Inclusão de arte Kadiwéu em livro de antropólogo famoso gera polêmica e mobiliza lideranças de MS

Aldeia Nalike ficava perto da atual aldeia Alves de Barros, na cidade de Porto Murtinho, interior de MS

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Lévi-Strauss e obra póstuma que será lançada com artes kadiwéu (Foto: Reprodução).

Em 1935 o antropólogo, filósofo e sociólogo francês Claude Lévi-Strauss esteve em Mato Grosso do Sul na aldeia Nalike, do povo Ejiwajegi Kadiwéu, e foi presenteado com vários desenhos feitos por mulheres dessa etnia. Agora, essas artes nunca divulgadas serão publicadas em um livro, sem ter existido diálogo prévio com o povo que detém esse conhecimento milenar.

A aldeia Nalike ficava perto da atual aldeia Alves de Barros, na cidade de Porto Murtinho, próxima à cidade de Bodoquena, distante cerca de 350 km de Campo Grande, capital de MS. 

Essas produções culturais kadiwéu ficaram guardadas no arquivo pessoal do antropólogo por décadas, até que, recentemente, foram descobertas.

Agora, as artes serão publicadas em um livro que conterá 30 desenhos “inéditos” dos Kadiwéu. Os desenhos nunca publicados virão a público em comemoração aos 50 anos da obra Tristes Trópicos, de Lévi-Strauss.

O novo livro

A obra está programada para ser lançada no dia 15 de novembro deste ano pela editora Seuil, e já está disponível para pré-venda na internet pelo valor de 21 euros, o que corresponde a cerca de R$ 130.

A sinopse relata que, durante uma estadia etnográfica em 1935-1936, Claude Lévi-Strauss ficou cativado pelas pinturas corporais dos índios Kadiwéu. “Ele vê isso como um ‘estilo’ que obedece a um ‘sistema’”, diz trecho da descrição da obra.

Décadas depois, Monique Lévi-Strauss, esposa do sociólogo, descobriu uma pasta contendo mais de 30 desenhos originais dados ao antropólogo por mulheres kadiwéu, ou Caduveo, como o livro traduz em linguagem ocidentalizada.

Quem se beneficia?

No entanto, a divulgação dos desenhos levanta questões acerca de quem serão os beneficiados pela comercialização da reprodução dessas artes.

Para reivindicar a importância do respeito à propriedade intelectual coletiva desse povo originário, os Ejiwajegi Kadiwéu organizaram uma mobilização encabeçada por lideranças indígenas, pesquisadores, antropólogos e outros representantes. Assim, o grupo redigiu uma carta aberta.

“O patrimônio cultural material e imaterial das mulheres Ejiwajegi Kadiwéu deve ser respeitado, como propriedade intelectual coletiva, sendo imperativa a devida autorização da comunidade para sua utilização”, diz trecho da carta.

Luta pela valorização

Representante das mulheres kadiwéu, Benilda Vergílio é mestranda em Antropologia Social na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e destaca que a reivindicação contida na carta é “fundamental, e reflete a luta contínua dos povos indígenas pela valorização e reconhecimento de suas culturas”.

“A propriedade intelectual de grafismos, desenhos e pinturas é uma extensão da identidade e memória coletiva dos Kadiwéu, e é vital que essa herança cultural seja respeitada e protegida”, pontua Benilda.

Moradora da aldeia Alves de Barros, militante e designer de moda, ela esclarece que “a consulta prévia é um direito garantido pela Constituição e deve ser respeitada em projetos que envolvem a cultura indígena, como é o caso da Convenção 169 da OIT.”

“É fundamental que a voz das comunidades indígenas, como a do meu povo Kadiwéu, seja ouvida e que as nossas histórias sejam contadas de maneira justa e autêntica”, completa Benilda.

“A mobilização de vozes externas em nome de comunidades indígenas pode, de fato, distorcer as narrativas e silenciar os protagonistas legítimos. A luta pela autonomia e pela representação justa é essencial para a valorização e preservação das culturas indígenas”, analisa a acadêmica.

A carta reforça esse princípio. Para esse povo, “tal reconhecimento é fundamental para reparar injustiças cometidas historicamente a esse povo, bem como promover a valorização e preservação da identidade e patrimônio ejiwajegi kadiwéu”, afirmam, ainda, os assinantes da carta.

Confira aqui a carta do povo Kadiwéu.

O texto destaca que “a arte indígena, quase sempre relegada à posição de ‘artesanato’, foi sequestrada historicamente por viajantes e pesquisadores como item exótico de ‘sociedades que estavam prestes a desaparecer’.”

Diante disso, o povo pede que haja diálogo. “Repudiamos qualquer publicação que se refira a nosso povo e aos nossos conhecimentos sem nossa autorização, e exigimos que possamos dialogar com os responsáveis pela organização do livro”, afirma a liderança na carta aberta. 

Sobre Lévi-Strauss

Claude Lévi-Strauss é considerado um dos maiores pensadores do século 20. Formado em Direito e Filosofia, morreu aos 100 anos em 2009. 

No início de sua carreira, foi convidado, em 1935, a lecionar na recém-criada USP (Universidade de São Paulo), através de uma missão universitária francesa.

Ao longo de sua vida fez diversas expedições pelo interior do Brasil para estudar comunidades indígenas, se tornando, assim, uma referência na etnologia, que é a ciência que estuda os fatos e documentos levantados pela etnografia.

Essas experiências e viagens foram registradas em uma de suas mais importantes obras, o livro Tristes Trópicos, de 1955.

Lévi-Strauss acreditava e defendia que a mente selvagem e tribal, como dos povos indígenas, é igual à mente ‘civilizada’, de pessoas que vivem no contexto ocidental.

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