“Um resgate de identidade”. Assim descreveu a experiência do Na Tela pela diretora adjunta da Múcio Teixeira Júnior, Fátima Aparecida Monteiro. Ao entrar no ambiente da escola, transformado em um cinema improvisado com várias cadeiras enfileiradas, um telão e caixa de som, o cheiro de pipoca exalava no ar. As crianças estavam com a típica agitação da pouca idade, mas não tiravam os olhos da curiosa tela branca que logo logo mostraria os filmes produzidos na sua terra.

O projeto Campo Grande Na Tela leva filmes feitos na Capital e debates a instituições de ensino de todas as regiões da cidade para que os jovens e crianças tenham contato com o cinema local. Ele é desenvolvido pela Marruá Arte e Cultura com recursos do FMIC (Fundo Municipal de Incentivo à Cultura), oriundos da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura de Campo Grande. Na exibição da última terça-feira (8), foram mostrados na Escola municipal Múcio Teixeira Júnior os filmes: “Clave Latina”, “Tia Eva”, “Lamento”, “Preto e Branco”, Memórias de luz”, “Enterro” e “A TV está ligada”.

Educar a mente pelos olhos

Andrea Freire, diretora de teatro e diretora cultural, ressalta que o problema do cinema regional está na sua distribuição e concorda com Higa sobre ser crucial plantar a semente da inspiração nos jovens de hoje que são o futuro de amanhã. “A gente percebe que tem filmes premiados, filmes que circulam em festivais, que já foram para Buenos Aires, Nova Iorque, Toronto, Rio de Janeiro e São Paulo e aqui a gente não assiste. Então a ideia foi: Como aproximar isso das pessoas e de que tipo de pessoas, né? Do universo estudantil. A gente vê aí esses meninos de 12 anos assistindo um filme como o da Tia Eva, falando sobre a memória do Roberto Higa. Filmes que mostram o cenário e personagens da cidade. Se você souber dos valores da sua cidade, tem um sentimento de pertencimento que é muito importante”, afirma.

Roberto Higa foi um dos convidados para o Campo Grande Na Tela
Roberto Higa foi um dos convidados do debate (Foto: Carlos Yukio)

Entre os curtas apresentados estava o “Memórias da Luz”, sobre a trajetória do fotógrafo campo-grandense Roberto Higa, que nesse ano faz 50 anos de profissão. “Fotografei a inauguração dessa escola, inclusive com o Múcio Teixeira Júnior. Então, pra mim é um orgulho”.

Para Higa, o projeto é necessário para que sirva de inspiração para as próximas gerações que virão. “Nós tivemos aqui grandes empresas cinematográficas grandiosas e recebíamos grande público. O cinema sempre está muito presente aqui. Campo Grande tem uma ligação muito forte. O problema nisso é que a grande maioria não conhece essas coisas. O cinema é uma coisa muito restrita pra uma determinada classe. Amanhã ou depois, de repente aparece aqui um grande cineasta, um grande ator. É de vital importância dar uma abertura pra isso.”

A anfitriã da Escola Municipal Múcio Teixeira Júnior, escolhida para a 6ª edição do projeto que circula pelas escolas da Capital, a diretora adjunta Fátima Aparecida Monteiro acredita que a internet e as redes sociais trazem um conteúdo não filtrado para o jovens. Para ela, a iniciativa faz com que os alunos tenham uma identificação com a sua história. “Eu vejo que campo grande tem muita história pra contar, nosso estado tem muita história pra contar. Mas nunca foi discutido, nunca foi facilitado esse acesso, aos alunos principalmente. Essa qualidade cultural oportuniza as crianças a conhecer o mundo da arte, principalmente porque fala da sua história, da sua raiz, da sua comunidade, do seu estado. Então a criança entende que ela faz parte de algo e isso chama-se pertencimento.”

Plantando sementes

O estudante Lucas Santos da Silva, 13, conta que gostou dos curtas, principalmente do curta “A TV está ligada”, pois mostrava como hoje em dia as pessoas são influenciadas pelos meios digitais que consomem, e se mostra animado com a nova possibilidade de criar que ainda não conhecia. “Incentiva a gente fazer as coisas. Não é só o pessoal de fora do Brasil, de fora de Campo Grande que faz as produções, na nossa cultura já tem gente que faz”, completou.

Gabriele Pedroso, estudante de 14 anos, diz estar orgulhosa do estado que enxerga como uma nação desde que nasceu. “Eu consigo enxergar que a cultura chega até nós de uma maneira bem prática e fácil. E é muito legal ver o esforço da direção e de toda a equipe pedagógica da minha escola para trazer esse projeto. Nasci e cresci aqui então sinto muito orgulho desse pessoal porque eles fazem um trabalho muito bem feito. É uma coisa diferente” afirmou.

O projeto Campo Grande Na Tela além das exibições e debates nas escolas municipais da Capital, produz uma websérie com os relatos dos participantes que pode ser encontrada no canal do Youtube. A próxima escola será a Escola Municipal Irene Szukala, localizada na R. Iemanjá, 1025 – Jardim das Hortências, dia 16 de maio, às 9h e 15h. E mais uma vez o cheiro da pipoca, o brilho nos olhos e os sonhos chegarão ao imaginário das crianças e jovens campograndenses.

Confira a sinopse dos curtas apresentados:

CLAVE LATINA
Direção: André Knöner
2013. 4,31” – Livre. Documentário
Sinopse: Artistas de rua vindos de várias partes do continente americano, por alguns meses, dias ou semanas vivem na cidade de Campo Grande, estabelecendo um elo cultural entre mundos com pontos de vista, valores e atitudes diversas.

TIA EVA
2013. 6,08” – Livre. Documentário
Direção: Ana Carla Pimenta e Vânia Lúcia Duarte
Sinopse: Retrato de Tia Eva, uma mulher escravizada que chegou em Campo Grande em 1905, época da formação da cidade, na visão de seus descendentes que lutam para manter viva as origens e as tradições de uma comunidade quilombola.

LAMENTO
Direção: Eduardo Romero
2011. 4,29” – Livre. Ficção
Sinopse: Um barquinho de papel navega pelo córrego Bandeiras, revelando poeticamente os limites de convívio entre homem e natureza.

PRETO E BRANCO
Direção: André Knöner
2011. 5,05 – Livre. Documentário
Sinopse: Três mulheres, um time, muitas histórias. A paixão pelo Operário Futebol Clube em momentos inesquecíveis na arquibancada do Estádio Universitário Morenão.

MEMÓRIAS DE LUZ
Direção: Farid Fahed
2013. 5,13 – Livre. Documentário
Sinopse: Roberto Higa, fotografo com um acervo de mais de 250 mil imagens que conta, ao longo de quase meio século, a história de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso e marca gerações com suas recordações: passado presente.

ENTERRO
Direção e roteiro: Fábio Flecha
2014. 19' – 12 anos. Ficção
Sinopse: Três amigos partem em busca de um tesouro antigo sem imaginarem os perigos que irão enfrentar.

A TV ESTÁ LIGADA
Direção e roteiro: Essi Rafael
2011. 24,33” – 10 anos. Ficção
Sinopse: Um maníaco à solta incendeia os noticiários televisivos e causa pânico nas ruas de Campo Grande. Uma comédia sobre violência urbana, paranoia e sensacionalismo