Movimento das mulheres surgiu em 1980
Numa época em que luz e água encanada ainda era um sonho para os moradores do Nova Lima, foram as donas de casa que na raça e coragem foram à luta nos anos de 1980, para acabar com as mazelas da periferia da cidade. Heriberta de Moraes, 76 anos e Denir dos Santos Ramos, 61 anos, antigas moradores do bairro, são protagonistas desta história de perseverança do mutirão das mulheres.
O movimento agiu em dois sentidos: por um lado, cobrava do Poder Público a criação de uma escola, ruas, ônibus, eletricidade e água limpa; por outro, criava suas próprias entidades de atendimento, com a organização de mulheres, todas voluntárias, para ajudar os vizinhos.
Enquanto os maridos saiam para trabalhar, era um batalhão de mulheres que articulavam uma maneira para levar água encanada, ônibus, escola, creche. Elas conseguiram. Pelas ruas do bairro ainda pouco povoado, com cerca de 100 moradores, elas deram inicio ao que hoje é uma das regiões mais populosas da cidade – que conta com 30 mil habitantes.
Nos anos de 1980 Campo Grande começou a ganhar aspecto de Capital, e atraiu milhares de pessoas que buscavam oportunidade. Dos 140 mil habitantes em 1970 saltou para 291 mil na década seguinte, mas o que a cidade escondia era ausências. Foi nesta leva de gente que as duas se instalaram no Nova Lima e descobriram que a vida por lá não seria nada fácil. “Era um deserto. Só grilo cantava”, lembra Dona Berta, apelido que Heriberta ganhou no bairro.
A companheira de luta, como tratam uma a outra, a aposentada Edenir conta que foi morar na região atraída preço baixo dos terrenos. Mas na chegada, as “Rainhas do lar” entenderam que a situação tinha que mudar, e com filhos no colo, começara a caminhada. “A gente começou a se reunir com moradores, mas depois aprendemos o caminho até os gabinetes e os figurões, e a gente batia na porta e pedia para conversar. Nós nem éramos recebidas, mas insistíamos. Tudo que tem lá passou pela mão da gente”, aponta.
A qualidade da água foi um dos pontos altos do mutirão das mulheres, que desafiava qualquer um, inclusive o prefeito – então Lúdio Martins Coelho. “Um dia ele falou que só ia no Nova Lima de avião, porque lá ele não descia, e ainda disse que a gente devia plantar mandioca, coisa que sem-terra faz”, relembra dona Beta.
Mulheres protagonistas
Para ter dimensão da força dessas mulheres, a construção da escola estadual Lino Vilacha passou pelas mãos do mutirão feminino do bairro. Ela conta que o governador concordou em fornecer os materiais para escola, mas com uma condição: “A gente tinha que construir. Foi a primeira construção de pré-moldado do Estado, e a não fazíamos ideia de como era esse serviço. Mas como a necessidade era maior, dividimos os serviços e começamos a levantar o pavilhão. Uma parte das mulheres cozinham para quem tava na obra e as outras empurrava carrinho, coloca a mão na massa”. Segundo dona Beta, a escola ficou pronta em menos de dois meses. “Chegava a desmaiar de cansaço”, comenta.
Dona Berta vive atualmente em uma casa simples no Jardim Aero Rancho, e a história de luta do passado agora cabe em uma caixa de fotos e recortes de jornal. Mas o que fica, segundo ela, é uma lição de luta e generosidade escrita por todas as mulheres do bairro. “Faziamos aquilo por necessidade. Quando a gente precisa, a gente luta em nada em troca. É que a gente fiz o sofrimento das pessoas e não tinha como fingir que aquilo não existia”.
Para Edenir, a luta persistente que travaram para, finalmente, se firmarem como cidadãs, foi cheia de obstáculos, afinal, quem daria voz à mulheres pobres? “A luta nasce da necessidade, era muito dolorido ver aquilo, e não tinha uma que a gente perdia”, diz orgulhosa. E ainda ensina: A força da gente tem que ser maior que o medo.