No lugar de flor ao mar, devotos enviam peixe e usam água doce para louvar Iemanjá em MS
Líderes de casas religiosas de Campo Grande e Corumbá descrevem louvação à divindade
Cassia Modena –
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Para as religiões de matriz africana, Iemanjá ou Yemanjá – além de outras variações do nome – é a rainha do mar, que leva todo o mal para o fundo das águas e retorna com amor. O dia da divindade é louvado hoje (2). Em Campo Grande, praticantes celebram a data de uma forma um pouco diferente da mais popularmente conhecida.
A louvação à Iemanjá mais tradicional é aquela em que devotos lançam ao mar um barquinho branco e azul com flores. No caso de Mato Grosso do Sul, que não é estado litorâneo, os umbandistas da Casa de Oração Caboclo Pena Branca optam em ofertar um peixe de água salgada durante cerimônia e, dias depois, levá-lo às águas doces.
“Iremos assar um peixe do mar, que pode ser o enamorado ou salmão por serem encontrados facilmente em Campo Grande. Ofereceremos a Iemanjá no terreiro e depois de três dias levaremos à água doce, justamente por não termos água salgada em Campo Grande”, descreve a mãe de santo e presidente da Associação Casa de Oração Caboclo Pena Branca, Simone Medina.
O local fica no Bairro Jardim Leblon, em Campo Grande. A casa tem 31 filhos e pode ser considerada pequena, de acordo com Simone, tendo capacidade de atender de 10 a 15 consulentes por vez.
Homenagem à Iemanjá desde os anos 70
A Casa de Caridade Dona Tida, localizada no Bairro Jardim TV Morena, também em Campo Grande, se antecipou e homenageou a rainha do mar ontem (1º) junto à comunidade. Houve cerimônia com a oferenda ebô-ya, um prato preparado à base de milho e camarão. Rosas de cor branca e velas azuis, ao gosto da divindade, não faltaram.
A louvação é realizada na casa desde 1971, conta a mãe de santo Alexandra. Ela explica o que a data representa para os umbandistas. “Yemanjá é a grande mãe, responsável pelas porções de água no mundo. Sem Yemanjá não há vida. Além disso, Yemanjá é a responsável por nossas cabeças, e a ela pedimos cabeça saudável para as batalhar diárias”, fala.
Corumbá tem louvações no Rio Paraguai
O município tem a louvação mais tradicional do estado, com cerca de 60 casas catalogadas, segundo o presidente da Acorema (Associação Corumbaense das Religiões de Matriz Africana de Corumbá) e babalorixá Zazelakum, Clemilson Pereira Medina.
O Dia de Iemanjá é celebrado por lá em massa nos dias 30 e 31 de janeiro. Hoje, devotos membros de casas mais antigas participam da missa na Catedral Nossa Senhora da Candelária e, após, vão para beira do Rio Paraguai fazer suas entregas. Tanto corumbaenses quanto bolivianos passam a fronteira brasileira para participar. “Muitas pessoas vão para se santiguar, tomando passe com Pretos Velhos e Caboclos. Algumas casas não descem para o rio, mas mesmo assim fazem louvações dentro de seus terreiros”, complementa Clemilson.
A expectativa do presidente da Acorema é que a reforma da Catedral da Candelária termine logo e, no ano que vem, a devocional lavagem dos degraus volte a ser feita no Dia de Iemanjá. Por enquanto, o costume está suspenso.
Luta contra a intolerância religiosa
Simone Medina destaca a luta contra aqueles que discriminam as religiões de matriz africana na capital sul-mato-grossense. “Nós, umbandistas aqui, sofremos ataques e orientamos outras casas a se protegerem com a lei. É uma atitude errônea, falta de conhecimento da religião e não respeito às práticas e crenças”, afirma.
A busca pelo enfrentamento à intolerância vem desde a fundação da Casa Dona Tida e se fortalece na atualidade com a presença em outros espaços. “Hoje temos membros filiados aos movimentos negros como MNU e Cenarab, além de uma cadeira no Conselho Municipal do Direito do Negro. Em 2022, nosso sacerdote pai Juan esteve nas conferências municipais e estaduais de promoção da igualdade. Ocupar esses espaços é de extrema importância para a busca de uma sociedade mais tolerante e respeitosa”, finaliza.
No Brasil, intolerância religiosa é crime previsto em lei, de acordo com o Código Penal, Decreto-Lei número 2.848, “escarnecer de alguém publicamente por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato objeto de culto religioso”. Quem o comete pode pegar pena de detenção de um mês a um ano ou pagar multa.
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