Em uma cela que divide com outros nove detentos, o brasileiro Sebastião Nogueira Nascimento, 34, preso desde 2016 na , conta que precisa trabalhar na prisão para não passar fome na maior parte do dia.

Sebastião diz lavar roupas na cadeia para ganhar um boliviano por peça (R$ 0,55). Ele usa o dinheiro para comprar comida, porque, segundo ele, o presídio só serve almoço.

A detenção de Sebastião, em fevereiro de 2016, é envolta em polêmica. O trabalhador rural foi sequestrado em sua casa em Epitaciolândia, a 240 km de Rio Branco, e levado a uma cadeia em Cobija, do outro lado da fronteira, diz o Ministério Público Estadual, ele próprio e a família. Da casa à cadeia, foram 25 km.

Já as autoridades bolivianas afirmam ao Itamaraty que o trabalhador rural foi preso porque ele teria participado do do filho de um senador em Cobija. A mulher de Sebastião, boliviana, chegou a ser presa pela mesma acusação, mas foi solta.

A polícia nacional boliviana mantém silêncio sobre o caso. Sebastião ainda não foi julgado. Ele nega ter participado do suposto crime contra o filho do senador.

Um policial brasileiro, Maicon Cezar Alves dos Santos, foi condenado em março deste ano no Acre a sete anos de prisão pelo sequestro de Sebastião. Em depoimento à PF na época, o ex-agente disse que três policiais bolivianos participaram do sequestro e levaram a vítima para Cobija.

Sebastião ficou dois meses preso na cidade boliviana, onde afirma ter sido agredido pelos carcereiros. Na sequência, foi transferido para a cadeia de San Pedro de Chonchocoro, no entorno de La Paz.
Há um pequeno comércio informal na cadeia, diz, onde se vendem lanches, créditos para celular, cigarros e roupas.

O brasileiro conta que passa frio porque não possui roupas adequadas para o clima da região. Os presos de Chonchocoro não recebem uniforme. Amigos já lhe deram algumas peças, mas não o suficiente para suportar a temperatura.

A família não tem condições financeiras para ajudá-lo. Sua irmã, Dilma Nogueira, 37, conta ter mandado uma vez dinheiro, por meio da conta de um agente penitenciário.

Para o Ministério Público do Acre, Sebastião foi sequestrado pelas autoridades bolivianas, em ação ilegal que violou o território nacional. “Não há nenhuma dúvida de que ele foi sequestrado no Brasil pelos bolivianos com ajuda de um policial brasileiro”, afirma o promotor Ildon Maximiliano, que comandou as investigações à época. O caso foi encerrado depois da condenação de Maicon dos Santos.

O promotor disse que o resultado do trabalho foi entregue à Polícia Federal. A reportagem tentou ouvir a PF no Acre, mas não houve resposta. A superintendência em Brasília informou que só a unidade do Acre poderia se manifestar.

O Itamaraty diz acompanhar o caso do brasileiro, “prestando a devida assistência consultar”. Em nota, o órgão afirma que assim que soube da suspeita de sequestro, “o embaixador do Brasil reuniu-se com as vice ministras das Relações Exteriores e de Assuntos Consulares da Bolívia, para solicitar esclarecimentos a respeito das circunstâncias da referida prisão”.

“Delas ouviu que, conforme o relatório policial boliviano correspondente, Sebastião teria sido preso em Cobija, Bolívia, e não em território brasileiro”, encerra a nota.

A Embaixada da Bolívia em Brasília, por email, afirmou que Sebastião foi detido em território boliviano.
Questionada, a polícia nacional boliviana disse que os três policiais citados por Maicon dos Santos foram transferidos de Cobija, mas sem dizer para onde. Quanto ao possível sequestro, o órgão afirmou apenas que o governo boliviano já se manifestou sobre o caso ao governo brasileiro.