Coronavírus mobiliza pesquisadores em nova corrida global por vacina

Só onze dias após a identificação de um novo coronavírus na China, cientistas de ao menos três laboratórios nos Estados Unidos e um na Austrália já buscavam uma vacina capaz de deter o acelerado avanço do surto. O conhecimento acumulado sobre a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que matou cerca de 800 pessoas entre 2002 […]

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Imagem ilustrativa. (Foto: reprodução/Xinhua/Xiong Qi)
Imagem ilustrativa. (Foto: reprodução/Xinhua/Xiong Qi)
Só onze dias após a identificação de um novo coronavírus na China, cientistas de ao menos três laboratórios nos Estados Unidos e um na Austrália já buscavam uma vacina capaz de deter o acelerado avanço do surto. O conhecimento acumulado sobre a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que matou cerca de 800 pessoas entre 2002 e 2003, a agilidade no sequenciamento genético do novo vírus e avanços tecnológicos na produção de imunizantes indicam cenário otimista. Um produto eficaz poderia ser obtido em prazo curto: um ano. Há uma década, essa velocidade seria impensável.

Parte dos especialistas aposta que a corrida tecnológica será capaz de entregar para testes uma vacina antes de doze meses. Sobretudo porque a iniciativa é coordenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que na quinta-feira, 30, declarou o surto de coronavírus uma emergência de saúde internacional. Outros são mais cautelosos sobre prazos. Mas todos apostam em um imunizante como a melhor forma de enfrentar o vírus, que já chegou a mais de 20 países, provocou 304 mortes na China e infectou 13,7 mil pessoas. Não há tratamento específico para a infecção – apenas para aliviar os sintomas.

“Nossos esforços são, antes de tudo, uma resposta ao novo vírus, mas também um desafio; para testar o quão rápido conseguimos trabalhar”, afirmou o vice-diretor do Centro de Pesquisa de Vacinas do Instituto Nacional de Saúde (INS) dos EUA, Barney Graham, em entrevista coletiva na semana passada.

Investimentos

A Coalizão para a Preparação de Inovações contra Epidemias (Cepi, na sigla em inglês) destinou US$ 11 milhões (cerca de R$ 47 milhões) a três programas. São liderados pelas empresas Moderna Biotecnologia (que trabalha em parceria com o INS), Inovio Farmacêutica e pela Universidade de Queensland, na Austrália. Paralelamente, a Johnson & Johnson também trabalha para desenvolver um imunizante.

Horas após os chineses deixarem disponível o genoma do novo vírus, no dia 10, especialistas do INS já trabalhavam. Comparavam a sequência genética com as que tinham dos vírus da Sars e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers). São da mesma família do coronavírus e muito semelhantes a ele. O objetivo era identificar proteínas que facilitam a entrada do vírus na célula. O mesmo grupo já tinha estudado essas proteínas nos vírus da Sars e da Mers e recorrido a elas para desenvolver vacinas experimentais contra as duas doenças. Os imunizantes só não chegaram ao mercado porque as epidemias já tinham sido contidas quando ficaram prontos e os investimentos foram suspensos.

Em 14 de janeiro, o INS já tinha um modelo para o novo vírus e o mandou a laboratórios da Moderna Biotecnologia, que trabalha na criação de um RNA mensageiro sintético capaz de enviar instruções às células. Isso induziria a produção de anticorpos para combater a infecção. De volta ao INS, o protótipo será preparado para testes em animais. Se não houver contratempo, os especialistas acreditam que o primeiro teste em humanos poderá ser feito em três meses.

Nos laboratórios da Inovio, cientistas usam novo tipo de tecnologia de DNA. Eles acreditam que, em cinco meses, terão um protótipo pronto para testes. E, até o fim do ano, estariam prontos para testes em larga escala. “Nossas vacinas usam sequências de DNA do vírus para mirar partes específicas do patógeno que, acreditamos, induzirão resposta mais intensa do organismo”, explicou a companhia. “Usamos as próprias células do paciente, transformando-as em uma fábrica de vacina.”

