Sem WhatsApp e Instagram: jovens de Campo Grande se desafiam em penitências de quaresma

Sacrifícios de quaresma vão além de cortar doces, carnes, álcool e penitência chega às redes sociais, mas há quem pense mais em autorreflexão do que autopunição

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
Para o Papa Francisco
Para o Papa Francisco

Começou: a quaresma de 2022 teve início nesta quarta-feira de cinzas, dia 2 de março, e se estende até o dia 14 de abril. O período marca a prática penitencial da Igreja Católica, um tempo em que os fieis são chamados à conversão e se preparam, de coração purificado, para celebrar o Mistério Pascal, que tem seu centro na Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.

São quarenta dias em que religiosos decidem, por conta própria, realizar penitências e sacrifícios como forma de oração e boa disposição diante de Deus. Segundo a Igreja, é uma prática de autodisciplina que exercita a vontade e o esforço de cada um, ressaltando uma renúncia em favor do próximo, compartilhando com os necessitados tanto a condição de fome quanto a comida.

O período é marcado pela renúncia aos vícios, ou pela tentativa de superá-los. É comum buscar se abster de algo muito custoso, como alimentos que o “sangue” pede, ou de vícios gerais como cigarros, bebidas, games… o que conscientemente o ser humano sabe que lhe faz mal. Chega a quaresma e fieis oferecem a Deus um “sacrifício” para provar sua fé, seu amor e o merecimento da benevolência divina.

Zap zap

Com a era digital, os vícios se estenderam às redes sociais, quando os limites da comunicação virtual são extrapolados e celulares e computadores acabam sendo usados em excesso por pura compulsão. Estudante do terceiro ano do ensino médio, Moisés Silva, de 17 anos, é católico desde sempre e faz penitências desde os 12 anos de idade.

“É uma forma de eu admitir pra mim mesmo que sou pecador. Eu reconheço isso pra mim, pra Deus, e me aplico essa penitência nesse período especial, até a Páscoa”, diz ele. “Este ano decidi tirar o WhatsApp. Vai ser difícil, principalmente porque eu namoro e a gente conversa muito por lá, mas eu sei que é o que me vai fazer falta e ser bastante complicado ficar sem”, afirma.

O jovem é de família católica e se inspira na dedicação que vê no empenho dos familiares em praticar penitências na quaresma. “Acho que assim a gente expressa a nossa fé, pode parecer pequeno ficar sem WhatsApp, mas o impacto que isso tem na sociedade que a gente vive é muito grande, você fica incomunicável quase e ainda é criticado por isso”, comenta.

“Mas eu acredito que não pode ser feito de uma forma vazia, só pra provar pra Deus alguma coisa. É um desafio pra mim, uma espécie de consciência própria, às vezes em busca de perdão, às vezes pra receber uma graça, ou às vezes só por respeito ou por fé mesmo, como minhas tias e avós”, pontua o jovem, acrescentando que a namorada, de 18 anos, não vai fazer nenhuma penitência, não é católica, mas respeita sua decisão.

“Olhando a vida dos outros”

A situação dele é um pouco parecida com a de Mariane Rodrigues, de 21 anos. Ela decidiu abrir mão de seu Instagram. “Eu nem posto nada, mas é aquilo, você fica preso no celular o dia inteiro olhando a vida dos outros, os outros viverem, e acaba não vivendo ou achando que tem que viver igual. E não é assim”, reflete.

“Sei que esse ano tirar o Instagram vai ser algo bastante sacrificante e por isso decidi ir por aí. Ano passado eu cortei chocolate, porque sou viciada, amo. Então esse ano optei por me desafiar a ficar sem a rede social que eu passo mais tempo e que eu sei que vai fazer falta”, declara Mariana.

“Não precisa”

Na contramão de Mariane e Moisés, Daniela Moura, de 20 anos, cursa psicologia, também é católica desde sempre, mas não cumpre penitências e não faz nenhum sacrifício na quaresma. “Acho isso ultrapassado e, pra mim, o que vale é o que está no coração de cada pessoa. Não adianta eu ficar sem refrigerante, sem comer doce e etc, passar 40 dias assim, apenas pra cumprir uma regra e continuar fazendo o mal, ou faltando com empatia”, pensa.

“Acho que o melhor e maior ‘sacrifício’ é a autorreflexão, é olhar pra dentro e ver o que você precisa desenvolver. Eu tô pouco empática? Então vou aproveitar a quaresma e buscar desenvolver a empatia ao máximo nesses 40 dias. Me falta amor ao próximo? Não faço caridade? Então são exemplos de situações para aproveitarmos melhor esse período de ‘penitência’, que eu prefiro chamar de autoavaliação”, acredita a estudante.

Por fim ela conclui dizendo: “Não precisa se punir, se sacrificar. Deus não está nem aí se você parou de comer doce ou não, ele não liga para o quanto é difícil pra você parar de beber, ele só quer te ver se desenvolvendo e se desafiando a ser uma pessoa melhor. Pra mim ele só quer ver a sua busca por isso, é menos sobre nós e o nosso íntimo e mais sobre nós com a sociedade, com as pessoas, com o outro, o próximo”, finaliza.

Papa Francisco

Conforme a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a mensagem do Papa Francisco sobre a quaresma deste ano reflete sobre a exortação de São Paulo aos Gálatas e lembra um pouco a declaração de Daniela: “Não nos cansemos de fazer o bem; porque, a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos”(Gal 6, 9-10a), diz o Santo Padre.

Ainda sobre a quaresma de 2022, a mais alta autoridade da Igreja Católica convida: “Não nos cansemos de extirpar o mal da nossa vida. Possa o jejum corporal, a que nos chama a Quaresma, fortalecer o nosso espírito para o combate contra o pecado. Não nos cansemos de pedir perdão no sacramento da Penitência e Reconciliação, sabendo que Deus nunca Se cansa de perdoar”.

“Através duma operosa caridade para com o próximo. Durante esta Quaresma, exercitemo-nos na prática da esmola, dando com alegria. A Quaresma é tempo propício para procurar, e não evitar, quem passa necessidade; para chamar, e não ignorar, quem deseja atenção e uma boa palavra; para visitar, e não abandonar, quem sofre a solidão”, declarou Francisco.

Conteúdos relacionados

idosos 110 anos campo grande