Vivendo em Campo Grande, libanesas contam ‘receita de coragem’ para criar e educar filhos em uma nova cultura
Três histórias de mães libanesas e seus costumes na educação dos filhos
Maria Eduarda Fernandes, Nathália Rabelo –
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Existe modelo de ser mãe? Com tantas culturas diferentes, nos quatro cantos do mundo, uma resposta negativa é mais que óbvia. Curioso, no entanto, é que Campo Grande comporta várias delas.
Celeiro de imigrações sírio-libanesas, a capital sul-mato-grossense ainda guarda muito da tradição vinda dos países de cultura árabe. Nessas famílias imigrantes, por mais que a assimilação da cultura ocidental aconteça, muitas diferenças (e, também, semelhanças) culturais permanecem intocadas e, inclusive, ficam evidenciadas na tradição materna.
Para mães de origem libanesa que vivem na cidade, por exemplo, uma característica da maternidade é compartilhada em todas as culturas: a coragem. Lidar com o “ser mãe” acompanhada dos seus turbilhões de emoções requer, no mínimo, uma série de enfrentamentos.
Mas, imagina seguir com esse papel durante conflitos em seu país de origem e precisar migrar ou imergir numa nova cultura para seguir em frente? Por isso, não falta coragem nas histórias de Dalal El Afandi, de 53 anos; Nahia Saad, de 82 anos; e de Rana Khoury, de 49 anos. As três concederam depoimentos ao Jornal Midiamax, na ocasião do Dia das Mães, celebrado neste domingo (8).
Sonho de uma vida melhor
Na época, com os conflitos no Líbano aumentando, Dalal revelou ao MidiaMAIS que, apesar de nova, tomou a decisão de vir ao Brasil com esperança de conseguir estruturar sua família.
Casada desde os 16 anos, ela veio pela primeira vez ao país no ano seguinte, com 17. Com 18, teve seu filho mais velho. Cerca de um ano e meio depois, veio o segundo — ambos são nascidos no Brasil. Ela acabou retornando ao país de origem e, com apenas R$ 600 no bolso, ela retornou ao Brasil pela segunda vez, em 2006.
Dalal conta as maiores dificuldades que encontrou no país quando chegou e precisou educar os dois filhos em solo estrangeiro. Ela explica que criar os filhos no Líbano é mais fácil, pois, além de ser seu país natal, as cidades são pequenas. “Você consegue controlar/cuidar onde eles estão”, disse ela.
Como foi mãe muito nova, e também mãe solo, a libanesa explicou que, apesar de tentar seguir a criação que recebeu de sua mãe, ela e seus filhos são muito apegados um aos outros. “Nos criamos juntos, eles eram meus brinquedos na casa”, conta.
Casados e morando em São Paulo, os filhos de Dalal cultivaram o apego à mãe e a consultam para tudo. “Todo dia eu posso achar uma [mulher], mas minha mãe é única”, diz o mais velho.
Sozinha, com pouco dinheiro e 2 filhos para sustentar, Dalal disse que, após alguns anos, conheceu seu marido na mesquita, e passou a vender “pão folha”, uma receita de sua mãe. Foi o que conseguiu sustentar sua família por cerca de 12 anos. A reportagem do MidiaMAIS teve a honra de assistir ao preparo do Sayadiya com Fatuch antes dela ir à Mesquita.
“Qualquer mulher no mundo, não só a libanesa, tem que ter fé e tem que estar forte. A mulher pode, ela consegue! Se ela quer, ela consegue. Quando cheguei no Brasil eu não tinha rumo, não sabia para onde ir, saí de lá [Líbano] com R$ 600 e dois filhos. Por isso precisei ser forte para enfrentar os obstáculos (…)”, conta.
“Minha luta foi criar filhos”
Já Nahia veio para o Brasil com toda sua família quando tinha 12 anos, e foi morar na cidade de Lupionópolis no interior do Paraná. Hoje aposentada, ela contou ao MidiaMAIS que seu pai percebeu que estava prestes a acontecer uma guerra e, por isso, sua família veio para o Brasil.
Chegando na cidade, mesmo sem saber falar português, Nahia conseguiu se destacar na escola. Depois de uns anos em Lupionópolis, ela conheceu seu marido e veio para Campo Grande — onde ele já tinha família — dizendo que não queria mais continuar na cidade que estava. Foi quando começou a trabalhar no comércio da família e engravidou.
