Computador roubado foi descartado por ladrão e encontrado por fotógrafo

É quase certo, caros leitores, que uma história de honestidade se torne um sucesso jornalístico. Estamos tão imersos nessa onda de corrupção que desaprendemos a ser otimistas e esperamos sempre o pior das pessoas. Triste, muito triste. Mas, é basicamente por isso que as histórias que envolvem honestidade sempre são um sucesso. Chamamos isso de fait diver, palavra em francês para designar o ‘inusitado’, as histórias’ incategorizáveis’. Como a do bar que procurou o cliente que pagou a mais para ressarci-lo. E também este caso, até um pouco engraçado, do rapaz que achou um iPhone e pediu só um pastel de recompensa. Seria uma onda de honestidade? Talvez.

A saga do notebook roubado e do homem que o encontra e ataca de 'CSI' para achar dono

Começou assim: uma visita a uma amiga na noite da terça-feira (26) e ao voltar para o carro, vi a janela do meu carro quebrada. Mas isso não foi nada, notar que minha mochila – com meu notebook, meus papeis importantes de trabalho e todo o meu backup – havia sido roubada foi o que me nocauteou. Você pode dizer, e com razão, que fui trouxa por deixar objetos de valor dentro do carro. Sim, eu fui. É que a visita que seria de três minutos durou quarenta. Marquei bobeira mesmo. Mas, não muda os fatos de que o peso de um Titanic caiu sobre meus ombros: primeiro pelo prejuízo financeiro,do notebook à janela que precisaria ser trocada. Segundo pelo transtorno que é perder arquivos importantes. E terceiro pela impotência, pela sensação de insegurança que bate à porta cada vez que sua zona de conforto é abalada.

Computador roubado era como o da foto (Reprodução/Apple)

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​Diante de problemas assim, o que fazer além de tentar seguir em frente? Um boletim de ocorrência, claro (fica a dica). Lá fui eu, com o vidro ainda quebrado, registrar a ocorrência na Depac (Delegacia de Pronto-Atendimento) Centro. Espera daqui, espera dali, e uma escrivã muito gentil me atendeu e, quando a lentidão do sistema permitia, ela dava sequência ao registro da ocorrência. “O senhor quer periciar?”, perguntou a agente. Recusei, porque sabia que ia demorar e tudo que eu queria, honestamente, era ir pra casa e chorar no travesseiro até dormir.

Foi basicamente o que fiz, muito franco. Com o BO em mãos, voltei pra casa desolado. Naquele dia precisaria devolver alterações de um trabalho que passei a tarde editando, mas que deixei para enviar somente à noite, logo após a visita à minha amiga. Também fiquei a lembrar das fotos da minha avó e outras tantas de momentos bonitos que vivi, mas que estavam perdidos para sempre e sempre. Adormeci.

No dia seguinte, uma olhada básica no OLX, para ver se o ladrão era ágil ou se ia esperar a poeira baixar para vender minhas coisas. Nada, claro. Ninguém seria tão trouxa em pleno 2017, só eu, mesmo, que deixei o computador dentro do carro. Segui a vida. Troquei o vidro do carro, R$ 300 em três vezes no cartão. Busquei minha mãe no aeroporto, que veio passar meu aniversário comigo. Recebi amigas naquela noite em minha casa. Sorri de novo, dei risadas. O computador era uma bobagem.

Notebook roubado era instrumento de trabalho (Arquivo pessoal)

Mas daí, por volta das 14h do dia seguinte, eis que recebo mensagem no Facebook. “Bom dia… Você perdeu um notebook? Se foi você está aqui guardado… Estou procurando o dono. Meu telefone é…”, dizia um anjo da guarda chamado Eduardo Medeiros, 37 amigos em comum no Facebook. Eu gelei, claro. Ansiedade bateu com força e imediatamente liguei no número que o Eduardo forneceu. Pra piorar a situação, estava fora de área. Ficou fora de área até umas 16h, basicamente. Aguenta, coração!

