Do tereré à pescaria e até ao guarani: pelos costumes repassados, ser pai em MS é mais especial
Gerações diferentes compartilham ensinamentos típicos que receberam de seus patriarcas
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Ser pai em Mato Grosso do Sul é diferente? Estado multicultural, MS abriga, preserva e perpetua costumes muito próprios de quem é daqui. Cada canto desse lugar é rico em particularidades culturais muitas vezes passadas de pai para filho. O que a figura paterna ensina de bom fica como legado para as próximas gerações e conta um pouco da história da nossa terra. Neste domingo (8), dia dos pais, relatos de sul-mato-grossenses provam a singularidade de ser pai por aqui.
Dulcineia Ovelar Leão, de 42 anos, por exemplo, aprendeu a pescar e a falar guarani com o pai. O guarani é uma língua indígena do sul da América do Sul, falada pelos povos da etnia tupi-guarani na Argentina, na Bolívia, no Brasil e no Paraguai. Nascida e criada em Porto Murtinho, na fronteira paraguaia, a especialista em gestão ambiental conta ao Jornal Midiamax o legado único que recebeu do pai, o senhor Oswaldo Natalício Ovelar, de 66 anos.
“Eu nasci em 1978, dia 13 de agosto, exatamente no dia dos pais, e me enche os olhos de lágrimas quando ouço do meu pai que fui um dos presentes mais importantes que Deus lhe deu”, se orgulha. Um ano depois do nascimento de Dulcineia, o irmão Renato veio ao mundo para ser um companheiro. “Desde cedo acompanhávamos meu pai em tudo, ele ia pilotar e quando chegava, pegava eu, minha mãe e meu irmão para voltar ao rio, pescar e vender os peixes para turistas”, relata Dulcineia.
Cheio de planos, hoje aposentado, Oswaldo foi pilotero, açougueiro, isqueiro e motorista; fez e faz de tudo sempre pela família. “Além disso, nos ensinou a pegar iscas em açudes e alagados, sempre com muito cuidado, porque nesses lugares tinha perigo de cobras e outros animais peçonhentos. Com muito carinho, nos ensinava como fazer e explicava porque estávamos lá tendo que fazer aquilo, mas eu e meu irmão adorávamos a confiança que nosso pai depositava na gente, pois tínhamos mais dois irmãos para cuidar, Danielly e Osnivaldo”, relembra ela.
Os anos foram se passando e com o tempo os aprendizados ganharam força. Era muito trabalho, mas também havia tempo para prosear. “Desde pequenos, aprendemos a falar em guarani e a tomar o rico tereré. Fomos alimentados com o puchero, coquito e lambreado: comidas típicas de Porto Murtinho. Até hoje, onde vou, levo meu tereré. Meu irmão seguiu a profissão do meu pai e também garante o sustento da sua família com os ensinamentos dele”, descreve Dulcineia ao MidiaMAIS.
Oswaldo Natalício é casado com Daniela Ayala, com quem teve 4 filhos, sendo Dulci, um desses frutos. “Seguimos uma vida simples e de muitas lutas, mas cheios de orgulho da família que meu pai construiu. Ele nos ensinou que o importante não é ter tudo e sim sempre estarmos juntos, deu a coisa mais importante que um pai pode dar a um filho: amor e respeito”, finaliza.
“Meu melhor amigo”
Moradora de Campo Grande, a jornalista Larissa Silva, de 23 anos, também foi criada na fronteira, mas em Corumbá. Sua criação e os costumes vêm muito da regionalidade dessa terra. Ela relata ao Midiamax as lembranças de tudo que o pai, Marcos, lhe ensinou. “Tenho lembranças de comer, chupar bocaiúva com meu pai, ele quebrando o coco pra mim em Corumbá na casa da minha avó, de quando a gente ia comprar gelinho… Assim, são coisas pequenas, né? Eu acho isso muito legal”, diz Larissa.
O gosto pelo futebol também foi passado de pai para filha. “É uma coisa que eu amo, aprendi a gostar faz pouco tempo, deve ter uns sete, oito anos. Desde quando eu era criança, ele jogava bola e eu ficava lá sentada esperando e olhando ele jogar. Depois, apareceu essa paixão por futebol, mas eu acho que foi plantada uma sementinha ali”, relembra.
Servidor público de 47 anos, Marcos Franco é descrito pela filha como um porto seguro. Segundo a jornalista, os dois têm uma relação de muito companheirismo. “Desde que eu me entendo por gente, nunca tive bloqueio com meu pai, um afastamento, de não querer contar certas coisas pra ele. Meu pai sempre foi meu melhor amigo”, conta.
