Sabor único e inesquecível na memória de quem provou: os produtos da Fábrica de Refrigerantes Mandetta marcaram o paladar dos sul-mato-grossenses no século passado. Eternizados nas lembranças de muitos – os mais antigos – as relevantes bebidas sequer passam pelo imaginário de gerações mais recentes.

Fechada em 1982, há quase 40 anos, o prédio que ficava na Rua 26 de agosto, em frente ao Mercadão Municipal, onde hoje é localizado o Senac, foi apagado pelo tempo. Quem anda por ali e nasceu a partir dos anos 80, não faz ideia de que no local funcionava a principal e mais emblemática fábrica de refrigerantes de Mato Grosso do Sul.

“Nunca ouvi falar”, comenta Maria Luiza, de 14 anos, estudante do Senac. “Também não”, confirma Luiz Felipe, advogado de 27 anos da Capital. A jovem Lara Gomes faz parte do mesmo grupo e, aos 18 anos, reitera o desconhecimento: “Não sabia disso”, disse ela à reportagem.

Anos dourados

Entre os mais velhos, o assunto é relembrado com saudosismo. Volta e meia, grupos dos “tempos de ouro” no Facebook trazem a marca à tona e, principalmente, o gosto das bebidas que viraram lenda em MS, em especial, o Guaraná Tupi.

Guaraná Tupi chegou a ser premiado em Feira Internacional (Foto: Arquivo)

“Eu tomei esse guaraná e furava a tampa com um prego para tomar aos poucos”, comentou Mário Sergio. Erliete Rocha acrescenta uma memória pessoal que representa outras pessoas: “Ô saudade…com sorvete da Torino então…”. “O melhor que eu já tomei. Muito gás”, destaca Elza Lescano.

Os refrigerantes da Fábrica Mandetta ainda despertam as mais inspiradas recordações, tanto do gosto, quanto da vida. “Lembro-me até do sabor, uma delícia”, pontua Hilda Maria França. “Melhor guaraná que já tomei. A soda limonada dava de 1000 a 0 nessas de hoje… tempo bom”, garante Haroldo Amaral. “Tomei muito. Ia comprar gelo e ganhava um copo de guaraná”, relembra Alcir Pereira.

As comparações com as bebidas da atualidade são inevitáveis e há uma unanimidade entre as opiniões que enaltecem e afirmam que os extintos produtos sul-mato-grossenses eram muito superiores. “Melhor refrigerante que conheci na minha vida, hoje só água com açúcar”, declarou um internauta. “O melhor guaraná produzido por aqui”, disse Mário Rabelo Dias. “Nunca mais tomei refrigerante e não entra em minha casa, muito raro. Amava pra valer o Guaraná Tupi”, escreveu Iolanda Barros.

Anúncio do empreendimento em Corumbá (Foto: Arquivo)

Fábrica Mandetta

Fundado em 1899 em Corumbá por Antônio Mandetta, recém-chegado da Itália no então estado de Mato Grosso, o empreendimento perdurou por quase um século. 83 anos foram suficientes para estabelecer o sucesso dos sabores e marcar a memória afetiva de muitas gerações. 

“Quando ele passou por Campo Grande numa ida à São Paulo e ficou sabendo que estaria perto de inaugurar a Noroeste do Brasil, concluiu que Corumbá perderia muita força quando a ferrovia chegasse e decidiu ‘nós vamos mudar para Campo Grande', em 1919 ou 1920”, conta Hélio Mandetta, de 90 anos, neto de Antônio e filho de Hércules Mandetta, ao Jornal Midiamax.

Depois de 20 anos fazendo sucesso em Corumbá e atendendo os navios que ancoravam no porto, abastecendo-os com gelo e refrigerantes, o negócio de família finalmente veio para a cidade que hoje é Capital de Mato Grosso do Sul. Posteriormente, a Refrigerantes Mandetta também abriu uma filial em Dourados.

Fórmula secreta

Com fórmulas únicas criadas por Antônio e, depois, por Hércules Mandetta, filho que assumiu o comando quando Antônio faleceu, os produtos ficaram conhecidos em todo o Estado, sendo o Guaraná Tupi e a Soda Limonada Mandetta os mais vendidos em toda a região, até o encerramento das atividades. Quanto à Soda, Hélio Mandetta revela ao MidiaMAIS um segredo especial que ninguém conhece e que, sim, fazia toda a diferença e foi responsável por marcar a bebida.

“O gosto da limonada era muito agradável, não tinha a acidez do limão. Aí perguntavam e meu pai falava ‘isso é produto, impressão sua'… mas era querida a limonada. É que ele comprava em São Paulo, de uma distribuidora de produtos importados, o limão que vinha da Sicília (Itália), limão siciliano, que tinha pouquíssima acidez perto dos nossos aqui do Brasil. Então, o produto ganhava qualidade. Esse era o segredo, mas ninguém sabia”, lembra aos risos. 

Além do Guaraná Tupi e da Soda, outros refrigerantes também eram fabricados, como o tupizinho (versão menor do Tupi), a laranjada Mandetta e a Tubaína Morena.

Rótulo da Tubaína Morena, famoso produto da Refrigerantes Mandetta (Foto: Arquivo)

Na mesma época, havia outra fábrica de refrigerantes em Campo Grande, a Guaraná Cristália, localizada na esquina da Rua José Antônio com a Dom Aquino, e na escola, os herdeiros da Mandetta até brincavam com os colegas para saber quais dos refris eram melhores, lembra a neta de Hércules Mandetta, Liliam Maksoud, em depoimento ao Jornal Midiamax.

O ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta, outro descendente do fundador da fábrica, diz ter apreço especial por Corumbá. “Pois foi lá, no porto da cidade, que aportaram imigrantes italianos que vieram para ajudar a construir este país. Entre eles, a família Mandetta, que fundou na cidade a primeira fábrica de refrigerantes do Estado e o guaraná Tupi”, saudou no Facebook, já há algum tempo.

Ingrediente especial

Em 1982, após mais de oito décadas de sucesso, a vultuosa fábrica encerrou suas atividades. Hércules Mandetta, pai de Hélio e último comandante do empreendimento, já estava muito doente e debilitado na época, e nenhum familiar quis tocar o trabalhoso negócio, principalmente, porque os herdeiros já estavam com suas carreiras iniciadas e traçadas.

Sem ajudante e possível substituto para a liderança da empresa, não houve saída a não ser fechar as portas. De acordo com Hélio, a fábrica ia de vento em popa e não passava por nenhuma crise financeira ou dificuldade para conseguir os produtos necessários. Apenas a falta de continuidade interrompeu quase um século de história.

Sede da Fábrica em Corumbá-MS (Foto: Arquivo)

Quase 40 anos se passaram desde que a Refrigerantes Mandetta chegou ao fim em Campo Grande e Mato Grosso do Sul, mas, como mostram os depoimentos nesta reportagem, o sabor inesquecível permanece na lembrança daqueles que experimentaram as bebidas. Além do segredo do limão siciliano, Hélio Mandetta afirma que o sentimento depositado na realização de cada refrigerante pode ter sido um ingrediente especial que contribuiu para que os produtos entrassem para a história e resistissem ao tempo na memória afetiva de quem provou.

“É importante que a lembrança seja sempre positiva, significa que o trabalho foi válido. Eu também sinto falta dos produtos, minha esposa também. Meus filhos, nem se fala… ele [meu pai] dedicava com carinho, com amor e com respeito quem viesse a consumi-los”, finaliza Hélio.