#CG123: Cartão-postal, arte urbana colore muros e reflete identidade cultural de Campo Grande

Arte urbana abraça a cidade, enfeita a paisagem, promove reflexões e ainda oportuniza democratização do acesso à arte

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Grafite é arte urbana em Campo Grande
Grafite uma das expressões que representa arte urbana em Campo Grande (Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)

As cidades são formadas por conglomerados de pessoas, lugares, prédios, casas, comércios e parques que coexistem em conjunto. Nesse cenário, erguem-se os muros e as paredes, responsáveis por separar e segregar pessoas em seus respectivos espaços. Em Campo Grande, os ‘paredões’ têm funções ainda maiores. Cheios de cores e vivacidade, a arte urbana colore muros da Capital e reflete a identidade de um povo que aqui habita. Consideradas verdadeiros cartões-postais, pinturas abraçam a cidade, enfeitam a paisagem, promovem reflexões e ainda oportunizam democratização do acesso à arte.

Basta passear por alguns minutos pelas sinuosas vias de Campo Grande para avistar variadas manifestações artísticas na área urbana, assinadas por artistas integrantes do movimento – especialmente o hip hop – que deixam suas essências registradas e transformam a cidade numa verdadeira exposição a céu aberto. Considera-se arte urbana várias culturas, como grafite, pixação, murais, pinturas, lambe-lambe, tags, adesivos, estêncil, o grapixo, bombing, as frases de conteúdo poético e político e afins, sendo muitas delas derivadas entre si. Para comemorar o aniversário de Campo Grande, celebrado no dia 26 de agosto, impossível deixar de falar sobre essa expressão que encanta os moradores da região.

Apesar de ser um movimento existente há mais de 30 anos na cidade, segundo especialistas, existem poucos registros históricos sobre o início do grafite em Campo Grande. O MidiaMAIS entrou em contato com três acervos da cidade – IHGMS, Arca e MIS-MS – no entanto, nenhum deles possuía informações detalhadas sobre o nascimento dessa cena artística. A história, então, fica guardada nas próprias paredes e na memória de quem participou da popularização da arte urbana na Capital.

Grafite é arte urbana
(Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)

Existem milhares de grafites em Campo Grande

É o que afirma a artista visual, grafiteira e gestora de artes Marinela Grolli, de 40 anos. Um dos principais nomes do segmento na Capital e no Brasil, ela afirma que o movimento da arte urbana é rico na cidade, visto que possui vários artistas criativos e atuantes. Apesar de não existir um mapeamento de quantos grafites e pixações ‘pintam’ os muros da cidade, ela explica serem milhares deles.

Grafite de Marilena Grolli
Marilena Grolli é grafiteira ‘das antigas’ e impulsionou movimento na Capital (Foto: Arquivo Pessoal)

“A cena de Campo Grande e do Estado todo é maravilhosa. Nós temos uma cena que não deixa nada a desejar para os grandes centros […] nós temos vários grafiteiros com traços técnicos muito bons e representando também a cidade em vários eventos e festivais. A cena é muito forte, só precisa de valorização”, comenta.

Participante da cena há 32 anos, Grolli é uma das pioneiras na região. Apaixonada por arte quando criança, ela entrou para o universo ainda pequena com murais na igreja. Vinda da periferia, encontrou no muro um suporte maior para expressar suas ideias.

“Colocar sua arte na rua, oportunizar outras pessoas a dialogarem com o seu trabalho e você agregar um valor a um espaço que antes não tinha. Esse é o poder transformador da arte grafite, de você atingir diferentes públicos. Cada grafite te adiciona algo que é favorito para você”.

Já as inspirações vêm de todos os lados. Desde os bichos do Pantanal até um mero acontecimento na rotina, o importante, para Marilena, é se inspirar e colocar elementos surreais para deixar a sua identidade artística registrada para qualquer pessoa que tenha interesse de ver.

Confira alguns grafites feitos por Marilena Grolli:

O tatuador Nicholas Ferreira, de 31 anos, também é grafiteiro. Ele começou na arte em 2005 também motivado pelo interesse em desenhos, só que em grandes escalas. Na época, ele já pixava muros e, então, já tinha contato com a arte urbana.

Para ele, uma das grandes conquistas é que, recentemente, os eventos culturais colocam o grafite na programação e incentivam a produção de painéis pela cidade, especialmente os de cunho social. Por ser uma arte nascida na periferia, alcançar mais espaços é importante para falar mais alto por meio da arte.

