O STF e a nova sistemática do tratamento do tema da prisão

“Não há tirania mais cruel do que aquela perpetrada
sob o escudo da lei e em nome da justiça” (Montesquieu – O Espírito das Leis)

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Priscilla Emanuelle – Advogada

Rejane Alves Arruda – Advogada e professora

Na semana que passou, o Supremo Tribunal Federal, por meio da decisão proferida no Recurso Extraordinário de nº 1.235.340, acabou por prever uma nova sistemática do tratamento do tema da Prisão no ordenamento jurídico brasileiro, decidindo o tema de repercussão geral de nº 1068.

Desde o julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) de nº 43, 44 e 54, havia duas modalidades de prisão no ordenamento jurídico brasileiro: a prisão provisória (flagrante, preventiva e temporária) e a prisão definitiva (advinda de uma sentença condenatória transitada em julgado).

Com o pacote anticrime (Lei nº 13.964/2019), foi prevista a Execução Provisória da Pena, especificamente no art. 492, I, alínea e, do Código de Processo Penal, para os condenados por crimes dolosos contra a vida, a uma pena igual ou superior a 15 anos.

Tal previsão legal estava aguardando a manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre a sua constitucionalidade, uma vez que o próprio STF tinha acabado de entender, nas referidas ADCs, que a prisão para cumprimento de pena somente seria permitida após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, em face do princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, CF).

Qual não foi a surpresa: o STF acabou por reconhecer a possibilidade de Execução Provisória da Pena nas condenações oriundas do Tribunal do Júri, por entender que o princípio da soberania dos vereditos, ao ser ponderado com o princípio da presunção de inocência, tem maior expressividade, ainda mais quando considerada a efetividade da lei penal.  

Por outro lado, o STF acabou por desprezar o patamar legal mínimo de 15 anos para se falar de Execução Provisória da Pena, pois, por maioria, entendeu que a condenação pelo Tribunal do Júri acarreta automático cumprimento da sanção fixada, seja em regime fechado, semiaberto ou aberto, independentemente do montante de pena aplicada.

No final e ao cabo, o Supremo Tribunal Federal acaba por gerar a seguinte perplexidade: uma condenação dada por um juiz togado, fundamentada legalmente e motivada segundo o conjunto probatório dos autos, não tem eficácia executiva imediata, enquanto que a decisão proferida pelo Tribunal do Júri – que não é fundamentada e pode ser dada com base em argumentos metajurídicos – deve ser, de imediato, cumprida.

 Cria-se, portanto, um desvalor entre as sentenças condenatórias e, ainda que se saiba que a decisão oriunda do Tribunal do Júri seja fruto de um juízo colegiado, tal fato não faz dela, necessariamente, mais acertada, justamente porque o Conselho de Sentença é formado por cidadãos leigos que, muitas vezes, como o próprio juiz de direito, pode se equivocar.

Ademais, recorda-se que a condenação no tribunal do júri se dá por maioria e não por unanimidade – o que faz nascer a hipótese de alguém vir a ser condenado porque (e tão somente) 4 dos 7 jurados entenderam pela condenação. Mesmo porque a sentença, oriunda do Tribunal do Júri, é subjetivamente complexa, cabendo ao juiz togado apenas dosar a pena em caso de condenação, já firmada com o veredito dos jurados.

Embora o direito de recorrer permaneça garantido, um efeito importante do recurso de Apelação – cabível em caso de condenação oriunda do Júri – restou reduzido, principalmente no que tange ao direito de recorrer em liberdade, uma vez que, agora, independentemente da existência de perigo de liberdade, caberá ao condenado recolher-se à prisão para cumprir a pena.

Nota-se que o ponto mais controvertido da decisão é pressupor que, na ponderação entre princípios, a presunção de inocência (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”) está sendo apenas mitigada em relação à soberania dos vereditos, ainda que se trate de uma grave e flagrante violação

Cabe agora questionar quais os efeitos desta novel posição do STF, uma vez que, no quotidiano forense, já existem diversas condenações oriundas do Tribunal de Júri e que estão pendentes de recursos nos Tribunais locais e nos Tribunais Superiores. E neste ponto, recorda-se que o Código de Processo Penal, em seu art. 492 § 2º, prevê a possibilidade do juiz presidente do Tribunal do Júri, excepcionalmente, deixar de autorizar a Execução Provisória da Pena, quando “houver questão substancial cuja resolução pelo Tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação”.

  Destarte, questiona-se, ainda, se os magistrados das Varas dos Júris serão instados a se manifestar sobre a Execução Provisória da Pena em cada uma das condenações que ainda são objeto de recurso pelos Tribunais afora. Todavia, é inegável que o sistema carcerário brasileiro não está apto a receber todo este novo contingente populacional.

De mais a mais, só resta torcer para que o STF reconheça a contradição de seu mais novo entendimento. Até porque é sabido que uma condenação injusta pode advir de qualquer julgamento e, porque não, de um tribunal formado por cidadãos que pertencem a uma sociedade que, bem ou mal, reflete as mazelas nela existentes.

Por fim, vale registrar e responder ao questionamento feito em sustentação oral por Lênio Streck, quando do julgamento das ADCs nº 43, 44 e 54, na tribuna do Supremo Tribunal Federal, aos ministros que ali estavam, se “teria a Constituição virado Inconstitucional”. 

Por todo exposto, sim.