Pompílio, Barbosa e Josetti: veja a história dos ‘anônimos’ folclóricos que vagavam pelas ruas de Campo Grande
Conheça a história de Pompílio, Barbosa e Josetti, que ficaram marcados no imaginário campo-grandense.
Nathália Rabelo –
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Campo Grande tem histórias que apenas aqueles que conheceram elas de perto são capazes de contar. Em um relato emocionante nas redes sociais, o jornalista e historiador Edson Alkontar recordou sobre as figuras lendárias, consideradas folclóricas, que vagavam pelas ruas da Capital há muitos anos. Com trejeitos e rumos de vida completamente diferentes, os personagens Pompílio, Barbosa e Josetti marcaram a história da Capital e são relembrados até hoje. Apesar de terem traçados caminhos opostos, os três homens tiveram o mesmo destino: todos se tornaram moradores de rua.
“Tipos diferentes conhecemos. Durante nossa infância e mocidade. Figuras que jamais esqueceremos. Viveram pelas ruas da Cidade…passaram e deixaram sua imagem. Eram de paz e paz pregaram nesta terra. O seu viver, o seu saber, eram mensagens”. Assim começa o samba-enredo escrito em 1981 por Alkontar para a GRE Igrejinha em homenagens aos três homens que tanto marcaram a vida da antiga geração.
“Onde anda o Pompílio? Pretinho de bom coração…Que saudades do Josetti, dos anéis por toda a mão…E do Barbosa, que figura tão brilhante, que andava em busca de um lindo diamante…”, continua o enredo.
No relato publicado por Alkontar nas suas redes sociais, o jornalista faz uma detalhada narrativa de como essas três figuras ficaram marcadas na sua trajetória. Pensando nisso, o MidiaMAIS decidiu apresentar às novas gerações mais detalhes sobre Pompílio, Barbosa e Josetti, três pessoas folclóricas que marcaram a história da cidade.
Pompílio
Conforme Alkontar, Pompílio era um afrodescendente de pequena estatura, vestia roupas muito maiores do que manequim original e sempre estava trajado de calça larga e paletó comprimido que alcançava os joelhos. A figura nada usual era conhecida na Rua 14 de Julho, por onde Pompílio passeava desde o amanhecer.
“Andando tranquilamente entre a multidão, sem pedir esmolas, nem incomodar as pessoas, deixava uma latinha no chão e ali recolhia as moedas que os amigos depositavam…Seu simples olhar já lhe trazia uns trocados que ele imediatamente investia em doses de “chica bôa”, no bar mais próximo”, recorda o jornalista.
Dos três personagens, era o único que tinha família. Pompílio também andava com o apoio de uma vassoura para conseguir se estabilizar da tonteira ocasionada pelo álcool.
“Embora a petizada fizesse sua farra com o Pompílio, ele jamais ameaçou usar sua bengala para reagir…seguia calmo e tranquilo seu caminho de volta à casa. Um dia, numa época de repressão aos mendigos de rua, não se sabe a mando de quem, levaram Pompílio para “tratamento” em Cuiabá…Ao que se sabe, nunca chegou ao destino“.
Alkontar ainda revela que é o destino de Pompílio nunca teve desfecho, mas há muitos anos busca por respostas. Algumas lendas urbanas de Campo Grande também apontavam que Pompílio teria fugido da equipe que o levaria à força para Cuiabá, mas teria morrido na tentativa de retornar a Campo Grande. O destino do afrodescendente é incerto, mas de uma coisa todos têm certeza: ele marcou a história da Capital.
Barbosa
Enquanto isso, o Barbosa — como era conhecido — também era afrodescendente e trabalhou como garimpeiro na região de Corguinho. Segundo Alkontar, sua história de vida envolveu amor e decepção.
“Contava meu velho pai, que conhecera Barbosa dos tempos que vinha a cidade e trocava seus xibius (pequenos diamantes) por mercadorias na Casa Mineira e na Casa Calarge, da qual meu pai foi sócio e gerente. Permanecia pouco tempo na cidade e retornava à sua lida na busca do brilho das pedras, onde vivia em companhia de uma linda mulher branca de nome Alzira”.
Tudo parecia bem até que, em certo dia, Barbosa teria encontrado uma bela peça de diamante jamais vista em suas mãos, com forma, brilho e qualidade ímpar. Diz a história que Barbosa teria voltado ao rancho, informado Alzira sobre o achado do tesouro e escondido em um lugar seguro.
“Acontece que Alzira já andava de namorico com o chefe da guarnição policial do distrito, e contou a ele a história, convencendo o policial a largar o oficio e juntos fugirem para longe, recomeçando a vida em meio a luxos e folguedos que Barbosa não concebia em sua simplicidade e inocência de homem humilde e caseiro”, revela Edson.