Grafite de Nicholas
Nicholas se identifica com a arte urbana há muitos anos (Foto: Arquivo Pessoal)

“O que me inspira principalmente é a liberdade de criação, de fazer o que eu tenho vontade sem a necessidade de aprovação de outras pessoas, e depois passar essa ideia para a parede, é muito importante ter essa liberdade de criar”, comenta Nicholas.

Confira alguns grafites feitos por Nicholas Ferreira:

Mulheres no grafite – reivindicação nos muros da Capital

O fortalecimento da figura feminina em um segmento majoritariamente masculino tem sido gradual ao longo dos anos e Campo Grande não ficou de fora dessa transformação. ‘Choro’ é conhecida dessa forma na cidade pelas várias artes que já deixou espalhadas por aí. Aos 21 anos, a estudante de psicologia sempre encontra espaço na agenda para expressar suas ideias com o pixo. Participante da nova geração de artistas, suas primeiras pinturas nasceram em 2019. Na época, ficou encantada pela maneira como interagiu com a cidade e, desde então, nunca mais parou.

Mas, antes de tudo, ela precisou lidar com o machismo presente no setor. Ao MidiaMAIS, ‘Choro’ afirma que o grafite e a pixação são meios predominantemente masculinos e, infelizmente, já passou por situações desconfortáveis.

“Tem vários muros feitos entre vários homens que não tem nem uma grafiteira, mas tem homens da cena que se esforçam para convidar e incluir as minas. Acho que as mulheres que têm interesse estão se sentindo mais confortáveis para começar, mas ainda somos minoria”, lamenta.

Mesmo com algumas barreiras, nada a impediu de ‘gritar’ suas ideias por meio da arte urbana. Inspirada por outras mulheres artistas, perceber evolução do seu desenho é a melhor recompensa ao proporcionar cor à cidade.

“Meus trabalhos favoritos são os que eu fiz perto da Orla, também gosto muito de murais que participei com outros artistas”, explica.

Confira alguns grafites feitos por Choro:

Grafite VS pixação – a marginalização está no senso comum

Muita coisa mudou com os avanços da sociedade, especialmente quando se fala em arte urbana. Hoje, os grafites ocupam espaços da elite, mas vale destacar que, no início, ele era ainda mais marginalizado. Hoje, suas cores e estéticas são bem mais aceitas, diferentes dos pixos – como são popularmente conhecidos.

No entanto, artistas afirmam que a marginalização de um perante a admiração de outro está no senso comum de pessoas leigas que não conhecem a fundo sobre a arte urbana.

A pixação e o grafite diferem na estética, nas circunstâncias e na maneira em que são recebidos pelos olhares. A pixação é mais rápida, focada nas letras, nos vulgos, grifes e selos dos pixadores. Já os grafites são feitos, normalmente, com os mesmos materiais e mais focados em desenhos. Apesar da divergência, os dois estilos são intervenções urbanas. Vale destacar, ainda, que o grafite nasceu da pixação.

Pixação é arte urbana
Pixação é uma forma de manifestação (Foto: Acervo MIS-MS/Foto cedida ao Midiamax)

“A pixação é mais agressiva, não depende de autorização, mas o pixador que leva a arte a sério tenta melhorar seu role toda vez que sai para pintar, deixar seu pixo simétrico, na régua, não só rabiscar a parede. Acredito que o grafite é aceito por ser mais detalhado, mais colorido e muitas vezes legalizado. Também precisamos lembrar que a origem do grafite é a pixação e a pixação brasileira é uma arte original, com a estética completamente diferente de outros lugares, o grafite e a pixação são parte da cultura”, explica Choro.

Nicolas concorda com o pensamento descrito acima e ainda acrescenta que, pelo grafite ser mais figurativo, é mais agradável aos olhos. Mesmo assim, ambos os estilos fazem parte da cultura.

“A questão da aceitação eu acredito que seja por conta da pixação fugir do figurativo e acaba se tornando uma abstração para pessoas leigas, desta forma as pessoas tendem a não ter um apreço por estas manifestações”, diz o tatuador.

Já Marilena Grillo acredita que a marginalização está, na verdade, no uso da lata de spray. Durante o trabalho, ela percebe ser mais aceito quando usa outros materiais para fazer a pintura do muro. Já quando usa o spray, automaticamente as pessoas associam à pixação. No entanto, ambas são expressões.

“O jovem de comunidade precisa se expressar de alguma forma e a pixação é uma voz, um grito, um anseio de libertação, possibilidade de usar o muro como sua voz para criticar, gritar mesmo e isso é necessário […] tanto grafite quanto pichação são vozes”.

Vale destacar que o artista precisa se atentar à autorização para pintar algum muro. Senão, independente do estilo escolhido, se torna ilegal.

