LONDRES – Isso é um quebra-cabeças. Os casos de covid-19 estão em queda na Grã-Bretanha. Eles deveriam estar disparando. Os cientistas não sabem ao certo a razão disso.

O número diário de novas infecções registradas no caiu por sete dias consecutivos, antes de um ligeiro aumento na quarta-feira, quando foram registrados 27.734 casos. Isso ainda é menos do que quase a metade dos casos há uma semana.

A trajetória do vírus no Reino Unido é algo que o mundo está observando de perto e ansiosamente. As pessoas estão perguntando se esta poderia ser a primeira evidência no mundo real de que a pandemia na Grã-Bretanha está começando a dar sinais de seu fim – depois de três lockdowns e quase 130 mil mortes.

Especialistas em saúde pública estão perplexos: onde está o aumento, que dirá a nova onda? A altamente contagiosa variante Delta, detectada pela primeira vez na Índia, é responsável por quase todos os novos casos na Grã-Bretanha.

Os pubs estão servindo cerveja como nunca, multidões lotam as praias e casas noturnas reabriram com jovens sem máscara lotando as pistas de dança. E depois veio a loucura com o futebol na Eurocopa 2020. E a realmente festejou com vontade.

O governo do primeiro-ministro Boris Johnson acabou com quase todas as exigências impostas na Inglaterra, como uso de máscaras e distanciamento social, em 19 de julho, em um dia que foi apelidado de Freedom Day (Dia da Liberdade) pela imprensa. A defesa contra o vírus atualmente é uma “escolha pessoal”.

Na quarta-feira, o governo anunciou que visitantes totalmente imunizados dos Estados Unidos e da Europa poderiam viajar para a Inglaterra a partir de 2 de agosto sem precisar fazer quarentena. No entanto, o inverso não é verdade. Mesmo com a reabertura da Inglaterra, os EUA têm mantido as restrições em vigor para viajantes da Grã-Bretanha e da União Europeia.

Especialistas em saúde pública, em conjunto com o governo, previram que os casos iriam aumentar, talvez até disparar, nas semanas seguintes ao Freedom Day. Alguns dos melhores modeladores de doenças infecciosas do planeta alertaram que poderiam ser esperados 100 mil novos casos por dia durante o verão do hemisfério norte.

Mas os casos estão diminuindo, mesmo com o aumento das hospitalizações e mortes.

Em 17 de julho, o número de novos casos diários chegou a 54.674, o maior desde janeiro. Dois dias depois, a Inglaterra suspendeu quase todas as restrições que restavam. Mas a tendência desde então tem sido uma queda acentuada.

Ao mesmo tempo, as hospitalizações e as mortes estão aumentando no Reino Unido, porém em um ritmo muito mais lento do que durante as ondas anteriores. Existem mais de 6 mil pacientes com covid-19 em hospitais no Reino Unido, os números mais altos desde março.

Na terça-feira, 131 mortes foram registradas em 28 dias após um exame com resultado positivo. Esses são os níveis mais altos desde meados de março. Na quarta-feira, 91 mortes foram registradas.

Os cientistas têm teorias a respeito da queda do número de casos. Talvez seja o sol? Houve uma onda de calor de uma semana. As escolas estão fechadas por causa das férias de verão, então as crianças não estão espalhando tanto o vírus.

Também é possível que as pessoas tenham parado de fazer o teste para detecção de covid-19 – porque se o resultado for positivo, até as que estão totalmente imunizadas, são solicitadas a fazer quarentena por 10 dias, mesmo que estejam prestes a viajar para a França nas férias.

Ou talvez a Grã-Bretanha tenha alcançado o limiar para imunidade de rebanho. Mais de 70% dos adultos na Grã-Bretanha estão totalmente imunizados e 88% receberam a primeira dose, uma das melhores situações no mundo.

Entre os que não foram vacinados, muitos tiveram covid-19 ou foram assintomáticos, contribuindo para a imunidade natural.

Johnson não está comemorando. Ainda não. Conversando com repórteres em uma terça-feira chuvosa sob um inusitado guarda-chuva pequeno, o primeiro-ministro disse que, sim, tinha reparado nos “números melhores”. Mas acrescentou: “É muito, muito importante que não nos deixemos levar por conclusões prematuras a respeito disso.”

“As pessoas precisam continuar muito cautelosas e essa continua sendo a estratégia do governo”, afirmou.

Mas as pessoas querem muito que a pandemia acabe. A primeira página do Daily Mail na quarta-feira declarou: “Covid-19 está quase no fim, apesar de todo o barulho”. Stephen Griffin, professor da de Leeds, disse que a redução de casos era “muito, muito estranha”.

Ele alertou que mais dados precisam ser analisados, mas sugeriu que isso poderia ser o resultado de uma série de fatores comportamentais, que vão desde o clima quente até a relutância de muitas pessoas em fazer um teste se quiserem sair de férias. Outro fator é o fim da Eurocopa 2020, que levou milhares para os bares e para as ruas.

Griffin também disse que o número alto de solicitações para que pessoas infectadas fizessem quarentena na Grã-Bretanha poderia ter tido um impacto. Na semana passada, quase 620 mil pessoas receberam mensagens de um aplicativo do Serviço Nacional de Saúde na Inglaterra e no País de Gales, pedindo que elas fizessem quarentena.

Além disso, mais de 1 milhão de crianças na Inglaterra estavam fora da escola em meados de julho por motivos relacionados ao novo coronavírus.

“Todas essas coisas combinadas podem verdadeiramente refletir um número reduzido de casos com exames de resultado positivo”, disse ele. “Se isso realmente reflete infecção ou não, não sabemos.”

Neil Ferguson, epidemiologista do Imperial College London, cujos modelos têm determinado a política governamental na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, disse que agora parece possível que a pandemia possa estar ficando para trás.

Ele também acrescentou suas próprias observações de cautela. Ele disse à BBC na terça-feira que os efeitos da suspensão das restrições no Freedom Day no início deste mês ainda não foram vistos.

Ferguson também disse que pode haver um aumento vertiginoso se o clima ficar ruim ou quando as aulas recomeçarem em setembro.

“Não estamos completamente fora de perigo”, disse ele. “Mas a situação mudou fundamentalmente. O efeito das vacinas tem sido enorme na redução do risco de hospitalizações e morte. E tenho certeza de que no final de setembro ou outubro… a maior parte da pandemia terá ficado para trás”.

Ferguson acrescentou: “Ainda teremos casos de covid-19 entre nós. Ainda teremos pessoas morrendo de covid-19. Mas teremos deixado a maior parte da pandemia para trás.”

*Tradução de Romina Cácia