“Eu ficava muito com ele quando era criança. Ele me ajudava a fazer tarefa de casa, cozinhava, me dava banho, penteava meu cabelo… Coisas muito pequenas, mas importantes. E quando eu fui crescendo, na adolescência, não mudou nada. E agora jovem, com 23 anos, também não mudou. A nossa relação é muito boa. Tenho muito privilégio de ter um pai tão presente, de não ter bloqueio com ele, de poder falar o que eu quiser, de me abrir… Eu sei que ele me ama muito e eu amo muito ele, então a gente tem essa troca entre nós dois de companheirismo”, diz ela.
As viagens ao lado da mãe e do pai proporcionaram à Larissa memórias inesquecíveis que ela guarda de forma especial. “Meu pai é aquela pessoa que quer tirar foto com tudo, com bandeira, com a árvore que vê na rua… Quando a gente ia para Corumbá, às vezes ele parava no meio da estrada porque tinha uma arara, aí a gente tinha que parar na estrada e tirar foto da arara, essas coisas…”, lembra ela, rindo com carinho.
“Meu pai é muito forte, as pessoas têm os seus dias ruins e meu pai também tem dia ruim, mas ele tenta não ter, entendeu? Ele muda o mundo assim porque ele tem que lutar e ele é essa pessoa que tenta achar a solução de alguma coisa, sabe? Eu admiro muito isso nele, principalmente quando eu vejo o quanto ele ama eu e minha mãe, então ele faz de tudo pra demonstrar essa força, e ele é essa força. Ele não desiste dos seus sonhos e eu puxei isso dele”, reflete.
Amor rústico
Com o pai Duarte Augusto, a estudante de pedagogia Duanny Lara aprendeu a tomar tereré, chimarrão, a dançar chamamé, gostar de moda de viola, pescar, nadar nos rios e corixos, um pouco da culinária pantaneira e muito mais. A jovem de 19 anos descreve a figura paterna ao MidiaMAIS com muita admiração e se orgulha de tudo o que ele lhe ensinou.
“Quando eu ia de férias pra fazenda e acompanhava a rotina dele, via meu pai fazendo doce de leite, até mesmo carneando a vaca kkkkk (matando), andávamos de trator, de cavalo… Eu dormia com ele na rede quando era menorzinha, lembro de quando ele colocava mosquiteiro ao redor da minha cama para que mosquitos não me ferrassem, e até hoje continua a mesma coisa, o mesmo amor e cuidado, a diferença é que cresci. Mesmo assim, seja no campo ou na cidade, continuamos juntos”.
Aos 45 anos, Duarte hoje é pedreiro, mestre de obras e de tudo um pouco. Ele também já foi peão, capataz de fazenda e teve outras habilidades que Duanny não sabe definir. Ela é nascida e criada em Corumbá, e foi na cidade branca que recebeu valores e aprendeu a cultura sul-mato-grossense típica da região. “Meu pai me ensinou sobre honestidade, humildade, caráter, entre tantos outros valores. Ele me ensina desde cedo que se eu não correr atrás, não vou conseguir, e também a dar valor aos meus estudos, pois ele não teve a mesma oportunidade”, conta a estudante.
Para ela, o pai sul-mato-grossense é aquele pai companheiro, amigo de boas risadas, que desde cedo ensina com simplicidade os valores e a “conquistar tudo do pouco, até chegar no muito”. É aquele pai trabalhador, que trabalha de sol a sol, não importa se seja no campo, na cidade, no morro ou nas grandes empresas. “Embora muitos não tenham a sorte de ter um pai presente, quando se tem um, ele é aquele que está sempre ali e faz o possível por sua família”, diz a jovem.
Ser pai aqui é diferente ?
“Talvez, por conta dos costumes, dos pais mais brutos, mas que têm o amor mais sincero dentro de si. Acho que qualquer pessoa do nosso Estado é meio bruta/ríspida/seca com sentimentos, mas são cheias de valores e sentimentos bons. O pai aqui vai desde o peão que deixa sua família por meses para trazer o sustento, que acorda cedo para ir ao trabalho na cidade/morro/estradas e não vê boa parte da rotina do filho (mas é para um bem maior), ao pai que trabalha na cidade, consegue ter de perto essa vivência e um lazer com a família”, reflete Duanny.
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