‘Escrevo para não morrer’: Diário de idosa em MS revela o contrário do que todos imaginam
Diário de uma Idosa sul-mato-grossense surpreende por ser o oposto do que parece. Relatos vão desde lembranças de amores vividos a questões eróticas
João Ramos –
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Ao se deparar com o termo “Diário de uma Idosa”, as referências pessoais da grande maioria podem levar à ideia de um caderno antigo, de brochura, manuscrito, até empoeirado, amarrado com um cordão de couro e trancado com um cadeado.
Mas, ao contrário desse estereótipo, a escritora e historiadora Joana Prado Medeiros, de 65 anos, escreve seu diário de forma a surpreender. Na realidade, o “Diário de uma Idosa” da professora é o oposto do que todos imaginam e tem justamente a intenção de quebrar o estigma induzido pelo nome.
Isso porque, para começar, o “Diário de uma Idosa” nem é diário, é semanal. A cada semana, Joana publica um texto com o título “Diário de uma Idosa” em suas redes sociais e também no Blog do Alex Fraga. Natural de Dourados, a historiadora vive em Mato Grosso do Sul, na mesma cidade em que nasceu, e é de lá que traça as linhas envolventes de suas histórias e sentimentos.
“O ‘Diário de uma Idosa’ surgiu por conta de uma necessidade. Eu ‘escrevo para não morrer’, esse é o lema. São crônicas para extravasar. O diário é composto de textos soltos, basicamente sobre alguma coisa da minha vida, algo que eu tenha vivido, esteja vivendo no presente, ou ainda uma reflexão do futuro. É o vivido, o revivido e o refletido”, explica ela ao Jornal Midiamax.
De amores não vividos a lembranças eróticas
100% online, o “Diário de uma Idosa” é escrito no computador. Professora de graduação à distância, Joana está mais do que acostumada a escrever em telas digitais e dispensa o velho papel e caneta. Questionada pela reportagem sobre algum possível rabisco manuscrito, ela buscou em seus arquivos e encontrou um pequeno caderno com anotações… de 2021, há 2 anos. E só.
Assim, trazendo relatos que passeiam pela infância, a adolescência, a vida adulta e a terceira idade, a historiadora não possui tabus. Ela toca em qualquer assunto, desde amores não vividos a lembranças eróticas. E todo texto é amarrado pela poesia.
“Acaba saindo de forma poética, lúdica. Eu acredito na força da narrativa, sabe. Um dia, do nada, uma lembrança sai e eu narro a ação. Quando você narra o vivido, há identificação do leitor. Escrevo jamais com juízos de valor, com temas livres e basicamente sobre sentimentos. São narrativas poéticas”, descreve.
Para Joana, o Diário é uma forma de extravasar. “E também como preservação da minha própria memória. Enquanto eu preservo a minha, como agente da história, eu também preservo a memória de alguém. De alguém que morou na roça, no cafezal. A minha poesia vem da lida do café. Fui cercada de erva-mate e café quando morei num sítio”, conta ela ao MidiaMAIS.
“Mas que idosa?”, “Cadê a idosa?”
Logo nas primeiras publicações e até hoje o Diário causa impacto porque Joana coloca na capa uma foto sua mais jovem. Essa estratégia confunde os leitores que passaram a questioná-la. Inclusive, já sugeriram que ela retire o termo “idosa” do título.
“Eu coloco exatamente Diário de uma Idosa e eu escolhi a palavra idosa. Quando comecei, um historiador já falecido falava pra mim ‘Joana, troca essa palavra. Não faz Diário de uma idosa’, mas eu não quis trocar. Porque eu queria exatamente desmistificar a palavra idosa e mostrar suas nuances”, explica.
A professora se incomoda com a conotação que o termo passou a ter na sociedade brasileira e luta justamente contra isso. “Idosa, na verdade, passou a ser uma palavra pesada e até pejorativa no nosso país. Uma palavra que cansa e que as pessoas querem evitar. Existe um estigma e eu quis colocar essa palavra justamente para ressignificar”, pontua.
“Daí eu faço um contraponto. Eu coloco ‘Diário de uma Idosa’ com uma foto minha jovem, nova ainda, cabelos pintados. No começo as pessoas criticavam, ‘mas idosa?’, ‘cadê a idosa?’, ‘que idosa que tá aí?’. Gente, tem que entender… “, comenta.
