Com o propósito de fomentar o panorama da arte visual no País, recentemente o Salão de Arte Contemporânea de Santo André anunciou os selecionados para sua a 48ª edição. Entre 513 inscritos, apenas 32 escolhidos, uma sul-mato-grossense se faz presente. Alice Yura é de – MS, formada em Artes Visuais na UFMS e especialização em Produção de Arte e Cultura pelo Senac.

Antes mesmo de ter visitado um museu ou saber o que era arte contemporânea, foi a faculdade que lhe abriu este novo universo e possibilitou um desenvolvimento além do profissional, mas principalmente o pessoal. “Sou uma pessoa que defende a educação pública e as universidades. A cultura e a educação são a base de uma sociedade que prospera e anda junto com economia, saúde, infraestrutura e tudo aquilo que constrói uma sociedade”, acredita.

Artista Visual do MS participa do Salão de Arte Contemporânea de Santo André - SP
“Contos de Fada”, performance – foto: divulgação

Além do mérito pela conquista, participar da 48ª edição do Salão de Artes ganhou um significado especial para artista. Por uma feliz coincidência, na primeira edição deste mesmo Salão, o “nosso” Humberto Espíndola foi premiado. “Fico muito feliz em saber que o MS e o interior do estado está representado através do meu trabalho, assim como o Humberto possibilita as pessoas de conhecer também um Brasil desconhecido”, diz ela.

Sobre a programação do salão de artes, as datas de abertura e visitação da exposição seguem indefinidas, por conta da pandemia.


Prosa

Não há como negar o quão pertinentes são as pautas que Alice Yura aborda. Consciente de seu papel social, embasada na arte e no conhecimento, a artista, uma jovem mulher trans, tem muito a compartilhar. Confira a entrevista!


Alice, nos conte um pouco sobre você, sua essência?

Bom, meu nome é Alice Yura, nascida e criada em Aparecida do Taboado – MS, 30 anos de idade. Tenho gostado de pensar que um dos atravessamentos do meu ser, da minha existência está também na minha origem familiar; nipo-caipira. Hoje percebo como minha vida foi marcada pela presença da fronteira, da ideia de uma definição que não é tão precisa e por isso muitas vezes não é óbvia.

Qual o papel que a arte desempenha na sua vida e sua relevância, como um todo?

A arte, nesse sentido, entrou como uma possibilidade de encontro, reencontro comigo mesma e com as outras pessoas. Mas pensar apenas dessa forma seria “romantizar” a arte. Arte pra mim é um trabalho muito sério que precisa de um engajamento profundo e muita dedicação. Através desse processo artístico eu venho conseguindo estabelecer relações pessoais e símbólicas muito fortes e transformadoras. A arte cura e vem me curando, a arte pode fortalecer o espírito do ser, nos integrar as pessoas, ao mundo e a natureza; e, com isso podemos perceber que não existe uma humanidade fora do mundo, uma humanidade fora da natureza e uma humanidade sem cultura. A arte pode ser uma possibilidade de uma escolha de nos integrar mutuamente com tudo que está ao nosso redor ao invés de promover uma exclusão.

Artista Visual do MS participa do Salão de Arte Contemporânea de Santo André - SP
Encontros CASA, Nós – foto: divulgação
Como é pra você cruzar as fronteiras e levar sua arte a outros públicos?

Para mim ser uma artista do MS, trans, conseguindo chegar nos espaços do grande circuito de arte, que está muito forte em SP, é sempre um prazer. Uma prova de quanto ainda temos de desafios pela frente para termos uma sociedade brasileira mais igualitária, uma motivação para seguir, uma possibilidade de mostrar que temos no MS, artistas que trabalham com arte contemporânea e não apenas arte regionalista. E, quando digo isso não diminuo o valor da arte regional e muito menos nego o quanto a estrutura cultural do nosso estado está presente nos meus trabalhos, mas, afirmo também que eu posso sim ser uma artista do MS e fazer um outro tipo de arte.

Nos conte mais sobre seu trabalho? O que te motiva?

Eu tenho uma produção de quase 10 anos mas que não é gigante. Gosto de amadurecer as ideias e me relacionar profundamente com meu trabalho. Meu processo depende muito das pessoas, na produção, finalização ou até mesmo enquanto proposta. Eu nego o lugar de independente, pois pra mim somos interdependentes. Meus trabalhos tem várias camadas, várias possibilidades de leituras, mas acredito que o que mais me motiva seja as relações humanas e nossos afetos.

Artista Visual do MS participa do Salão de Arte Contemporânea de Santo André - SP
desenho s/ bula de hormônio, 32 x 18 cm, 2018 – foto: reprodução
Você passou uma temporada em São Paulo, como foi a experiência?

Ano passado tive a oportunidade de fazer uma residência artística em um instituto de arte contemporânea que se chama Pivô. Esse processo veio por meio da inscrição em um edital do instituto para concorrer a uma bolsa, ocupar um ateliê e ter um auxílio para estar em . Passei 3 meses produzindo. Basicamente, meu ateliê funcionava com um local de encontros e conversas. Recebi muitas pessoas interessantes e com histórias e origens variadas. Tive encontros super especiais com um grupo de mulheres trans e travestis para um chá da tarde. Conversarmos e nos conhecemos.

Sobre seus projetos atuais, no que está trabalhando?

Atualmente tenho trabalhado em alguns projetos, uns que são voltados aqui pra Aparecida do Taboado. A internet sempre foi um território pro meu trabalho também e, mesmo sendo crítica a muitas condutas dos comportamentos nos meios virtuais, eu sou uma entusiasta também. Então atuo muito em rede e me conectando com as pessoas através da internet.

Tem algum lugar que podemos ter um gostinho do seu trabalho?

Eu ainda não tenho um site mas uso o Instagram para divulgar meu trabalho, para me achar é @yura.alice