‘Não é fácil’: Adeptos relatam como é ser vegano em Mato Grosso do Sul, terra do churrasco

Veganos comentam os desafios de seguir a causa onde o agronegócio e a pecuária predominam

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A primeira semana de novembro celebra o dia do veganismo, para enaltecer a causa das pessoas que optam por não consumir nada que tenha origem animal, desde alimentos a objetos e até cosméticos testados nos bichos. Em Mato Grosso do Sul, terra do churrasco, onde a economia é movimentada pelo agronegócio e pela pecuária, ser vegano pode ser uma tarefa ainda mais embaraçosa.

Almoços de família, lanches com os amigos, piadas de todos os lados e certo preconceito com esse estilo de vida são comuns em MS. Nas redes sociais, o deboche com ataque é constante, de forma que os adeptos da dieta vegana começaram a se preservar por medo de se expor e falar sobre a causa.

O MidiaMAIS conversou com alguns poucos veganos que toparam falar do assunto e expuseram a realidade de seguir essa política por aqui. “Tem gente que acha que é uma afronta social, um radicalismo gritante perante a sociedade você apontar a realidade do que está por trás de toda cadeia agropecuária e de seu resultado econômico: o desmatamento sem precedentes dos nossos biomas e a consequência direta que isso está causando no nosso clima e, claro, a violência, tortura e exploração animal que compõem esses números”, iniciou Rodrigo Motta, que decidiu parar de comer carne há 15 anos e é 100% vegano há sete.

Rodrigo acredita que atualmente é um pouco mais fácil ser vegano em MS do que há alguns anos, devido ao crescimento do mercado especializado no Estado. “De uns três ou quatro anos para cá, Mato Grosso do Sul recebeu novos estabelecimentos especializados em comida vegana, bem como vários restaurantes incluindo opções veganas em seus cardápios. A chegada de produtos veganos e/ou longe de derivados de origem animal nos supermercados locais facilitou a adesão destes produtos para aqueles que não têm aptidão na cozinha para receitas mais elaboradas”, diz ele.

“O movimento também ganhou mais adesão quando muitas pessoas da comunidade vegana, que são verdadeiros chefs de cozinha, se juntaram para criar uma feira vegana que ficou vários anos na capital e, às vezes, ainda acontece ali na Praça dos Imigrantes. Falando em alimentação: é possível encontrar opções em delivery, em diversos estabelecimentos, shopping centers e outros”, afirma.

Paulo Renato, que trabalha com a gastronomia vegana, parte do mesmo pensamento. “Sobre preconceito, vejo muita desinformação na real. Por achar que a pessoa que não consome derivados animais vive em subnutrição ou coisa parecida. Mas isso é mais do que provado que não tem base, haja vista vários estudos e também pela nossa vivência prática no dia a dia”, conta.

“MS é o Estado do boi e do agro, isso é inegável. Quando comecei em 2014, a palavra e a concepção do que era veganismo não tinha toda essa luz voltada para ela, em especial aqui no nosso Estado. Hoje, com o tempo passado, e com o trabalho de várias pessoas que percebo divulgando e afirmando o veganismo, vejo um novo momento do veganismo aqui em MS. Onde, com maior fomentação da causa, as pessoas têm sentido mais interesse e acabam criando uma rede de ajuda entre todos nós. Isso é um ponto que tenho sentido como muito facilitador nos últimos tempos”, pontua Paulo.

Já a publicitária Kassandra Delvizio, de 36 anos, pensa que ser vegana em Mato Grosso do Sul é um processo de desconstrução. “É ir contra esse sistema exploratório e cruel dos animais praticado pela pecuária. O maior desafio é repensar toda a nossa vivência, costumes e hábitos, pois o consumo da carne é algo arraigado em nossa cultura sul-mato-grossense. Quanto ao preconceito, sempre tem, acredito que as pessoas usam disso e de piadas para descredibilizar o nosso ativismo”, relata.

“Para superar essas questões, acredito que é importante o acesso à informação, algo que fosse apresentado nas escolas, por exemplo, a ponto de gerar empatia e interesse pelo veganismo. E, além disso, precisamos desmistificar que o veganismo é um movimento elitizado, ele pode sim ser acessível e democrático”, avalia.

“Não é fácil ser vegano em MS, pois vivemos em um Estado que é totalmente voltado para a prática da pecuária. É nadar contra a corrente mesmo e bater de frente com os ‘poderosos’ latifundiários, é dizer não a todo o desmatamento e genocídio indígena praticado por eles”, pontua.

Todos concordam: ser vegano é um movimento político que vai muito além da dieta, pois ele acaba abrangendo outras esferas que não só da alimentação. “É um movimento que precisa ser urgentemente considerado e visibilizado, ainda mais nesse contexto de catástrofes naturais e fome. Por isso, o acesso à informação é imprescindível, até mesmo para difundirmos um veganismo democrático e acessível”, diz Kassandra.

“No nosso país, a população pobre é a que mais está ficando doente, vítima do próprio alimento que consome, como os ultraprocessados e os embutidos que são causas totalmente diretas nos desenvolvimentos de câncer no nosso povo. O veganismo nos faz abrir os olhos sobre essas coisas, nos faz entender o impacto do que você come para a sociedade”, acredita Paulo.

“O veganismo é um movimento político, ético e antiespecista. É um posicionamento consciente desencadeado do conhecimento concreto e real de toda cadeia de exploração animal (e também do meio ambiente) que o consumismo reflete em nossa realidade, tudo isso em consequência direta ao sistema capitalista que vivemos. Porém, na medida em que novos canais de receitas veganas, e grupos sobre o tema, crescem pela internet, novos adeptos e curiosos refletem sobre seu consumo. Esse crescimento gera a criação de novas comunidades e aproxima as pessoas, criando uma rede de incentivo e apoio importante”, finaliza Rodrigo.

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