‘Minha paixão é isso aqui’: Aos 75 anos, Fátima não quer parar de dirigir coletivos em Campo Grande
Fátima aprendeu a dirigir sozinha aos 10 anos de idade, já foi caminhoneira e sempre teve o sonho de ser motorista de ônibus coletivo
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Garra, resistência, força, vontade e amor são cinco palavras que podem resumir Fátima Aparecida Nascimento. Aos 75 anos, a senhora é uma lenda vivíssima nos terminais de ônibus de Campo Grande. Ela é motorista de transporte coletivo há mais de 20 anos e, mesmo depois de ter aposentado, continua se dedicando à profissão que é o grande amor de sua vida.
Ao Jornal Midiamax, Fátima conta que sempre teve o sonho de ser motorista de ônibus circular e, depois de ter sido caminhoneira por um período e instrutora de autoescola por outro, conseguiu alcançar esse objetivo quando passou dos 50. Já com bastante experiência de vida, iniciou na profissão dos sonhos com toda gratidão do mundo. Movida por esse sentimento, permanece atuante nas ruas de Campo Grande quase chegando à casa dos 80.
“Eu tinha uma paixão muito grande de ser motorista de coletivo. Por intermédio de um amigo, conversei com a empresa, fiz o teste e passei. E estou aí até hoje. A minha paixão é isso aqui”, diz ela, no Terminal Moreninhas, seu ponto de trabalho atualmente. “Toda vida achei bonito, falei ‘um dia vou ser motorista de coletivo’ e graças a Deus consegui. O dono da Viação Morena e meu amigo Nilson me deram a maior força”, lembra, com carinho.
Fátima é natural de Presidente Prudente, em São Paulo. Ela aprendeu a dirigir aos 10 anos de idade, quando era babá, e observava o pai dos pequenos manobrar o veículo enquanto segurava o filho dele. Certo dia, o patrão perguntou: “Fátima, você sabe dirigir?”. Ela disse: “Eu sei”. E mostrou que sabia mesmo, aprendeu só de olhar. A partir de então, o chefe deixou a menina ainda tão nova guardar e retirar o carro da garagem todos os dias. Dessa forma, nasceu o encanto pela direção.
Por volta dos 24 anos de idade, já com o sonho de conduzir um busão, a paulista conseguiu trabalho de motorista de caminhão e ia com frequência para o Paraná transportando refrescos. Depois disso, surgiu a oportunidade de trabalhar como instrutora de autoescola em Mato Grosso do Sul, profissão na qual permaneceu atuante até os 50 anos. “Trabalhava ensinando a dirigir carro pequeno, caminhão e micro-ônibus, dava aula nas três categorias”, comenta.
“Hoje eu me considero mais sul-mato-grossense do que paulista. Sou muito grata e feliz”, declara a senhora.
Vida pessoal
Mãe de dois filhos, Fátima os considera “uma bênção de Deus”, assim como o único neto, de 15 anos. “Eles sempre têm a ideia de que eu devo parar, mas eu não sei ficar parada, eu sou apaixonada pela minha profissão. Se eu ficar parada eu fico doente. Eu quero trabalhar. Meu filho Diego fala ‘Mãe, para’, mas não tem jeito”, relata a motorista.
“Nunca casei na minha vida, é uma vivência. Toda vida fui independente, não dependi de ninguém e não dependo dos filhos pra nada. Eu já sou aposentada, mas o nosso pagamento é muito pouco, se você não tiver uma renda pra ajudar é difícil. Então a gente está na luta”, diz ela.
Atualmente responsável pela linha “Moreninhas 3 e 4”, a motorista precisou ficar 1 ano e três meses afastada do trabalho. Por conta da Covid-19, ela foi dispensada em 2020, mas a empresa prometeu que assim que fosse possível, ela retornaria. Devidamente imunizada, Fátima voltou a trabalhar em outubro de 2021, feliz da vida. “Graças a Deus já fui vacinada com as duas doses mais o reforço. Cheguei e falei ‘tô imunizada, tenho chance?’ e me responderam ‘tem, sua vaga tá aí’.”
Ser motorista mulher em Campo Grande não é exclusividade dela. Há muitas mulheres no ramo, mas Fátima é simplesmente a mais velha e alega não ter conhecimento de nenhuma colega com a mesma idade ou de idade próxima. Com tanto tempo de profissão, convivendo diariamente nos terminais Guaicurus, Aero Rancho e Moreninhas, onde a viação em que trabalha opera o serviço, a motorista se tornou conhecida e querida por todos.
“Muita gente da época da primeira linha que eu fiz, hoje me encontra e abraça: ‘que bom que você voltou, que bom que você tá aqui com a gente’. Isso pra nós é muito gratificante. Todo mundo aqui gosta de mim, eu gosto de todo mundo, trato todo mundo bem. Os idosos, principalmente, que requerem cuidado ainda mais zeloso”, afirma.
Respeito
Em mais de 20 anos dirigindo linhas de transporte coletivo em Campo Grande, a senhora conta que nunca sofreu com a falta de respeito de ninguém. “Nunca tive problema, todos os meus colegas me tratam muito bem. Isso pra mim é uma vitória muito grande. Só o pessoal do Guaicurus e do Aero Rancho que ficam falando ‘quando é que você volta?’ Calma… tudo tem seu tempo”, brinca.
No entanto, logo que iniciou a carreira como motorista nos terminais, os motoristas homens faziam piadas e mexiam com ela, dizendo que “lugar de mulher é no fogão”. Era duro aguentar as indiretas e provocações que ouvia com frequência, até que um dia, respondeu na lata: “lugar de mulher é em qualquer lugar”. Depois disso, ninguém nunca mais se atreveu a falar nada do tipo.
“Hoje, pode perguntar pra qualquer um, todos dizem ‘essa mulher dirige melhor que qualquer um aqui, melhor que qualquer homem’. Pode perguntar, não sou eu que falo, são as pessoas”, se orgulha. Ao final da entrevista ao MidiaMAIS, dona Fátima ressaltou o amor à sua profissão. “Eu acho que todos, se tivessem amor, seriam profissionais mais felizes, porque o que importa é isso, é ter amor pelo que se faz”, finaliza a motorista.
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