Historiador e cronista, Paulo Coelho Machado dedicou parte da vida a documentar início de Campo Grande

Autor contou história da cidade em sua série de livros ‘Pelas Ruas de Campo Grande’

Monique Faria – 25/08/2024 – 07:30

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Paulo Coelho Machado livro Pelas Ruas de Campo Grande
Livros da série 'Pelas Ruas de Campo Grande', de Paulo Coelho Machado. (Henrique Arakaki, Midiamax)

Se a história de um lugar ou de um povo fosse uma poção contra o esquecimento, o historiador seria um mago que detém a receita desta. Assim, Dr. Paulo Coelho Machado foi mais do que escritor, pesquisador, advogado e pecuarista, mas além disso, uma figura ativa e guardiã da história de Campo Grande.

Dedicando mais de 40 anos à pesquisas, análises e entrevistas de moradores, Paulo Machado documentou, em suas crônicas, o início de Campo Grande. Em suas obras ‘A Rua Velha’ (1990), ‘A Rua Barão’ (1991), ‘A Rua Principal’ (1991), ‘A Rua Alegre’ e ‘A Grande Avenida’ (2000), retratou as peculiaridades das ruas da cidade.

“É um trabalho minucioso das ruas de Campo Grande, enaltecendo moradores, comerciantes, gente que fez o desenvolvimento da cidade. Para mim, um aprendizado de valor enorme, especialmente para as gerações que desconhecem as origens e os detalhes dos primeiros moradores. Uma obra em livro, que ajuda a entender como chegamos até aqui”, ressalta Marisa Machado, filha do autor.

‘A Rua Velha’, primeira obra da série Pelas Ruas de Campo Grande, conta a história e paisagens da primeira rua da cidade, a Rua 26 de Agosto. Já no livro ‘A Rua Barão’, os relatos são da Rua Barão do Rio Branco.

‘A Rua Principal’, narra o movimento na Rua 14 de Julho, enquanto ‘A Rua Alegre’, conta o comércio e vida noturna na Rua 7 de Setembro. E ‘A Grande Avenida’ traz memórias da avenida Afonso Pena, hoje uma das principais da Capital.

A Rua Velha

“A atual 26 de Agosto foi a primeira rua de nossa cidade. No início não tinha nome, era a única existente. Quando surgiram mais algumas, ela passou a chamar-se Rua Velha, até que recebeu o nome de Afonso Pena, em homenagem ao presidente eleito em 1905 e falecido em 1909 […] Só mais tarde adotou a denominação que tem hoje, para lembrar a data em que o Arraial dos Pereira foi elevado à categoria de vila, em 1899. O nome Afonso Pena foi colocado na avenida principal, que se chamava Marechal Hermes”

Esse primeiro trecho do livro já nos dá uma breve introdução ao processo de nomeação da Rua 26 de Agosto, que esteve intimamente ligada à fundação de Campo Grande. Nela, formaram-se os primeiros ranchos, após a chegada da caravana mineira, na segunda viagem de José Antônio Pereira, em 1875.

“A Rua Velha conta o início da cidade. Com as primeiras casas, o entorno, o Mercado Municipal um pouco mais abaixo, cinemas, Igreja Santo Antônio, além de curiosidades reveladas pelas famílias por meio de lembranças, fotos e também depoimentos”, explica Marisa Machado.

Suas crônicas foram todas embasadas, além de suas próprias impressões, em relatos de moradores e fotografias cedidas pelos entrevistados. “O papai gravava as prosas e as fotos, ele fazia questão de pegar das famílias, mandava fazer cópias no estúdio, pagando do próprio bolso e devolvendo as originais às famílias. Hoje, parte desse arquivo está no Instituto Histórico e também no Memorial Paulo Coelho Machado”, conta Marisa.

Apreço por Campo Grande e sua população

Paulo Coelho Machado nasceu em São Paulo, no ano de 1917, mas veio ainda criança para Campo Grande, onde foi criado. Seu apreço pela cidade, fazia com que se considerasse campo-grandenses, não permitindo que falassem o contrário.

“O pessoal perguntava ‘ah o senhor nasceu aqui?’, ele falava que sim, que ele era daqui. Ele veio para cá muito pequenininho, embora ele tenha nascido em São Paulo, mas ele nunca admitiu isso”, conta Marisa.