Galeria a céu aberto

É só chegar ao centro da cidade e levantar os olhos para avistar vários painéis e murais gigantescos enfeitando prédios de Campo Grande. Esse é mais um dos privilégios artísticos que a população tem acesso por aqui. O artista Cleir é, definitivamente, pioneiro nesse tipo de trabalho e grande inspiração para tantos outros profissionais.

Grafite é arte urbana
Painéis de Cleir são clássicas obras de arte a céu aberto na Capital (Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)

Apesar de anos desde a criação, sua arte ainda é admirada. O primeiro painel pintado por Cleir foi o da onça-pintada no edifício Iná, na Avenida Afonso Pena. Ele recorda ao MidiaMAIS que, na época, as dificuldades foram gigantes – literalmente. Desde o desafio de pintar nas alturas, cerca de 50 metros do chão, até a dimensão da arte, tudo valeu a pena quando viu que seu trabalho passou a integrar a paisagem de Campo Grande.

Desde então, outros painéis foram surgindo e enfeitando a cidade, sua principal fonte de inspiração.

“A obra urbana nas fachadas de prédios, em muros e paredes sociabilizam a arte e dividem a expressão artística de uma forma direta com o público. Arte não tem sentido se não compartilharmos com as ruas, os bairros, as cidades, o Estado, nosso país e o mundo”, diz Cleir.

Os lambe-lambes também impressionam

Dentre lugares movimentados, comércios, monumentos e grafites, uma expressão artística — por vezes passada despercebida — pulsa no coração do centro campo-grandense com suas características únicas de uma arte urbana: os lambe-lambes. Espalhadas pelos muros da cidade, manifestações artísticas dão vida à região central e promovem integração entre moradores e artistas que ali convivem.

De todos os tamanhos, formatos, críticas e homenagens, os lambe-lambes podem ser encontrados em vários pontos de Campo Grande.

Leonardo Mareco, 24 anos, é artista visual e educador. Procurado pelo MidiaMAISele revelou trabalhar com lambe-lambes há quatro anos. Trata-se de técnica mais prática e barata do que o grafite.

Lambe-lambe dos primos Mareco
Assinado pelos primos Mareco, arte homenageia profissionais da saúde (Foto: Leonardo de França/Midiamax)

“Com o lambe tenho a possibilidade de reproduzir minha arte quantas vezes eu quiser, além da colagem ser superprática e rápida o que me possibilita uma maior agilidade nas ruas”, comenta. Apesar de ser uma arte antiga — posterior até ao spray de tinta — o lambe-lambe artístico ainda é uma técnica pouco utilizada na capital em comparação a outras grandes cidades, como São Paulo.

Segundo o artista, a maioria dos murais percorre Campo Grande desde o centro até a periferia. A origem do lambe-lambe em Campo Grande é incerta, segundo Mareco. Mas estima-se que a técnica, em si, surgiu em meados do século XIX com o surgimento da impressão em massa e, consequentemente, da criação do cartaz. Tempos depois, arte foi adotada por aqui.

Arte urbana e sua constante interação com a cidade

Você viu até aqui o quanto a arte urbana é importante para a formação de identidade cultural de uma sociedade e, por isso, existem várias manifestações dela. As citadas hoje representam apenas uma parcela desse universo da arte contemporânea. Apesar de passar despercebida devido à correria do público, expressões estão sempre presentes para quem desejar admirar em Campo Grande.

A arte de rua possui características particulares que traduzem a visão do povo quanto à própria arte, saindo do tradicionalismo e se expressando de forma mais direta e íntima. Sem falar que ela é crucial para manter a cidade mais viva e bonita.

Dessa forma, entende-se que a arte urbana deve ser valorizada tanto quanto aquelas expostas em museus. Afinal, já dizia Leonardo Da Vinci: “Não desprezes a pintura, pois estará a desprezar a contemplação apurada e a filosofia do universo”.

Para finalizar: pixação não é pichação

Com a leitura do texto, você percebeu que a palavra foi escrita com X. A escrita gera muitas dúvidas: é pichação ou pixação? De acordo com o dicionário, a palavra pichação ou pichador significa: ato ou efeito de pichar; pessoa que rabisca paredes e muros. E a palavra pixação não é encontrada.

A variação, com X, está ligada à essência da arte. Segundo especialistas, os pichadores com X são artistas fora do ‘sistema’, rebeldes, revolucionários que fazem dos muros suas telas. Portanto, se nos dicionários “pichação” se escreve com CH, para os pixadores ela se escreve com X.


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