Barbosa só descobriu a traição ao retornar para o rancho, numa noite fria e chuvosa. Em casa, ele não encontrou seus xibius, nem Alzira e muito menos a valiosa pedra que lhe daria tranquilidade por toda a vida. Depois disso, Barbosa teria enlouquecido totalmente.
“Como um louco, ou já enlouquecido, corria pelo garimpo e pela corrutela procurando Alzira e seus diamantes…Ela já estaria longe, gozando, pela primeira vez, a aventura de viajar pelos trilhos da noroeste em direção a lugares que ninguém nunca mais soube. Barbosa veio para Campo Grande, talvez na esperança de encontrá-la, mas nunca mais viu Alzira e suas pedras”.
A partir disso, a vida do homem se resumiria em vagar pelas ruas de Campo Grande enrolado em um cobertor, descalço, em trapos e à deriva do acaso. Buscava pedras preciosas em meio às sarjetas, mas nunca obteve sucesso. Barbosa vivia passeando na rua 14 de Julho, seu local favorito da cidade, dormia em baixo das marquises e raramente aceitava esmolas. Conforme o relato, era sempre muito simpático e educado com os moradores que passavam por ele.
“Durou até o início dos anos oitenta, já com noventa anos de trabalho e sofrimento…Ironicamente, ele que já morava no Asilo, para onde fora levado por pessoas da cidade, morreu na noite em que a escola de samba Igrejinha cantava na avenida o samba que falava de sua desdita…Coisa que só Deus saberia explicar. Talvez, lá do céu, Barbosa tenha assistido a escola de samba comemorar a vitória naquele ano, sendo ele um dos personagens principais”, informa Edson Alkontar.
Josetti
Josetti é descrito como alguém muito especial e já teve a sua história contada no livro ‘Camalotes e Guavirais’, de Ulisses Serra.
“Josetti era um vaganau diferente. De família ilustre, tinha candura e mansuetude”, diz o primeiro verso de sua rica crônica. Segundo o relato, antes da vinda a Campo Grande, Josetti teria sido um importante guarda-livros no porto de Santos (SP) e membro de família ilustre. Um moço elegante e de requintado costume. Mas, pelo visto, Josetti também teria perdido a cabeça e o juízo devido ao amor a uma mulher.
“O que se tem certeza é do homem que por aqui apareceu, vagando pelas ruas, vestido em rotos ternos, gravata, e seu indefectível chapéu, como era o costume na época, chamando atenção pelos dez ou doze anéis que usava nas mãos, todos de latão e pechisbeque, como cita Ulisses”, revela Alkontar.
Verdadeiro ‘gentleman’, conversava com todo mundo, inclusive com grandes fazendeiros, e sempre se mostrava à par de qualquer assunto e conhecimento. Dizem também que Josetti teria passo por Corumbá, mas a teoria nunca foi confirmada.
“Vez por outra, os boêmios da cidade faziam com que vestisse ternos limpos e ele aparecia renovado em seus passeios pela velha 14 de julho, sempre imponente, generoso e atento aos que lhe cediam participar das conversas comuns nas portas das lojas…Nada pedia… Recebia de bom grado o convite para aceitar um prato de comida, como se convidado fosse para uma festa”.
Anos depois da sua vida pelas ruas de Campo Grande, Josetti faleceu numa noite fria de junho, sob o vão da escadaria do edifício Korndorfer. Na época, amigos o vestiram elegantemente, adquiriram o caixão, providenciaram um cantinho no cemitério Santo Antônio e até rezaram missa de 7º dia ao misterioso homem.
“Como eu disse no samba, Pompílio, Barbosa e Josetti ‘não disseram adeus’…continuarão vivos pelos livros e na saudade dos que os conheceram. Que tenham encontrado a paz, com Deus!”, conclui Edson Alkontar.
Pompílio, Barbosa e Josetti na memória do campo-grandense
Apesar de muitos anos terem se passado desde a morte de Pompílio, Barbosa e Josetti, as figuras folclóricas, que por muito tempo viveram no anonimato, ainda hoje são lembradas. Na publicação de Alkontar, vários moradores relataram suas experiências com os lendários moradores de rua.
“Três figuras tão diferentes que se tornaram merecidamente inspiração para um belíssimo poema!“;
“Quando criança, eu morria de medo do Pompilio. Às vezes ele chegava em nossa casa (Rua dos Barbosas), nem pedia, mas meus pais serviam alguma comida“;
“Figuras folclóricas que marcaram as ruas de nossa Cidade. Em paz passaram e deixaram recados em silêncio“;
“Colosso…excelente narrativa, eu que conheci os três personagens foi como se eu voltasse ao meu tempo de juventude na nossa querida Cidade Morena“;
“Eu me lembro muito bem deles, principalmente do Barbosa de vez em quando meu pai levava ele em casa para almoçar”, escreveram os internautas e admiradores de Pompílio, Barbosa e Josetti.
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