Com canal d’água e 1ª casa de tijolos, 15 de Novembro já foi coração pulsante de Campo Grande
Da criação de Campo Grande até os dias atuais, a rua 15 de Novembro é responsável por cruzar histórias ao longo de 122 anos
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O coração é a bomba que envia mais de 70 mil litros de sangue para o organismo diariamente. Ele é responsável pelo funcionamento do sistema respiratório, pela distribuição de nutrientes ao corpo e retirada dos resíduos dos tecidos. De uma forma geral, é ele que possibilita a vida ao ser humano. Mas afinal, o que esse papo tem a ver com a Rua 15 de Novembro? Tudo! Isso porque, muitos anos atrás, ela desempenhou papel semelhante por proporcionar a principal fonte de abastecimento de água às primeiras famílias que constituíram Campo Grande. Água é vida e a 15 de Novembro, em meados de 1900, foi uma das responsáveis por dar vida à Capital sul-mato-grossense. Senta que lá vem história.
Hoje, segunda-feira, marca no calendário a data 15 de novembro de 2021. Por isso, nada mais justo do que aproveitar o dia para conhecer mais sobre a via que leva o mesmo nome. Logo no início da civilização campo-grandense, fazendeiros como João Lino de Resende, Marcelino Alves de Resende, Caetano Marcelino e José Antônio davam início à pecuária e trabalhavam no povoado.
Na época, as famílias tinham a função de melhorar as habitações, todas de pau-a-pique e taipa, capinavam os caminhos e pátios, plantavam pomares e hortas, criavam animais e assim por diante.
De acordo com o IHGMS (Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul), essas habitações reuniram-se em uma única rua, a futura 26 de Agosto, nas imediações do córrego Prosa. Por ser uma região alagadiça e cheia de espinhos, o povoado, então, buscou fonte de água onde se situa a 15 de Novembro.
“Resolveu-se o problema do abastecimento com um rego d´água volumoso, que corria em nível pouco superior, onde é hoje a Rua 15 de Novembro, e daí todos rasgavam arroios de ligações até as suas casas. José Antônio construiu sua casa onde hoje é a esquina da Rua Barão de Melgaço com a Rua José Antônio Pereira, que, por isso, recebeu o nome dele”, contou Madalena Greco, presidente do IHGMS.
O canal, captado da cachoeirinha do Prosa, percorria toda a via que hoje conhecemos como Rua 15 de Novembro. Ele forneceu água a quase todas as casas de Campo Grande da época, divididas em quatro logradouros que atualmente conhecemos como: Rua 26 de Agosto, Praça Costa Marques, Rua Barão de Melgaço e Rua Joaquim Murtinho.
“Correntoso, borbulhante, com sua água cristalina, pura, abundante, que se constituiu o primeiro serviço de natureza urbana de Campo Grande, pois quase todos os moradores do povoado bebiam nessa fonte, dele derivando outros regos menores, que serviam as residências recém-montadas”, afirmam os relatos históricos.
O curso de água abasteceu grande parte dos moradores até o ano de 1911, quando o rego foi suprimido por ordem do executivo para que cada família criasse o próprio poço. Essa é só uma pequena parte da vasta história da rua. Como você leu até aqui, a 15 de Novembro foi uma das precursoras do desenvolvimento — basicamente vital — da cidade. Apesar das transformações ao longo dos anos, a via nunca deixou de proporcionar grandes memórias.
História viva
O retrato rudimentar visto até aqui é bem diferente do cenário que rodeia a Rua 15 de Novembro de 2021. Cercada por comércios, fachadas, estacionamentos e vários pedestres na rua, algumas construções antigas chamam a atenção em meio a um ambiente tão contemporâneo. Resgate de uma época que aparece nos livros de história, as construções centenárias têm o poder de transportar qualquer pessoa ao passado.
Não é à toa que, de acordo com os registros históricos de Campo Grande, a casa comércio localizada na Rua 15 de Novembro, esquina com a Rui Barbosa, foi a primeira construída de tijolos, platibanda, com porta na esquina e molduras de cimento. Ela foi construída pelo pedreiro gaúcho João Afonso Fernandes, casado com Áurea Cândida Bittencourt, para o Sr. Oscar Ferreira Bugre, entre 1912 e 1913.
Apesar de muito tempo ter passado, a rua também carrega memórias mais atuais. É o caso do emblemático “Bar da 15”, ponto que está há 60 anos no mesmo lugar. Fabiano Luiz De Oliveira, de 36 anos, é o 7º dono a ocupar a gerência do boteco, situado no coração da extensa via.
“Aqui já virou tradição, é um lugar tradicional da cidade. Aqui tem cliente que frequenta há 40 anos ou até mais de 40 anos. Tem um senhor que frequenta desde a adolescência”, contou Fabiano.
Em um ambiente simples, a principal atração do estabelecimento é uma jukebox antiga que já está lá há muitos anos. “Esse som é a atração daqui, já pensei em tirar algumas vezes, mas não pode, não dá para tirar. Tem pessoas que vêm aqui só para ouvir música, senta e toma uma para ouvir música. Chega dar até briga nessa máquina”, brinca o proprietário.
Fabiano ainda afirma: “é o único bar na cidade onde pode encontrar 3 cervejas de 600 ml por 10 reais”.
Mas é claro que nem tudo são flores. Apesar do espaço histórico, a Rua 15 de Novembro revela outro lado que gera preocupação aos moradores e comerciantes da região, especialmente no período noturno. É o que afirma Cláudio Akira Tsubota, tatuador, de 41 anos, que alugou um ponto há oito anos para trabalhar. “Aqui, à noite, vira uma cracolândia”, lamenta.
Conhecido como “Japa”, ele escolheu o local por ter sido um dos mais baratos. “Aqui achei mais seguro porque, dependendo do lugar, você inaugura e no outro dia é roubado”.
Entre tantas experiências vividas, a 15 de Novembro é responsável por experiências, alegrias e tristezas em uma única rua. Da Praça Ary Coelho até o Mercadão Municipal, ela nasce na Avenida Ceará e termina na Fábio Zahran.
E pode ter certeza que, ao longo desses 122 anos de Campo Grande, a 15 de Novembro nunca deixou de pulsar vida, especialmente porque cruzou inúmeras histórias até então. Ao fim de tantas narrativas, as palavras de Manoel de Barros nunca fizeram tanto sentido:
“Eis aí os primitivos nomes de nossas ruas centrais, com seus destinos também traçados. Ruas que fizeram Campo Grande e sua gente. Ruas que constituem a própria cidade, que logo cresceu e exigiu sempre novas ruas e novas praças no seu incessante progresso. Ruas feias, ruas bonitas, ruas ricas, ruas pobres. Ruas que fazem as pessoas que nelas habitam e circulam que também inventam poetas que nasceram tristes.”
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