“Terceirão, ansiedade pra caramba, você tem que decidir o seu futuro”. É assim que a jovem Letícia de Oliveira Francisco, de 16 anos, inicia o depoimento ao falar sobre si mesma. Com planos para cursar publicidade ou jornalismo, ela mantém uma conta no desde o dia 1º de janeiro de 2020, mas quando criou o bookstagram @leitura.por.prazer — perfil que fala sobre livros — não imaginava que a ferramenta teria papel fundamental na luta contra a tristeza provocada por uma tragédia.

Há quase um ano, sua irmã Eva Nara viajou de carro com uma amiga para apresentar um trabalho em São Gabriel do Oeste. Em certo momento, enquanto dirigia, Eva perdeu o controle do carro. A estrada de chão com muitos buracos fez com que a caminhonete capotasse várias vezes e arremessou a motorista para fora do veículo.

A amiga, que estava no banco do carona, só deslocou ombro e teve fraturas leves. “Minha irmã não conseguia levantar, não sentia nada, mas conseguiu passar o telefone da minha mãe”, conta a estudante. Transferida para a Santa Casa com um “trincado” na coluna, a irmã de Letícia também teve traumatismo craniano, ruptura no pulmão e acabou ficando paraplégica.

Superação de Eva é frequentemente compartilhada nas por Letícia (Fotos: Arquivo Pessoal)

“Falei com uma professora muito querida pra mim, Elaine, de biologia, que foi professora da minha irmã, e ela falou pra eu ter calma, que ia dar tudo certo e tudo mais. E aí eu não conseguia mostrar muita reação para quem me via, não conseguia chorar na frente de ninguém, fiquei em choque”, lembra a jovem.

“Foi um milagre, hoje minha irmã está muito bem. Ela está paraplégica, não consegue sentir as pernas e o único suporte que ela tem todo dia sou eu e minha mãe”, afirma Letícia.

De hobby a válvula de escape

Quando o acidente aconteceu, o perfil chamado “Leitura por Prazer” já existia na rede social, mas a tragédia familiar potencializou o hobby, que acabou se transformando numa “fuga” da dolorosa realidade.

“Fazia alguns meses que eu tinha o bookstagram e aí me apeguei na leitura, foquei nisso para não entrar em depressão em meio a tanta tristeza. Sempre digo: leitura, pra mim, é uma forma de eu esquecer da realidade, eu entro em outro mundo, um mundo de dragões, de fantasia, de romances e tudo mais”, reflete a garota.

Prestes a completar um ano, o acidente deixou marcas profundas na família, mas ainda há esperanças. “O médico diz que sim, há chances dela voltar a andar e a gente reza muito por isso. Hoje minha irmã continua firme e forte com fisioterapia e todos os procedimentos para voltar a andar. Eu falo que se eu não tivesse entrado nesse mundo de leitura, provavelmente eu teria entrado em depressão, porque não é fácil. Pra pessoa que sofreu o acidente é pior ainda”, pontua Letícia.

 
 
 
 
 
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Bookstagram

“Eu criei meu bookstagram dia 1º de janeiro de 2020, antes da pandemia, de tudo virar um caos, e criei basicamente porque sempre fui uma pessoa que queria falar das minhas leituras, queria surtar com o povo, que é falar por que eu amei tal personagem ou ele me deixou enfurecida, porque eu amei essa cena ou não amei”, conta a estudante.

Empolgada com o projeto, Letícia começou a conhecer pessoas que leram os mesmos livros e passou a trocar impressões com seus seguidores. “Eu não fazia fotos autorais, fazia foto editada, e com o tempo eu comecei a firmar parceria com autores e editoras e comecei a receber livros em casa. Isso me dava mais motivação ainda pra ler, porque eu via que muita gente tava gostando do que eu tava fazendo. Muita gente tava se interessando pelo meu trabalho, muita gente tava se interessando pelos livros que eu tava indicando e isso é um incentivo grande”, garante.

 
 
 
 
 
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Quando começou a receber exemplares, ela decidiu investir mais e passou a fazer fotos próprias dos livros com o celular mesmo, preparando cenários, e profissionalizando seu hobby. “Por conta do acidente e também por conta da vida, das pressões, o bookstagram foi uma forma de eu me desconectar da realidade. Ler um livro é uma forma de eu entrar em uma outra realidade, onde bruxas e dragões, princesas e príncipes, vilões e bonzinhos… ali, eles são a verdadeira realidade”, compara.

“Isso eu tenho que agradecer aos meus pais por terem me incentivado desde sempre a ler, mesmo que eles não leiam livros, sempre liam pra mim desde pequena, compravam livros, gibis, Turma da Mônica eu li um monte. Graças a eles que eu tô nesse mundo de livros e no mundo geral, e também à minha professora de biologia, professora Elaine, por ela ter falado que tudo ia ficar bem. Era o que eu precisava ouvir”, comenta.

Mãe, Eva e Letícia (Foto: Arquivo Pessoal)

Já vai completar dois anos que o bookstagram “Leitura por Prazer” existe na vida da garota e, para ela, só há motivos para agradecer. “Eu agradeço muito por ter ele. Eu me descobri ali, conheci pessoas incríveis, descobri o que eu queria fazer de faculdade… e do bookstagram eu fui para o YouTube e, apesar de eu não postar tantos vídeos, também vejo como uma válvula de escape”, pontua.

“Acho que, para qualquer um, não só aqueles que tiveram algum parente que sofreu um acidente ou uma fatalidade, eu creio que, sim, a leitura pode ser uma forma de anestesiar o sofrimento e ajudar a tornar tudo menos difícil”, finaliza.