo queimado após chapa de bife explodir morre na Santa Casa

Com alerta em todo o Estado, chuva forte atinge Campo Grande e deixa ruas alagadas

Tatuador que ficou cego após ser atingido por soda cáustica é preso por violência doméstica

Notícias mais lidas agora

Menino de 4 anos morre após tomar remédio controlado do pai em Campo Grande

Pedágios

Pedágio em rodovias da região leste de MS fica 4,83% mais caro a partir do dia 11 de fevereiro

Vítimas temem suposta pressão para abafar denúncias contra ‘fotógrafo de ricos’ em Campo Grande

Morto por engano: Trabalhador de usina foi executado a tiros no lugar do filho em MS

Últimas Notícias

Política

‘CPI do Consórcio Guaicurus’ chega a 10 assinaturas e já pode tramitar na Câmara

Presidente da Câmara, Papy (PSDB) não assinou pedido da CPI após defender mais dinheiro público para empresas de ônibus em Campo Grande

Cotidiano

Decisão de Trump de taxar aço pode afetar exportação de US$ 123 milhões de MS

Só em 2024, Mato Grosso do Sul exportou 123 milhões de dólares em ferro fundido para os EUA

Transparência

MPMS autoriza que ação contra ex-PGJ por atuação em concurso vá ao STJ

Ação pode anular etapa de concurso por participação inconstitucional de Magno

Política

Catan nega preconceito após Kemp pedir respeito à professora trans

Fantasia de ‘Barbie’ da professora não foi considerada exagerada por outros deputados