Não existe ‘padecer no paraíso’ para as mães que dão à luz na prisão
Ser mãe em penitenciárias é grande desafio na maternidade
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Ser mãe em penitenciárias é grande desafio na maternidade
Quando Márcia (nome fictício), de 30 anos, retornou ao Estabelecimento Penal Feminino Irmã Irma Zorzi, após a infringir a condicional e voltar a ser presa por tráfico de drogas, ela não achava que daria à luz na prisão. Contudo, seu filho Ricardo, de apenas três meses, nasceu nas dependências do presídio. A tentativa de ter uma rotina normal é algo quixotesco, mas Márcia se esforça para que o filho cresça saudável no período de seis meses em que poderá amamentá-lo.
“Você não tem ideia do sofrimento que é pra mim tá criando um filho aqui. É muito difícil. Se ele adoece, nem sempre tem médico. E quando não tem médico, a gente tem que esperar a escolta, só que nem sempre elas tão disponíveis. Se falta leite ou fralda, a gente fica na dependência de conseguirem. A gente não consegue a gente mesmo providenciar, entende?”, explica.
Márcia é apenas uma das várias mulheres cujo destino cruza os pátios e celas do estabelecimento penal ‘Irmã Irma Zorzi’, onde boa parte das presidiárias respondem por tráfico, tendo sido presas ou comercializando maconha ou enquanto transportavam a droga para namorados, familiares e maridos na prisão – as chamadas mulas. Assim como Márcia, outras duas internas também tiveram seus filhos no presídio recentemente. São histórias que se confundem – a começar pelo endereço – apesar da troca de personagens.
Neste Dia das Mães, o MidiaMAIS buscou saber mais sobre a difícil experiência da maternidade nas condições estruturais de um presídio. Em pouco tempo de conversa com as internas, os relatos permitiram notar que há, sim, um nó em cada garganta, criado pelo remorso, pela impotência e pela fraqueza que as grades impõem ao desafio materno. Na prisão, não existe “padecer no paraíso” e criar um filho é como estar numa contagem regressiva, até que o tempo se esgote e a criança seja retirada dos braços da mãe.
Berçário
Na prisão, no entanto, Márcia teve toda a assistência possível, do pré-natal ao parto. Ela também tem direito a um berçário, montada das dependências do estabelecimento penal onde, logo cedo, ela deixa o filho no espaço, que conta com os serviços de duas mulheres, também internas. Márcia também tem direito a intervalos, nos quais amamenta o filho. No fim da jornada de trabalho, que proporciona remissão de parte da pena, ela busca seu filho e retorna à cela. Fica com ele durante a noite e nos fins de semana. Ricardo e Márcia permanecerão juntos até que ele complete seis meses ou caso a pena seja convertida em outra modalidade.
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“Eu já tinha cumprido três anos dos seis da pena. Saí na condicional, mas ‘caí’ de novo. Eu me entreguei, na verdade. Me entreguei na esperança de conseguir ter ele em casa. Mas o juiz me regrediu pro fechado e vou ter que esperar até o cálculo [da pena] chegar para eu tentar o semi-aberto de novo. Eu espero que dê certo, porque se não depois vou ter que me separar dele. Vai dar seis meses e ele vai ficar com a minha mãe. Estar aqui com uma criança nos braços me faz repensar tudo, sabe?”, comenta.
No espaço, de cerca de 8 metros quadrados, há três pequenos ambientes, o primeiro deles com dois berços, cadeira para amamentar, banheiro com fraldário e despensa onde produtos de higiene e fraldas são estocados. As paredes são decoradas – os desenhos foram feitos por uma presidiária e precisam apenas de tinta colorida para deixarem de ser rabiscos. O esforço é claro para afastar o berçário da aparência de presídio.
O espaço, entretanto, poderá ficar mais ‘apertado’, digamos assim, já de acordo com dados da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penintenciário), mais 9 internas são gestantes e podem ter seus filhos no presídio, caso não cumpram suas penas antes do parto ou não consigam alguma mudança no regime de prisão.
“Não era mais pra eu tá aqui”
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Além de Márcia, Adriana, de 35 anos, também relata com amargura as dores de ter um filho na prisão. “Muda tudo, muda o sentimento. O sentimento fica mais agressivo, tem uma revolta bem aqui. Você só pensa na criança, pensa em sair, em proteger mais a criança. Não era mais pra eu tá aqui, sabe? Era pra tá na rua com ele. Tudo o que passa na minha cabeça é arrependimento. Eu quero uma vida diferente com meu filho do meu lado. Vou falar a verdade pra você, eu choro todo dia. Antes de dormir eu peço a Deus… Eu choro muito, pensando em tudo que aconteceu, sabe? Eu penso no que o tráfico fez comigo”, relata.
Adriana cumpre pena de 5 anos por tráfico, dos quais já cumpriu sete meses. Há dois nasceu Bianca, dentro do presídio. “Cada dia é um dia, se liga? No mundo só tem eu e ela, não tenho mais mãe e me afastei da família por vergonha, causa de quê eu era usuária. Era, não sou mais, parei com tudo. O pai dela tá preso, ta na Máxima. Já foram lá avisar. Ele registrou, mas a gente não está mais junto”, conta.
Assim como em Márcia, Adriana também é vítima de um fantasma que ronda sua consciência: a guarda de sua filha. “Não tenho mais mãe e jamais permitiria minha filha ir pra um abrigo. Espero que minha cunhada possa ficar com ele né? Mas tenho fé de que não vou passar esse tempo todo aqui e que vou poder sair e cuidar dela”, diz Adriana.
Três filhos, um com cada irmã
Além das mulheres que têm filhos na prisão, há aquelas que são separadas dos filhos quando são transferidas ao presídio, um perfil bem mais comum que o de gestantes. Maria, de 26 anos, reúne os dois perfis: mãe de três filhos e esperando o quarto, ela ainda aguarda a primeira audiência com o Tribunal de Justiça e não sabe quando poderá apelar por uma mudança no regime.
“A gente sabe que saiu essa lei da prisão domiciliar, mas que cabe ao juiz aplicar. Eu fiz o pedido com meu defensor, ele disse que dá pra fazer antes da audiência, mas já faz dias que conversei com ele, que ele fez o pedido e até agora não saiu nada ainda”, conta Maria. “Seis meses que eu passar com meu filho ajuda, porque ele pode mamar, me conhece… Mas e os meus três lá fora? Se eu tiver a domiciliar eles voltam a ficar comigo. Eu sei que é mais fácil pra uma pessoa que tem advogado particular, mas não pode perder a esperança. Enquanto eu espero eu penso nas coisas. Passa esse arrependimento. Eu oro e choro”, conclui.
(Nomes foram substituídos para preservar a identidade das internas, bem como de seus filhos, conforme preconiza o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente)
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