A mulher que se passou por cientista para entender a doença fatal e sem cura dos filhos
Os dois filhos foram diagnosticados com distrofia muscular
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Os dois filhos foram diagnosticados com distrofia muscular
Nos anos 70, o casal americano Pat e Tom Furlong recebeu um grave diagnóstico sobre seus dois filhos mais novos: ambos sofriam de distrofia muscular de Duchenne, uma doença rara mas devastadora, que afeta 250 mil pessoas no mundo. Naquela época, o mal recebia pouca atenção e contava com poucos recursos para pesquisas científicas.
O casal trabalhava na área da saúde. Ela, enfermeira. Ele, médico. Assim, depois do choque inicial, Pat mergulhou em uma grande campanha para conhecer melhor sobre Duchenne, transformando o cenário tanto para os cientistas que estudam a doença como para pacientes e suas famílias.
Foi uma missão “quixotesca”, cheia de estratégias pouco convencionais, considerada por alguns como uma “loucura”. Mas, para ela, não havia alternativa.
“A primeira vez que notei algo diferente em meus dois filhos menores, Christopher e Patrick, foi quando me dei conta de que não eram muito fortes”, disse Pat Furlong para a BBC. “Não conseguiam pular, não conseguiam subir escadas.”
O casal pensou que os filhos desenvolveriam os músculos com o tempo. Afinal, nasceram grandes, saudáveis. Mas um dia, quando Christopher tentava subir na bicicleta, destendeu o tendão de Aquiles, sua panturrilha inflamou e sentiu muita dor. “Passei a noite toda com ele e, quando Tom chegou, o levamos a um ortopedista”, falou Pat.
As más notícias não pararam por aí. Patrick, dois anos mais novo, também tinha a doença.
A distrofia muscular de Duchenne é uma doença rara vinculada ao gene do cromossomo X. Uma mutação genética que afeta apenas homens e não permite a produção de uma proteína esqueleto-muscular chamada distrofina, que mantém o tecido muscular unido. O resultado é que os músculos gradualmente perdem força, se degeneram e as células musculares morrem.
Inicialmente, os bebês podem aparentar ser normais. Mas, sob um olhar especializado, se percebe que seus músculos estão frouxos e soltos. Meninos com essa condição nunca podem correr, subir escadas normalmente, nem saltar com ambos pés no ar. Alcançam seu máximo potencial muscular entre 7 e 8 anos e, a partir de então, este se deteriora constantemente. Ao chegarem aos 12, não podem mais caminhar. Aos 15, muitos não conseguem se alimentar sozinhos.
Atualmente a estimativa de vida é de 29 anos.
“É devastador. A vida como você a conhecia desaparece. A partir de então, você tem que ver o que fazer. Como sobreviver com dois filhos que, provavelmente, não passarão da adolescência”, contou Pat.
Naquela época, não havia internet nem redes sociais. Era muito difícil contatar quem sofria da mesma doença. “Estávamos rodeados de uma comunidade que nos desejava o melhor, mas não podia oferecer nada de concreto para nos ajudar, seja averiguar mais sobre o status da pesquisa sobre essa doença ou quem eram os melhores médicos para se consultar”, lembrou Pat.
“Tudo isso era desconhecido. Foi algo que tivemos que fazer do zero.”
Falsa identidade
Apesar de trabalharem na área de saúde, Pat e Tom se sentiam impotentes frente à doença dos filhos. Os primeiros médicos especialistas que consultaram lhes disseram que eles nunca entenderiam a doença e o melhor a fazer seria voltar para casa e cuidar dos filhos.
Foi quando Pat decidiu traçar um plano para conhecer o que havia de mais avançado sobre Duchenne, o que poderia ser feito, quem estava investindo em pesquisa e quanto custaria. Começou a visitar laboratórios e consultórios de médicos especializados, se passando pela médica Furlong, que estaria fazendo pós-graduação sobre distrofia muscular de Duchenne.
“Não queria que sentissem pena de mim”, explicou Pat. “Queria que me tratassem como uma profissional e, assim, saber o quanto conheciam e quanto dinheiro tinham para pesquisa.”
Pat conseguiu ocultar sua identidade. Como era enfermeira, conhecia o ambiente, vocabulário e a maneira de se portar. “Quando alguém lidera uma pesquisa, o que quer é falar sobre os seus estudos. Se você lhe der atenção e fizer perguntas relevantes, vai obter respostas”, falou.
A estratégia deu certo até que, um dia, na Universidade de Pensilvânia, um pesquisador da área de genética descobriu a trapaça. “Me perguntou: você conhece tal e tal pessoa? Eu menti que sim. Então, quis saber onde eu as havia conhecido, e eu inventei algo. Aí, ele me disse: ‘essas pessoas não existem. Me diga quem é você de verdade’.”
“Comecei a chorar e contei a verdade. Àquela altura, a doença dos meus filhos havia progredido muito, não podiam mais comer sozinhos. Então disse ao pesquisador que eu estava disposta a que eles se submetessem à terapia genética experimental”. Mas o pesquisador disse que seus experimentos haviam fracassado, resultando na morte dos animais que usava como cobaias.
Recursos para pesquisa
Em 1994, Pat organizou a primeira conferência que reuniu médicos e pais de vítimas de Duchenne e fundou a organização “Parent Project Muscular Distrophy” (em português: Projeto de Pais de Distrofia Muscular).
Isso mudou a dinâmica da pesquisa científica nesse campo. Os pais deixaram de ser vistos como “loucos” e passaram a ser considerados pessoas interessadas em fazer o possível para entender a doença, atrair investimentos e melhorar os padrões de cuidado para seus filhos, segundo Pat.
“Nós, os pais, recuperamos a esperança ao conhecermos os pesquisadores e dizermos para eles contarem conosco para buscar fundos, influenciar o governo, chamar a atenção”, disse Pat. “Isso também deu aos pesquisadores o respeito e apoio que merecem.”
Após pressionarem o Congresso americano, os pais conseguiram obter recursos para pesquisa. Segundo Pat, em uma audiência com um comitê especial parlamentar, um senador perguntou a um jovem portador da doença o que poderiam fazer por ele. O jovem respondeu que poderiam usar o dinheiro gasto com um avião de guerra para investir na pesquisa sobre Duchenne.
Um projeto de lei a respeito foi aprovado em 2001, com financiamento a pesquisas sobre distrofia muscular.
Muito tarde
Pat e Tom sabiam que qualquer progresso que conseguissem seria muito tardio para seus próprios filhos. “Intelectualmente, eu entendia. Mas, emocionalmente, tinha uma esperança. Mas não deu certo.”
Christopher morreu aos 17 anos, de insuficiência cardíaca, em 1995. Patrick partiu sete meses depois, com 15 anos.
“Eu cuidei dos meus filhos. Dormia no chão ao lado deles e acordava para virá-los à medida que perdiam suas funções respiratórias. E eu também os enterrei.”
Com essa experiência, Pat consegue entender o que sentem os pais afetados. “Nenhum de nós é um pai louco.”
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