Analisando a realidade brasileira, é possível afirmar que a investigação de infrações penais sempre se apresentou como um território de domínio da acusação, justamente por estarmos perante um sistema marcado por traços autoritários e práticas inquisitoriais. Tanto assim que o Código de Processo Penal previu, desde a sua edição em 1941, a necessidade de resguardar, no curso do inquérito policial, o sigilo necessário à elucidação do fato.
Contudo, tal lógica tem mudado gradualmente. Após a consolidação de diversos precedentes, o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula Vinculante nº 14 que garantiu ao defensor o direito de acesso às provas e elementos de informação já documentados nos procedimentos investigatórios. Além disso, a OAB editou o Provimento de nº 188/2018 que regulamentou o exercício da prerrogativa profissional do advogado de promover a chamada investigação defensiva, realizando diligências investigatórias para instrução em procedimentos administrativos e judiciais.
O Código Deontológico de Boas Práticas da Investigação Defensiva da ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalista, e as normas criadas pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (2022) e do Ceará (2023) reforçaram o papel da investigação defensiva, seja na proteção ou no aprimoramento do direito de defesa.
Tem-se, agora, um instrumento essencial para equilibrar as relações de poder entre acusação e defesa; um mecanismo que garante ao investigado o direito de não ser um mero espectador durante a fase preliminar da persecução criminal, limitando-se a requerer diligências que poderiam ser negadas pela autoridade policial.
Neste ponto, recorda-se que o Ministério Público, além de ser o destinatário natural dos elementos colhidos durante o inquérito policial, tem amplos poderes investigatórios reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, podendo requisitar diligências, documentos, laudos periciais e realizar oitivas. A investigação defensiva rompe com esse paradigma ao possibilitar que a defesa: a) entreviste testemunhas; b) colete documentos e informações relevantes ao caso; c) requeira laudos e perícias particulares; d) acesse e analise locais relacionados aos fatos investigados; e) consulte bancos de dados públicos e sistemas de informação; f) constitua e apresente um acervo probatório próprio.
Ainda que sejam necessários ajustes mais significativos, especialmente no Código de Processo Penal, a atuação profissional de advogados e membros da Defensoria Pública tem gerado, no âmbito da investigação defensiva, novas perspectivas e desafios para o exercício da defesa.
Realmente, os feitos criminais passaram por uma evolução natural, impulsionados pelo surgimento de novas formas de criminalidade e por inovações tecnológicas. Nesse cenário, os meios de prova também evoluíram, incorporando recursos digitais como geolocalização por GPS, cruzamento de dados, interceptações telemáticas, perícias digitais, análise de big data e o uso de inteligência artificial aplicada à segurança pública. Tais mecanismos acabam, então, por ampliar e desafiar o modelo tradicional de investigação preliminar.
Diante dessa nova realidade, exige-se do defensor uma postura ativa, estratégica e engajada, visando à produção de provas e diligências em favor do investigado ou indiciado, de modo a garantir um juízo de acusação justo e equilibrado. Até porque o efetivo exercício do direito de defesa desempenha papel essencial na prevenção de denúncias infundadas, precipitadas, temerárias ou até mesmo caluniosas, além de coibir imputações genéricas que comprometam a legitimidade da persecução penal.
Ainda que a investigação defensiva remeta à ideia de colheita de elementos probatórios na fase pré-processual, nada impede que aconteça no curso da ação penal, para trazer aos autos evidências outras que contribuam para a formação do convencimento judicial. Em tais casos, em decorrência da isonomia processual, as informações amealhadas deverão passar, necessariamente, pelo crivo do contraditório.
Nota-se, portanto, que a investigação defensiva surge como peça-chave para um sistema penal mais justo, democrático e efetivamente comprometido com as garantias constitucionais. Afinal, o compromisso com o devido processo legal se constrói desde o início — e não apenas quando o réu já está formalmente acusado.