Muitas pessoas acompanharam a repercussão da audiência envolvendo a influenciadora digital Mariana Ferrer, em novembro de 2020. Durante a audiência, Mari foi humilhada e desmerecida pelos advogados de André Aranha, acusado de agressão sexual pela modelo, inclusive estupro.

No banco dos réus do julgamento moral, ela teve a sua conduta questionada sem a intervenção do juiz, o episódio inspirou a criação da Lei 14.245/2021, que ficou conhecida como Lei Mari Ferrer. A lei, proposta pela deputada Lídice da Mata (PSB-BA), foi sancionada em 23 de novembro de 2021.

Em Mato Grosso do Sul, para especialistas, a lei vai somar e reforçar a proteção às vítimas de violência. “Um divisor de águas”, disse a advogada Alice Adolfa Miranda Plöger Zeni, conselheira do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher.

Alice é voluntária no “Justiceiras de Combate à Violência Doméstica”, um grupo de abrangência nacional que visa ajudar as vítimas de violência. Ela pontua que como membro do grupo chegou a acompanhar o caso de uma adolescente de 16 anos que foi agredida pelo companheiro e, na delegacia, a delegada se negou a registrar o boletim de ocorrência.

A advogada reforça que, apesar de benéfica, é triste ser necessário legislar que a mulher merece respeito. “É muito triste ter que sancionar uma lei para que as pessoas respeitem as mulheres. Não importa a posição da vítima, ela precisa ser protegida, seja pelo judiciário quanto pelo Ministério Público. A lei vem para reforçar a proteção à vítima já que existe algo previsto na nossa constituição”, disse.

Na constituição, o Artigo 5º no inciso 10 garante a honra e a imagem das pessoas, que são invioláveis. Por fim, ela pontua que o ocorrido com Mariana Ferrer na audiência foi apenas um caso exposto que acontece com muitas vítimas em julgamentos. “Quantas audiências não acontecem de portas fechadas em que a vítima tem a sua moral e sua imagem violada? O que aconteceu com a Mariana foi apenas um dos muitos casos que acontecem com moradoras”, disse.

A juíza Jacqueline Machado, da 3ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em Campo Grande, pontua que a Lei Mariana Ferrer vem para fortalecer o círculo de proteção para a mulher vítima de violência.

“O respeito e a não revitimização já estavam previstos em instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil, como a Cedaw e a Convenção de Belém do Pará, bem como na Lei Maria da Penha. Essa nova lei trará impacto favorável para as vítimas, a fim de que com a justificativa de ampla defesa aos réus não se ultrapasse um limite ético de necessário respeito à dignidade das vítimas”, contou.

Lei Mariana Ferrer

Foi publicada no dia 23 de novembro, no Diário Oficial da União, a Lei 14.245/2021, que proíbe o constrangimento de vítimas de crimes sexuais e testemunhas durante julgamentos e audiências na Justiça.

Segundo o portal Brasil de Fato, o PL foi apresentado pela deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), com coautoria das deputadas federais gaúchas Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Maria do Rosário (PT/RS), e mais 23 parlamentares de diversos partidos. A lei foi sancionada pelo presidente da República, sem vetos. 

O texto foi proposto após a repercussão do caso Mariana Ferrer. A influenciadora digital foi humilhada durante audiência que julgava uma acusação de estupro. O advogado do acusado mostrou fotos que Mariana postou em redes sociais e disse que ela estava fazendo “posições ginecológicas”, o que dava a entender que o ataque seria justificável. O acusado foi absolvido por falta de provas.

De acordo com a Lei, na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa. Assim como deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa.

Houve também o aumento da pena do crime de coação no curso do processo, quando se tenta coagir alguém para obter vantagem em decisão judicial. A pena anteriormente era de um terço do tempo total julgado e passa a ser de metade do total do tempo, caso o processo envolva crime contra a dignidade sexual.

Conforme destaca a deputada Fernanda Melchionna, muitas mulheres que sofrem violência não denunciam por saberem que quando procurarem as autoridades podem ser vítimas de um novo ciclo de violência, que vai desde a desqualificação da denúncia até o questionamento da sua própria honra.

“Enquanto a escolha de denunciar um estuprador for causa para o desencadeamento de violência institucional, não será possível construir um país seguro para mulheres e crianças e ultrapassar a verdadeira epidemia de misoginia que tem se alastrado e se aprofundado”, destaca a parlamentar.

Fernanda também solicitou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) investigasse a atuação do advogado e do juiz envolvidos no abuso moral sofrido por Mariana durante a audiência.

A deputada Maria do Rosário destacou que, além de trabalhar pela aprovação do PL, também ingressou na justiça, ao lado de várias deputadas, com um Amicus Curiae, que não foi aceito. “Mas persistimos, pois, acreditamos que a impunidade legitima a cultura do estupro e permite que tais violências persistam”, salientou.