Para ela, a maior dificuldade foi criar os quatro filhos. “Você tem que dar tudo que o filho precisa, mesmo quando você não pode. Você precisa fazer um esforço. Além disso, você tem que encaminhar na vida”, disse. E não foi fácil conciliar a rotina de mãe de 4 crianças, com a rotina de esposa e trabalhadora. Quando sua sogra faleceu, a aposentada conta que pediu ao marido para estudar.
“Sempre quis estudar, minha sogra ficou doente, meu esposo também tinha um problema de saúde e eu ficava na loja, cuidando. Eu ficava na loja, fazia almoço, cuidava dos filhos, batia nos filhos, voltava (…). Quando minha sogra faleceu, meu esposo vendeu a loja, e eu pedi para meu marido para estudar”. Com o assunto decidido entre o casal, Nahia se dedicou também aos estudos e disse que raramente via o esposo em casa, pois estava sempre estudando.
Assim, uma coisa levou a outra e Nahia tornou-se professora. “Eu mal falava português”, diz Nahia, que chegou a lecionar 5 matérias, passou em concurso e até morou em outra cidade a trabalho. Ela também foi presidente da Confederação Nacional das Entidades Líbano-Brasileiras e, antes de se aposentar, fazia parte do Sindicato Nacional. Vale lembrar que ela fez tudo isso sendo mãe de 4 filhos.
De braços abertos, Nahia recebeu a reportagem e explicou que esse é um costume entre as mães libanesas. “Mães libanesas são muito receptivas e extremamente carinhosas. É difícil você ir à casa de uma mãe libanesa e ela não ser assim”.
Carinhosa e extremamente apegada aos filhos, Nahia comparou as mães libanesas com uma galinha e seus pintinhos. “Mães libanesas são como galinha-choca. Meus filhos moram em Campo Grande, não deixei ninguém sair de perto. A mãe libanesa é muito ciumenta com os filhos e tem dois corações, pois é muito preocupada, muito amorosa, ama reunir a família. Somos muito unidos, tudo que você faz em casa é pensando na família, principalmente nos filhos”.
Desde criança
A terceira entrevistada da reportagem, Rana Khoury, falou ao MidiaMAIS que veio para o Brasil ainda criança, com 5 anos. A mudança de país deu-se pelas dificuldades que apareceram no início da Guerra Civil e, pensando na segurança e bem-estar da família, seus pais resolveram sair do Líbano e vir para o Brasil, onde já tinham alguns parentes.
Por aqui, Rana e sua família foram morar em Miracatu, no interior de São Paulo, e só após 2 anos, vieram para Campo Grande. Segundo ela, a adaptação foi mais difícil para seus pais. Como ela e sua irmã eram novas, não sentiram muito.
“As mães libanesas são mãezonas, mesmo. São extremamente presentes e cuidadosas, às vezes, podemos até passar dos limites, com excesso de cuidado e proteção. Não é fácil controlar esse sentimento de cuidar, principalmente saber se os filhos estão bem alimentados, já que uma das características da maioria dos libaneses é comer bem e gostar de reunir a família em volta da mesa. Aliás, fazer dieta sendo de família libanesa é uma missão quase impossível”, diz.
A criação de Rana no Líbano foi breve, porém “cheia de amor”, como descreveu. Logo, a empresária disse que procurou criar suas filhas da mesma forma, apesar das diferenças.
“Procurei criar minhas filhas juntando os ensinamentos da minha mãe e adaptando-os à cultura do Brasil. Não foi difícil, já que tanto lá quanto aqui a receptividade, amizade e carinho das pessoas são características fortes dos dois povos”.
Casada com um brasileiro com descendência italiana e hispânica, o casal criou as filhas baseado na união da família. Apesar da correria do dia a dia, Rana disse que sempre que podem fazem programas como almoçar e jantar juntos.
“Minha mãe sempre foi e é até hoje é preocupada com nosso bem-estar. Temos o hábito de nos falar diariamente. Ela liga pra mim e pra minha irmã todos os dias pra saber como estamos etc. Acho que posso dizer que a mãe libanesa sempre verá seus filhos como crianças que necessitam de cuidados. É tanto amor que não cabe no coração, transborda”, conta uma das filhas de Rana.
(Com supervisão de Nathália Rabelo)
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