O amor que sentia pela capital sul-mato-grossense e por sua população veio mais tarde se concretizar em obras que renderam uma das maiores contribuições para a região: um apanhado histórico do nascimento e desenvolvimento.

Paulo Coelho Machado Pelas Ruas de Campo Grande
Marisa Machado e seu falecido pai, Paulo Coelho Machado. (Reprodução, redes sociais)

“Meu avô está entre as pessoas que mais amaram Campo Grande. Ele deixou esse legado para a cidade de uma forma tão bacana. O mais legal de ver no trabalho dele é que conseguiu mostrar e deixar registrado para nós a importância das pessoas que nasceram e fizeram essa cidade, uma cidade tão jovem. Meu avô sempre falava isso. É uma cidade jovem em relação a outras, mas é uma cidade que foi pensada”, relembra Paulo Coelho Machado Neto, um dos netos.

Até o momento da sua morte, em 26 de junho de 1999, Paulo Machado se dedicou a ouvir as pessoas, aconselhar, ajudar e contar suas histórias. “Era um homem muito simples, humilde. E a gente ficou conhecendo um pouco mais ele depois de seu falecimento, de tantas pessoas que o procuravam, que se aconselhavam, que visitavam ele, que pediam ajuda e ele ajudava, sem a gente nem saber”, conta Marisa.

Uma pessoa multifacetada

Toda essa atenção e carinho que dedicava à população campo-grandense são admirados pelos membros da família. Questionada sobre as recordações de seu pai que vêm à tona, assim que ouve o seu nome, Marisa mencionou de imediato o seu senso de humor e paixão pelos seus trabalhos.

“O que me encantava nele era o senso de humor, a paixão por tudo que ele fazia. Ele não era um homem de dar muitos conselhos, nem de muitas palavras, mas o seu exemplo é o que procuramos seguir, sua integridade e lealdade aos seus princípios. Ele nos faz muita falta e tudo que perguntava, ele sabia. Eu brinco comparando o papai ao Google, onde nenhuma pergunta ficava sem resposta”, relembra. 

Paulo Machado Neto também pontua seu senso de humor. Esse, é marcado, inclusive, no livro ‘A Rua Alegre’, a sua preferida, entre todas as obras escritas por seu avô. O livro relata o movimento na Rua 7 de Setembro, que era onde se concentrava comércio da cidade e, também, a vida noturna.

“Nela existia um cabaré na Rua Alegre que chamava Fecha Nunca, e uma das prostitutas que trabalhavam lá chamava ‘Não me toque’. Então, era uns detalhes engraçados, que contavam os nomes, os costumes da época, as situações que regiam ali nos primórdios do séculos passado. E meu avô conta com certo senso de humor, com delicadeza também para falar das pessoas”, ressalta.

Além de autor, Paulo Coelho também é lembrado pelo neto por suas contribuições em outras áreas, como na advocacia, pecuária e pai de família. “Eu acho que o melhor título para ele é o de uma pessoa multifacetada. Autor, pecuarista, advogado, pai de família, empresário. Tudo isso que ele fez”, destaca.

Paulo Coelho Machado Neto. (Reprodução, redes sociais)

Amor pela família

Contudo, quando se trata das lembranças de Paulo Machado, na figura de avô, ele não mede palavras para demonstrar o orgulho que sente de ser o seu neto. Atencioso, o autor não poupava nos conselhos e orientações à cada um da família.

“Quando perguntam do meu avô, a primeira coisa que eu lembro dele é a atenção que ele tinha comigo. É realmente emocionante para mim falar disso, porque meu avô era uma pessoa que amava a família. Para todos os membros da família ele tinha uma atenção especial, embora ele fosse muito tímido, muito reservado. Mas ele adorava ficar com os netos, estimulava muito a gente à leitura”, relembra.

Seu ensinamentos e conselhos serviram até mesmo para que o neto se guiasse na profissão escolhida, a gastronomia. “Meu trabalho com a gastronomia tem tudo a ver com pesquisa, e esse embasamento que eu tenho hoje, eu devo à orientação do meu avô”, conta. 

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