“A Vida da Gente” estreou originalmente em 26 de setembro de 2011 e chegou ao fim em 02 de março de 2012. Quase 10 anos depois do primeiro término, a novela de Lícia Manzo repetiu trajetória semelhante à de sua exibição original.

Escalada como tapa-buraco na pandemia por popularidade na , o folhetim mostrou que não é tão popular assim com o público do sofá, quem realmente assiste televisão. Na web, torcidas dividiram os internautas, que guerreavam para confirmar quem tinha mais razão: Ana, ou Manuela. O #teamManu sempre foi o mais forte no ambiente virtual, mas na sala das residências, Ana Fonseca era a preterida pelos telespectadores.

A proposta da autora era apresentar uma trama realista, tal como ‘a vida da gente' é. Sem mergulhar na fantasia e apostando em relações defeituosas, Lícia Manzo construiu uma narrativa imperfeita, com o objetivo de mostrar ao telespectador que todo mundo erra e que as pessoas são falhas.

Irmã talarica não tem perdão, dependendo do tipo de telespectador (Foto: TV )

No entanto, o telespectador de telenovelas não está muito lá bem disposto ou interessado em acompanhar dramas que não sejam rocambolescos, floridos e romantizados. De romantização na trama das seis, apenas a relação das irmãs Ana e Manuela: um vínculo que sobreviveu após Manu ter casado com Rodrigo, namorado de Ana, enquanto Ana estava em coma.

Para um público acostumado com fantasia, principalmente na faixa das 18 horas, a história é perversa e inaceitável. Ao se colocar no lugar da tenista em coma, a situação parece imperdoável. Por muitas vezes, ao longo dos anos, Lícia explicou e detalhou a mensagem que tentou passar com sua obra, que segue até hoje sendo incompreendida e sem aceitação da maioria.

Na visão desse telespectador, as mútuas traições de Ana e Manu não tem perdão. Manu é vista como quem roubou a vida da irmã e impediu que ela retomasse sua história. Essa foi a compreensão universal, fora da bolha da internet, mas jamais foi o que a autora quis retratar. Abordando uma questão delicada e com romantismo, o único da trama, Lícia não fisgou, mas repeliu sua audiência, que sentia ânsia de vômito a cada passo de Manu, enquanto na web, cada palavra de Manuela era aplaudida e aclamada.

Apesar de ser realista, história de Ana e Manu na novela não se sustenta na vida real (Foto: )

O resultado da percepção pôde ser sentido na audiência: os números tiveram o mesmo peso que em 2011/2012: não cheiraram e nem federam. “A Vida da Gente” derrubou da antecessora “Cordel Encantado” em 2011 e de “Flor do Caribe” em 2021, sendo a segunda pior audiência do horário nas reprises da pandemia, perdendo apenas para “Novo Mundo”. A julgar pela opinião pública exposta nos comentários dos perfis da TV Globo e por tudo o que foi opinado na bolha twitteira, as impressões sobre o folhetim não mudaram ao longo de todos esses anos.

“A Vida da Gente” expõe mais que uma suposta “falta de compreensão”, ela expõe a humanidade brasileira e a não aceitação de determinadas ações, por mais lindo que o personagem seja. A segmentação dos públicos, que entende a obra cada qual de sua maneira, escancara o poder de repulsa que a história causou. Lambida pela crítica por ter um texto impecável e abordar relações defeituosas tais como acontecem na vida, “A Vida da Gente” é refutada por uma maioria que não está a fim dessa realidade, não se importa com texto ou narrativa, mas quer se entreter com histórias bonitas e moralmente aceitáveis: ficção.

Casais do desfecho não são bem aceitos (Fotos: TV Globo)

Ousada, Lícia preferiu fantasiar irmãs que se perdoam acima de tudo, do que casais clássicos e personagens caricatos de fácil aceitação. O fiasco acontece tanto com os números alcançados, abaixo dos resultados esperados pela emissora, quanto pelo fracasso da autora em não conseguir fazer sua história universalmente compreensível. Pela segunda vez. Se não fosse aclamada na web, “A Vida da Gente” dificilmente teria chance de reprise, já que em 2011 o desempenho foi parecido. A internet está consolidada há muito tempo, o suficiente para entender que o que os internautas adoram não é sinônimo de resultado nas telinhas. Principalmente se o produto em questão for a tradicional telenovela.