Uma vivência entre artistas muralistas e a população da Aldeia Urbana Marçal de Souza, em Campo Grande (MS), vai imprimir a expressão étnica ancestral em dois murais de destaque. O projeto denominado de Kéxunakoa – que significa “fortalecer a tradição” – e contemplado pelo FMIC (Fundo Municipal de Investimentos Culturais), por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur), propõe uma integração durante 22 dias consecutivos. O resultado da revitalização será apresentado no dia 14 de abril, no Memorial da Cultura Indígena, e marca o mês dedicado a celebrar a herança e cultura dos povos originários do Brasil.
A restauração consiste na correlação dos elementos que representam a raiz terena e destaca a 1ª cacique mulher em MS, Enir Bezerra, símbolo da luta e força feminina entre todos da etnia. Os moradores participarão, ativamente, da produção dos painéis, bem como de vivências sobre a produção da arte urbana, ministrada pelos artistas Caio Mendes e Alice Hellmann. Ao todo serão quatro dias de oficina prática que antecedem o início das restaurações dos murais.
![](https://midiamax.uol.com.br/wp-content/uploads/2023/03/WhatsApp-Image-2023-03-22-at-13.36.30-1024x682.jpeg)
Paralelamente, outras duas oficinas compõem a programação. Encabeçadas pelas indígenas Fabriciane Malheiro e Benilda Vergilio, trata-se da confecção dos novos trajes típicos, bem como as aulas e ensaios das danças tradicionais. Por meio de técnicas de pintura e de costura, todos os adornos produzidos por essas jovens e mães terenas, farão parte de um acervo e, posteriormente, utilizados durante as apresentações. A reprodução das vestimentas e o resgate das danças dão continuidade à preservação das memórias e costumes das 240 famílias da Aldeia.
Os muralistas Alice Hellmann e Caio Mendes são artistas tarimbados na cena artística quando o assunto é muralismo e graffiti. São eles os responsáveis pela execução de ambas as restaurações, uma delas num dos muros mais imponentes e o cartão de visita junto ao Memorial da Cultura Indígena, considerado um dos pontos turísticos de Campo Grande.
![](https://midiamax.uol.com.br/wp-content/uploads/2023/03/WhatsApp-Image-2023-03-22-at-13.36.29-1-1024x682.jpeg)
Caio Mendes, 36 anos, é formado em produção multimídia e multiartista há 16 anos. Mais conhecido como Green, assinatura que está no rodapé de diversas obras espalhadas pela Capital e até do interior do Estado. Com a temática regional, ele vem refinando seu trabalho, e por meio da técnica do realismo faz do graffiti sua maior forma de expressão quando o questionamento é: como manter as raízes sul-mato-grossenses. “A questão indígena sempre fez parte da minha vida, tanto no sentido artístico quanto no social e humano”, diz.
Sobre a incorporação dos aspectos das culturas ancestrais em suas obras, Green conta que seu maior interesse sempre foi desvendar o modo de vida e a organização desses povos. “Isso me fascina e sempre esteve muito presente em tudo que procuro desenvolver”. Sobre a idealização do projeto, ele explica que a proposta é de um intercâmbio de culturas ao levar técnicas artísticas modernas ao encontro da linguagem indígena. “Queremos que essa troca seja um novo incentivo e inspire as novas gerações da aldeia. É dar continuidade ao conhecimento tradicional que precisa ser levado de geração em geração, ainda mais quando falamos de uma comunidade terena que está inserida no coração da Capital”, garante.
![](https://midiamax.uol.com.br/wp-content/uploads/2023/03/WhatsApp-Image-2023-03-22-at-13.36.29-5-683x1024.jpeg)
Já Alice Hellmann, 32 anos, que é formada em artes visuais, a arte, seja por meio da pintura e até da música, é o que move sua vida desde os sete anos de idade. “É lindo revitalizar e mais especial ainda por ser num local que abriga culturas originárias na cidade”, explana. Quanto ao tema e sua importância, ela é enfática: “apesar de toda toda dor e sofrimento desse povo, os terenas são políticos e organizados, vamos contribuir e ajudá-los a eternizar todo esse legado”.
Sobre as trocas de conhecimento e todas as vivências, ela explica que as ações destacam algo muito maior. “É sobre promover ensino técnico teórico e prático da pintura para que a comunidade possa espalhar cores e formas da sua cultura para o mundo, por meio de expressões de arte urbana como estêncil, letras, personagens, pintura sobre tecido e, assim, continuem dançando suas raízes”, conclui.
A mulher terena
Para a terena Fabriciane Malheiro, 39 anos, a iniciativa é uma forma de reavivar a memória ancestral por meio de costumes que precisam ser eternizados. “Serão semanas valiosas com muito aprendizado e trabalho. Envolver nossas crianças e jovens foi um dos desafios que encontramos, por isso, desenvolver práticas que sejam lúdicas e satisfatórias para ambos”, diz.
Fabriciane faz parte da comunidade há 23 anos. Aos 17 chegou sozinha e sem perspectivas, ainda carregando o filho bebê nos braços, com poucos dias de vida. Por muito tempo, o trabalho de doméstica e as inúmeras tentativas de concluir os estudos para ingressar em uma universidade, fizeram parte da sua rotina. Em 2010, por meio do Enem e do acesso ao sistema de cotas, ela foi aprovada no curso de Letras da UEMS, dando início ao seu sonho. Em 2014 formou-se, ainda assim, um novo desafio pela frente. “No ano seguinte ainda não trabalhei como professora, pois demorei a perceber que eu poderia ter outra profissão que não somente a de doméstica”, confessa.
![](https://midiamax.uol.com.br/wp-content/uploads/2023/03/WhatsApp-Image-2023-03-22-at-14.55.40-1024x682.jpeg)
E foi em 2016 que ela começou a desenvolver oficinas interculturais nas escolas municipais da Capital. “Neste período que comprovei o quanto as crianças se interessavam pela minha cultura e o que faltava era só mais incentivo”, conta. Hoje, além de ministrar aulas de língua portuguesa, também é responsável por disseminar as danças típicas entre as crianças e jovens da sua comunidade.
Programação
Dias 22, 23, 24 e 25 de março – Oficina de Arte Urbana com Alice Hellmann e Caio Mendes
29, 30 e 31/03 até 8 de abril – Restauração do mural
9, 10, 11, 12 e 13 de abril – Pintura do mural coletivo – Alice Hellmann/Caio Mendes e 20 jovens da comunidade
30 e 31/03 – 6 e 13 de abril – Oficina danças típicas
1 e 2 de abril – Oficina de pintura dos trajes de danças típicas
14 de abril – Evento de encerramento das atividades e apresentações da comunidade
O progresso das restaurações, bem como o andamento das oficinas, pode ser acompanhado em tempo real por meio das redes sociais do projeto: Acesse o perfil no instagram @projetokexunakoa