Sem pedigree — ou seja, sem linhagem —, os cães vira-lata são maioria nas estatísticas envolvendo abandono animal. Alvo de preconceito e marginalizados por uma parcela da sociedade, esses bichanos encontram amor em lares acolhedores de quem não se importa com raça.
Contudo, ainda que haja uma população sensível ao histórico de abandono dos caninos, o termo que envolve a ausência de uma ascendência continua a ser propagado de forma pejorativa, quando o intuito é ofender, diminuir ou menosprezar alguém: “Seu vira-lata”.
Mas, afinal, ser chamado de vira-lata é mesmo uma ofensa? Ou deveria ser considerado um elogio? Levando em conta a resistência e a resiliência desses animais sem raça e, principalmente, o afeto que tutores relatam receber e retribuir, a atribuição desse termo a alguém pode não ser tão desrespeitosa quanto parece — a depender da interpretação de cada um.
É que, além de serem considerados pets companheiros, esses caninos, muitas vezes, tornam-se suporte emocional para famílias.
Vira-latas: vínculo afetivo não escolhe raça
Para o casal Andressa e Leonardo Biscaya, moradores do Coophavila II, a chegada de Ravena, em fevereiro deste ano, foi um alento em meio ao luto. Os dois haviam enterrado uma cadela há pouco tempo, quando viram, na vira-lata abandonada em uma praça, uma nova chance para oferecer e receber amor.
“Uma semana antes, estávamos procurando uma cachorrinha para adotar. Ela foi abandonada na Praça Serra Azul e chegou bem magrinha. Dava até pra ver os ossinhos, de tão anêmica”, relata Andressa.
Conforme a tutora, o veterinário estima que Ravena tenha oito meses de vida; nesse tempo, ela se recuperou muito bem da rotina que levava nas ruas. “Eu trato a depressão, e ela tem me ajudado muito nisso”, relata a auxiliar administrativa.
Costelinha poderia ser comida de onça
A situação é semelhante para a família da publicitária Júlia Rodrigues. Há quatro anos com o clã, a cadela Costelinha também ajudou no enfrentamento ao luto. “Ela chegou em casa no final de agosto de 2020. Na ocasião, havíamos perdido nossa outra vira-latinha, a Pretinha, em decorrência de um câncer de mama”, conta.
“A Costelinha ou Costela Maria (quando ela apronta algo) ia ser levada para uma fazenda, pra ser cachorro que acompanha os peões. Porém, quando levaram ela, o dono da fazenda disse que ela era muito miudinha e que com certeza seria comida por uma onça”, recorda a tutora.
Foi quando a irmã mais nova de Júlia, ainda muito sensibilizada com a morte de Pretinha, viu a foto de Costela e, não teve jeito, foi amor à primeira vista. “Atualmente, temos mais dois gatinhos, mas a Costelinha é a alegria da casa. Todo mundo que vem nos visitar fica apaixonado pelo jeitinho único dela”, destaca a publicitária.
Contradição: ser chamado de vira-lata é ofensa ou elogio?
Para essas tutoras e outros diversos donos de animais sem raça, os vira-latas são descritos como cães alegres, brincalhões, companheiros, que gostam de crianças e possuem bom relacionamento com outros animais. Enquanto os de raça já são considerados com temperamento mais difícil.
Sendo assim, a pergunta que fica é: por que a nomenclatura de pet com tantas qualidades positivas, quando transferida para humanos, tornou-se sinônimo pejorativo, associado a pessoas sem bons atributos, geralmente sem princípios, sem caráter e com complexo de inferioridade cultural?
Na prática, tutores destacam que seus animais sem raça são o oposto disso. A contradição, nesse caso, justifica o questionamento: afinal, ser chamado de “vira-lata” é ofensa ou elogio?
“Não acho ofensa, porque é o que ela é: uma mistura, uma mistura perfeita, que só sendo vira-lata a gente teria. Acho que quem se apega a isso de raça de cachorro perde todo o ponto de ter um cachorrinho: o amor incondicional deles, independentemente de raça, pelagem e por aí vai” comenta a tutora de Costelinha.

Vira-latas abandonados e domiciliados em Campo Grande
Dados do último censo realizado pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), em 2021, estimam que existam mais de 287 mil animais de rua domiciliados em Campo Grande. Para tanto, diversas ações voltadas ao controle populacional de animais de vida livre são aplicadas na Capital.
Um exemplo é o Chamamento Público da Subea (Superintendência de Bem-Estar Animal), que já está em vigor, com o objetivo de castrar cães e gatos em situação de rua ou em colônias urbanas.
Inclusive, uma OSC (Organização da Sociedade Civil) já foi selecionada para a execução do projeto, ficando responsável pela captura dos animais, encaminhamento para o procedimento cirúrgico e a posterior devolução ao local de origem.
Em operação há mais de um mês, o projeto já tem sido uma importante medida para o controle ético da população animal e a redução dos índices de abandono.
Ainda assim, conforme o mesmo censo realizado pelo CCZ em 2021, a estimativa de animais em situação de abandono naquele ano, em Campo Grande, era de aproximadamente 12.500 exemplares.
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