Poder público inadimplente com fornecedor é caso de penhora, não de precatório
Fernando Baraúna
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Muitos devem estar se perguntando: como é possível penhorar bem público, para pagamento de dívida da Fazenda Pública, onde a regra é o precatório?
Pois bem, a intenção aqui não é escrever um texto jurídico, mas demonstrar que a Nota de Empenho, referente a um Contrato Administrativo, vencida e não paga, pela Administração Pública, é um Título Executivo Extrajudicial, onde contempla os requisitos legais de obrigação certa, líquida e exigível.
E por que não o precatório, mas a penhora?
O Precatório é quando o Poder Público não previu a despesa proveniente de condenação judicial definitiva, ficando, depois de longos e duradouros anos, obrigada a adimplir o pagamento, que pode levar muitos anos à frente, para que o precatório seja efetivamente pago.
Neste caso é diferente, a obrigação é de conhecimento antecipado pelo Poder Público, que, por sua vez, já reservou o montante em dinheiro (reserva financeira), para assegurar a despesa que ainda não realizou.
Isso quer dizer que, quando a Administração Pública procura o “mercado” com objetivo de adquirir bens e/ou serviços, para atender as suas necessidades, ele, Poder Público, abre uma Licitação e neste momento já indica a fonte pagadora e separa os recursos financeiros com antecedência.
Assim, o Contratado/Credor já tem a garantia de que, quando entregar o bem contratado e aceito pela Administração Pública, receberá o valor financeiro condizente, isso quer dizer, que o Contratado/Credor é detentor de Direito Adquirido do crédito liquidado no prazo determinado em contrato.
Para melhor compreensão, nos reportamos ao ensinamento do Professor Fernando Facury Scaff que, didaticamente, nos apresenta um exemplo, in verbis:
“Suponhamos que tenha sido contratado para uma Prefeitura a compra de 100 carteiras escolares, para entrega em duas etapas: metade em 30 dias e as restantes em 90 dias, para pagamento 15 dias após cada entrega. A confirmação de cada entrega é feita por um ato do Poder Público, que neste caso é a Prefeitura; após a entrega do primeiro lote de carteiras, a Prefeitura deverá atestar que as recebeu conforme contratado e pagar o valor respectivo no prazo contratado; o mesmo devendo ocorrer após a entrega e liquidação do segundo lote. Ou seja, a liquidação comprova que a “condição” exigida pelo contrato foi cumprida.”
Assim, quando a Administração Pública recorre a inciativa privada, para suprir suas necessidades (bens e/ou serviços), por disposição de Lei, já realiza a reserva financeira dentro o orçamento do órgão responsável pelo pagamento do valor contratado e o recebimento dos bens e/ou serviços pelo Agente Público confirma o cumprimento do contrato.
Com isso, caso o crédito não seja adimplido dentro do prazo estipulado em contrato público, caberá ao Contratado/Credor executar o título executivo extrajudicial (contrato/nota de empenho) e requerer a penhora do valor já reservado pela Administração Pública (reserva financeira), para o cumprimento da obrigação, como determina o § 1º, do art. 833, do Código de Processo Civil.
Lembrando mais uma vez o Professor Fernando Facury Scaff, o mesmo constata que não é usual a utilização dessa via processual, porque, sem fundamentação científica, os Contratados/Credores levam em consideração alguns temores: “(1) os contratados/credores não a utilizam por medo de represálias do contratante; (2) incertezas quanto ao entendimento dos Tribunais; (3) a alternativa dos precatórios é a regra mais rotineira e conhecida por todos os Tribunais; e (4) pouca análise das especificidades do Direito Financeiro”.
Os “temores do Mercado” são reais, mas não condizem mais com a realidade dos fatos, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça – STJ, já tem entendimento pacificado a respeito do assunto e vai além, quando define que nas condenações impostas à Fazenda Pública, o índice de correção monetária aplicado é o IPCA-E e não o que determina o art. 1º-F da Lei 9.494/1997 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. DIA DO VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA IPCA-E.
- Como se vê, a Corte a quo, no que tange à alegação da municipalidade de que os documentos não constituem título executivo extrajudicial por ausência de liquidez, concluiu, com base nos contratos e na nota de empenho juntada aos autos, que o título seria líquido e certo, uma vez que a licitação teria sido devidamente homologada e os contratos administrativos assinados.
- Ademais, não merece acolhida a irresignação da impetrante quanto à aplicação dos índices de correção monetária. A jurisprudência do STJ possui orientação de que o art. 1º-F da Lei 9.494/1997 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza, empregando-se, na espécie, o IPCA-E para as condenações administrativas em geral. (AgInt no REsp 1928405/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe 31/08/2021).” (sem destaque no original)
Segue o Superior Tribunal de Justiça – STJ, in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ARTS. 535 E 458 DO CPC. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. ARTS 267 E 295 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. EXCESSO DE EXECUÇÃO. REGRA LEGAL VULNERADA. FALTA DE INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. NOTA DE EMPENHO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL.
- A nota de empenho emitida por agente público é título executivo extrajudicial por ser dotada dos requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade. Precedentes. (REsp 894.726/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/10/2009, DJe 29/10/2009).” (sem destaque no original)
Os Tribunais inferiores vêm no mesmo sentido, in verbis:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MUNICÍPIO DE BELFORD ROXO.
Nota de empenho. Decisão de indeferimento da tutela provisória de penhora online da quantia empenhada, ao fundamento de que pretensão executiva deduzida em face da Fazenda Pública deve ocorrer por meio de precatório. Empenho que implica em bloqueio do respectivo valor na dotação orçamentária e torna a verba empenhada indisponível para nova aplicação.
Empenho que constitui garantia aos fornecedores da administração pública de existência do respectivo valor e obriga os ordenadores de despesas a quitarem os valores empenhados sem as formalidades dos precatórios. Recurso conhecido e provido. (TJRJ; AI 0004458-94.2019.8.19.0000; Belford Roxo; Nona Câmara Cível; Relª Desª Daniela Brandão Ferreira; DORJ 06/05/2021; Pág. 347).” (sem destaque no original)
Reconhecer os temores é reconhecer que o Poder Público, não muito das vezes, age com desídia, quando se trata de cumprir com suas obrigações contratadas e liquidadas, e assim ocasionando grande prejuízo e sacrifício, para aqueles que decidem atender a Administração Pública.
Assim, acionar judicialmente o Poder Público, por meio de Ação de Execução fundada em título executivo extrajudicial, requerendo a imediata penhora do valor empenhado, é o caminho mais adequado e mais célere de ver o patrimônio do Contratado/Credor restituído.
*Artigo inspirado pelo Professor Fernando Facury Scaff, aula de Tributação e Finanças Públicas – ministrada na pós-graduação de Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário – PUC/RS
**Fernando Baraúna, Advogado e sócio proprietário do Escritório BARAÚNA, MANGEON e Advogados Associados, Ex-Procurador Geral do Município de Dourados – MS, Especialista em Direito Tributário e Eleitoral, membro consultor da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB – DF, pós-graduando em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário – PUC/RS, e assessor jurídico em várias administrações municipais.
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