É por isso que Joana faz questão de escrever alguns textos que desmistificam a pessoa da terceira idade. “Eu escrevo que ouço música, ouço rock, muito rock. À noite, quando saio, fumo. Tem também questões eróticas, de amores vividos, amores futuros que eu quero ter. Quero mostrar que a mulher idosa é uma mulher viva, normal, que o mundo não acabou para ela”, reflete.
O nascimento do Diário de uma Idosa
Solteira, a historiadora tem um casal de filhos e é filha única, portanto, sem irmãos. De pais falecidos já há algum tempo, Joana teve cinco casamentos ao longo da vida, mas optou por ser, nas suas palavras, senhora do seu destino.
E foi há três anos, em 2020, que o Diário surgiu em sua vida, oriundo da solidão. “Ele nasce no período da pandemia porque eu ficava mateando a solidão, tomando mate sozinha. Eu ficava capinando lembranças. E a pandemia contribuiu para o nascimento, por conta da inexistência de outros contatos”, relembra.
Aos 63 anos, isolada por conta da crise sanitária do Coronavírus, sem receber amigos e familiares, Joana criou seu diário: a preservação de sua memória. “A escrita é terapêutica, a poesia salva. Ao escrever, eu fui me conhecendo. Fui revendo a mulher que fui. A medida que isso vai acontecendo, você vai chorando e se perdoando”, relata.
“A idosa está completamente viva, participa das coisas e, principalmente, sente tudo. Só que a abertura de novas vivências é muito estreita. Temos muito filtro, e não é medo não, é sabedoria mesmo. Quando eu comecei a escrever, comecei a me permitir. Transportar para o diário e assumir minha idade”, revela a professora.
Diário de uma Idosa fez Joana assumir os cabelos brancos e descobrir ‘invisibilidade’
Todavia, a força do “Diário de uma idosa” foi tamanha que, no decorrer desse período, Joana decidiu assumir seus cabelos brancos. Antes, ela tingia as madeixas com frequência e não deixava a cor natural do tempo aparecer em seus fios. “Pensei que fosse algo fácil. Eu sou sou uma pessoa resolvida, adoro as marcas do tempo, sou apaixonada pelas linhas de expressão. Eu sou apaixonada pela vida e pelo real da vida”, diz.
Contudo, a experiência, de início, não foi nada legal. “É horrível, uma sensação absurda. Uma mulher de 65 anos com cabelo branco passa despercebida. É como se o cabelo branco tivesse uma invisibilidade. Eu tomei um susto com o impacto que ele causa nas pessoas”, exclama.
“Eu uso muito uma roupa social, vintage, com um tênis all star. A minha marca é o all star, tenho vários modelos. É um impacto. Aí você é bonita. Agora, a senhora de cabelos brancos, chinelinho havaiana, caminhando pelas ruas, indo ao mercado… as pessoas passam na frente, pegam vaga, saem empurrando, há um abuso”, descobriu ela.
Um episódio recente, no entanto, ficou marcado para a historiadora. “Esses dias, fui numa repartição pública e uma mocinha com muito carinho olhou pra mim e falou assim: ‘a senhora sabe mexer em computador?’. Gente, eu fiquei chocada, não falei mais nada, quase disse que sou professora EAD em uma Universidade. Então é como se você fosse apartado”, lamenta.
Escritora desde sempre
Joana comenta que suas principais referências na escrita e na poesia são os renomados poetas como Cecília Meireles, Fernando Pessoa, Pablo Neruda… mas revela que a primeira de todas foi seu pai, Pedro Medeiros.
Falecido em 1992, Pedro escrevia poesias e transpassou o talento com as palavras para a filha. “Meu pai me falava poesia desde que eu tinha 5 anos”, conta ela, destacando que, por isso, é “escritora desde sempre”.
Para ilustrar seu “Diário de uma idosa” da melhor forma possível, a historiadora selecionou alguns textos que melhor representam a publicação e encaminhou à reportagem. Confira algumas edições, escolhidas a dedo por Joana Prado Medeiros, e entenda a essência do “Diário de uma idosa”, agente da memória, das descobertas, do perdão e do autoconhecimento da escritora.
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