Na Johnson & Johnson, os especialistas usam adenovírus, que provocam sintomas parecidos com os da gripe. Assim, induzem o organismo a produzir anticorpos para vírus invasores semelhantes Já na Universidade de Queensland, são testadas moléculas sintéticas que imitam a estrutura do vírus.

Para Mayra Moura, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações, há realmente a expectativa de conseguir uma vacina rapidamente. “Já temos um bom caminho andado”, disse. “Mas, por mais que algumas etapas possam ser aceleradas, não tem como pular as etapas de teste em animais e em seres humanos.” A OMS coordena o processo e vai decidir qual “candidata” a vacina deverá ser testada primeiro em humanos. Historicamente, as vacinas são a melhor ferramenta para prevenir doenças, mas ainda há desafios. Desenvolver uma vacina ainda é caro e arriscado.

“Se o vírus ainda estiver circulando, com certeza a vacina é a melhor solução”, diz Mayra. “Além de proteger as pessoas individualmente, a vacinação em larga escala induz o que chamamos proteção coletiva, impedindo a circulação do vírus.”

Saídas

Nesse meio-tempo, alguns medicamentos são testados contra o coronavírus. É o caso de drogas experimentais inicialmente desenvolvidas contra a Sars e outros coronavírus, e até mesmo de um remédio usado no tratamento do HIV. “A vacina vai ajudar muito”, disse Hélio Mangarinos, da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica. “Mas medidas simples de saúde pública, como isolar pacientes, tomar cuidado ao espirrar e lavar as mãos contribuem para reduzir o contágio.”

O infectologista Edmilson Migowski, da Universidade Federal do Rio (UFRJ), concorda. “Durante a epidemia de gripe suína, entre 2009 e 2010, até a vacina ser disponibilizada, houve campanha intensa para lavar as mãos”, diz. “O resultado foi que, naquele ano, nenhum laboratório produtor de soro, remédio para diarreia, conjuntivite, resfriado bateu a meta de vendas. O simples gesto de lavar as mãos com mais frequência reduziu a incidência de enfermidades.”

‘Surto ainda vai piorar antes de melhorar’

Professor de Epidemiologia da Universidade de Michigan (EUA), Arnold Monto é considerado um dos maiores especialistas do mundo em coronavírus. Ele trabalhou em Pequim durante a epidemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), entre 2002 e 2003, e foi consultor da Organização Mundial da Saúde. Ao Estado, afirmou que o atual surto do coronavírus “ainda vai piorar antes de começar a melhorar”, mas que experiências anteriores ajudam a lidar com o problema.

Qual a perspectiva para este novo coronavírus?

Provavelmente não será tão devastador (quanto a Sars). Mas ainda vai piorar antes de começar a melhorar. A boa notícia é que, depois da experiência com a Sars, já sabemos o que deve ser feito em termos de medidas como isolamento e quarentena. No entanto, hoje temos muito mais viagens internacionais, o que facilita a disseminação.

É praticamente impossível impedir que os casos cheguem aos países?

Vamos ter o registro de muitos casos saindo da China por um bom tempo. Mas se tivermos o cuidado de impedir transmissões nos nossos países, conseguiremos controlar a propagação. Identificar casos suspeitos e tratar casos potenciais é o caminho.

A China isolou Wuhan, cidade de 11 milhões de habitantes (epicentro do surto). Mas isso parece não ter funcionado…

Infelizmente não foi cedo o suficiente. O vírus se espalhou para grandes áreas do país.

A maioria dos novos vírus respiratórios surge na China. E está estabelecido que isso ocorre pelo modo como criam e vendem animais. Nada pode ser feito?

Sim, enquanto essa situação (do confinamento de animais) continuar, vamos ter casos. É parte de um problema social. Há muitas questões sobre comidas e formas de tratar os animais com as quais os chineses terão de lidar. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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