Deixei mensagem no Facebook, mensagem na caixa postal, mensagem no WhatsApp e mensagem em torpedo. Segui as atividades do dia conforme dava e de vez em quando experimentava mais uma tentativa frustrada de ligar para o Eduardo, a fim de saber se era, mesmo meu computador. Até que às 16h ele me liga. “Mas você tem certeza de que é meu computador?”, pergunto. Ele questiona qual o modelo e pede caracter~isticas. “É um Macbook, ele é prateado. E não perdi, foi roubado”. Eduardo, então, confirma que o computador que encontrou era, sim, desse modelo, mas que estava quebrado. “Pelo menos recupero meu backup”, pensei, ainda perplexo. Seria muita coincidência, coincidência demais. Por que um ladrão ia descartar um computador? Será mesmo o meu? Paguei pra ver. Saindo do meu compromisso, me desloquei até a casa do Eduardo.

E nunca um trajeto não tão longo, da TVE, no Parque dos Poderes, até o Matula Lanches, na Pedro Celestino, se tornou tão demorado. Todos os semáforos fecharam. Dois carros inexplicavelmente me fecharam na via. Obra no meio da pista. Mas eu cheguei. E fui recebido com um sorriso cativante. “Tudo bem, Guilherme?”, ele perguntou. “Ah, já estive melhor”, respondi. “Por que, rapaz? Você recuperou seu computador”, ele disse. Foi aí que entendi que a máquina não estava quebrada. O defeito que tinha fui eu que causei há alguns anos. Sim, era o meu computador!

Segundo Eduardo, eram por volta de 7h da manhã da quarta-feira (27) quando ele seguia de carro para deixar as filhas na escola e viu o notebook na calçada, no bairro Monte Castelo, bem próximo de onde o roubo aconteceu. Parou o carro e recolheu o objeto. Até agora, ainda não entendi porque o ladrão descartou a máquina. É muito provável que ele tivesse alguma noção de que Macbooks são rastreáveis (obrigado, Steve Jobs!) e por isso abandonou a máquina, ficando, ainda, com o carregador e a mochila. Mas, mais impressionante ainda é que a pessoa que encontrou um computador caro que estava sem senha (não só decidiu devolver como deu uma de CSI para me localizar.

Eduardo ficou tímido na hora de fazer a selfie (Foto - Arquivo pessoal)

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Eduardo, depois descobri, é fotógrafo e também é conhecido como ‘Baca’. Trabalhou por muito tempo em projetos bacanas e é amado pelos amigos. Com meu computador em mãos, ele me apresentou à filha e à esposa. E depois de uma meia hora de prosa, eu disse para elas que naquele dia o pai/marido diante de mim tinha feito uma coisa muito bonita e rara, e que elas se orgulhassem. Sinto que fiquei amigo do Eduardo, ou, pelo menos, quero muito ser. Já sei que ele tem uma história de vida interessante de superação, e eu gosto de pessoas com relatos que inspiram. Gosto, também, de gente honesta. E de sorrisos cativantes.

Eduardo não me cobrou nada, nem me deixou retribuir. Pediu apenas que eu lembrasse dele caso algum trabalho de fotógrafo aparecesse – e comprovou sua qualificação profissional: mostrou seus arquivos, suas fotos belíssimas e contou um bocado do que viu pela vida. Demonstrou timidez quando insisti para tirar uma foto com ele. Ficou claro que ele não queria qualquer tipo de confete, queria apenas fazer o certo.

Para ser franco, a ficha ainda não caiu. Ainda pareço estar sonhando, pois jamais imaginaria recuperar um computador roubado de uma forma tão inusitada. Também jamais pensei que um episódio triste acabasse no encontro com alguém tão iluminado e especial. O texto que escrevi – e que concluo agora – traz para mim uma clara lição não só de honestidade, mas de esperança.