Se o Dia do Saci é celebrado no mesmo dia que o Halloween, por que preferimos o que ‘não é nosso’?

Muitos não sabem, mas no Brasil, o ‘Dia do Saci’ é celebrado no dia 31 de outubro, mesmo dia em que é comemorado o Halloween. E a data comemorativa não é recente. Ela foi criada no começo dos anos 2000 por membros da ‘Sociedade dos Observadores do Saci’, um grupo composto por jornalistas, intelectuais e escritores que, durante a ditadura, fizeram um trabalho de comunicação e resistência. O que eles queriam, agora, era resgatar, valorizar e lutar a favor de outro aspecto do Brasil: a cultura popular tradicional.

Segundo o jornalista, consultor e pesquisador Andriolli de Brites da Costa, especialista em folclore, na virada do século XXI, o que estava muito presente nas discussões era o imperialismo cultural e como as formas da cultura estrangeira, muitas vezes, se impunham sobre as nossas.

“Não haveria problema nenhum em celebrar manifestações externas, se a gente também tivesse olhado para dentro e reconhecesse a potência da nossa cultura popular tradicional, o que muitas vezes não acontece”, explica o pesquisador.

Brasileiro e sua relação com o Halloween

O Dia das Bruxas é uma data que divide opiniões: algumas pessoas amam, enquanto outras fogem de tudo o que é relacionado à comemoração. E embora muitas pessoas não celebrem a data por crença ou religião, o fato é que, aqui no Brasil, a data é meramente comercial, que conquistou os brasileiros graças aos tantos produtos produzidos pela indústria cultural norte-americana, como séries, filmes e livros.

“A gente assiste, vê os personagens dos produtos que a gente gosta brincando de Halloween, a gente quer fazer igual, a gente quer monetizar essa experiência, faz parte, normal”, explica Andriolli.

E qual a relação entre ‘Dia do Saci’ e ‘Dia das Bruxas’?

Sim, o Dia das Bruxas já existia quando o Dia do Saci foi criado. E, se você está se perguntando o motivo de não terem escolhido outra data, aqui vai a resposta: a ideia da Sociedade dos Observadores do Saci era justamente ‘enfrentar’ a data estrangeira.

“A Sociedade nos convida a usar as suas ferramentas [do Saci], que são a esperteza, o humor, a ginga, o jeitinho. Então, a ideia não que seja uma imposição de ‘não, não celebra o Halloween’. A Sociedade vem [com o Dia do Saci] debochar desse evangelismo”, explica Andriolli.

O que muitos não sabem é que o Dia do Saci começou a ser propagado fazendo muitas referências sobre o Dia das Bruxas. O pesquisador explica que antes o Saci aparecia comendo uma abóbora, um dos itens mais caricatos do Halloween.

Eles queriam mostrar que “a gente não põe vela dentro não, a gente come, come com carne seca. Então, era uma piada, era uma provocação. E tendo essa provocação, você tem uma série de ações”.

E como se comemora o ‘Dia do Saci’?

Andriolli explica que, no Brasil, existem diferentes formas de celebrar a data e que não existe um jeito específico para isso.

“Tem comunidades, por exemplo, que fazem festas mesmo. Tem outras que vão fazer ‘saciatas’, seja uma ‘saciata’ que é uma passeata com carapuça de Saci e tal, pulando de pé só”, conta ele.

Ainda hoje, em algumas regiões é comum realizarem saciatas com bicicleta, para incentivar as crianças em um percurso de exploração urbana, brincando de ser Saci em busca de seres da mata.

Ou seja, o Dia do Saci não é censura ao Dia das Bruxas, mas sim, uma forma de lembrar que nossa “cultura é potente” e que faz muito bem vibrar nossas manifestações populares.

Dia das Bruxas brasileiro

Ok, apesar de todas as explicações, você ainda quer celebrar o Dia das Bruxas. E tudo bem! Mas, que tal comemorar de um jeitinho ‘bem brasileiro’?

Andriolli conta que em diversas regiões do Brasil acontecem manifestações no ‘Halloween’ que evidenciam aquilo que é nosso.

“Na cidade de Paraibuna, interior de São Paulo, já pelo terceiro ano consecutivo se realiza a procissão do ‘Corpo-Seco’. À meia-noite pessoas vão vestidas de entidades brasileiras, como loira do banheiro, lobisomem, caboclo d’água, enfim. Eles se vestem, para junto com uma grande alegoria de ‘Corpo-Seco’, que é monstro morto-vivo da nossa cultura popular caipira, vão fazendo essa procissão a luz de velas, cantando músicas e fantasiados brincando sempre até a mata do fundão onde haveria presenças de corpos secos”, explica o pesquisador.

“Então você tem todo esse clima também de terror, de brincadeira, de fantasia, mas com brasilidade”, finaliza.