Ideia é tirar moradores de casa, ocupar o bairro e promover contato

 

Por volta das 19h, uma das barracas de folhas e legumes tinha praticamente só alface. “Tinha que chegar mais cedo para ver como estava. Vendemos quase tudo, agora é xêpa”, conta Leonardo Yoshida, feirante há 36 anos, dando a entender que a feira foi um sucesso. Ele e outros vendedores de hortifrútis foram convencidos por residentes do Cidade Jardim a aderirem a uma feira criada pelos moradores do bairro, que teve a primeira edição na última quarta-feira (13), na praça Elói de Lima.

Com barracas de comida, doces, frutas, verduras, roupas, brinquedos e até um food truck de pastel, a feira reuniu centenas de moradores do bairro e agradou vizinhos e organizadores. Só que por trás da iniciativa estava uma intenção mais nobre que simplesmente fomentar o comércio comunitário na região: ocupar espaços de lazer do Cidade Jardim e promover, assim, a integração entre os moradores.

“Está sendo muito legal poder encontrar o pessoal. Era isso que a gente queria. E é só uma das ações que a nossa comunidade quer promover aqui. A gente quer que as pessoas voltem a ocupar os espaços públicos e que exista uma rede de cooperação entre os moradores. A gente quer que a integração comunitária melhore nossa qualidade de vida e a feira é uma das formas que a gente encontrou”, explica a professora aposentada Sarah Sales Pereira, uma das pessoas envolvidas na iniciativa e que diz com orgulho que foi a terceira moradora do bairro. “Moro aqui há 36 anos. Quando eu cheguei só tinha aquelas duas quadras ali”, conta.

Cidade Jardim

Hortifrutis acabaram cedo, sobrou a xêpa / GC

Com cerca de 36 anos de existência, o bairro Cidade Jardim reune pessoas de classe média e é considerado um dos mais tranquilos de . Em alguns pontos, desfruta de uma das vistas mais bonitas da cidade e também conta com boas áreas de lazer, como a praça Elói de Lima, local da feira. São cerca de 720 imóveis no loteamento, uma população que gira em torno entre 3 mil e 4 mil pessoas.

A ideia da feira é basicamente promover o deslocamento de práticas de solidariedade e integração que já eram vistas no mundo virtual: os grupos de WhatsApp que reúnem moradores funcionam como uma espécie de rede colaborativa em que vizinhos trocam mais que xícaras de açúcar. Dicas de jardinagem, indicação de mão-de-obra e até avisos de segurança são diariamente debatidos entre os integrantes.

“Se você precisa de um eletricista, por exemplo, você coloca no grupo e alguém dá uma indicação. Tem também um grupo chamado SOS, que a gente discute a questão da segurança no bairro. Como a gente tem tido muito roubo por aqui, se alguém verifica uma situação estranha, já coloca no grupo e fica todo mundo de olho”, conta Sarah.

Reencontro semanal

A feira conta com barracas diversas, praça de alimentação, música ao vivo. E bem além da culinária tradicional de Campo Grande, o evento também guarda sabor de reencontro. “A gente está desde outubro planejando isso e muitas barracas esgotaram os produtos. Mas, o mais importante é que a gente voltou a se ver, como acontecia antes”, afirma Sarah.

Na prática, o que os moradores perceberam é que a ocupação de espaços públicos é uma das formas de promover-se segurança e qualidade de vida. Muito antes da feira, a propósito, grupos de exercícios ao ar livre, feijoadas e outros eventos comunitários foram criados. Mas a feira tema frequência semanal já definida e dá vida à praça.

Moradora do bairro há 28 anos, a assistente social Leiner Teruya foi uma das que decidiu sair de casa. Na noite de quarta, ela levou toda a família para a feira, onde comeram pastel, sobá, conversaram entre si e reencontraram amigos de longa data. “Encontrei tanta gente querida que não via há tanto tempo! Foi muito legal, muito bacana. Pessoas que eu conhecia de ‘bom dia', ‘boa noite', pude conversar com elas. Trouxe minha família, estamos ali naquela mesa grande”, disse. “A gente deu um passo grande, saímos do virtual e voltamos a fazer esses encontros cara a cara, para ocupar os espaços. Isso é muito positivo, é vida em comunidade”, comenta.

Feira também teve roupas, DVDs e brinquedos / GC

O que está acontecendo aqui é um exercício de cidadania e democracia. São pessoas reunidas em prol do bem comum, em busca da qualidade de vida, que saem das casas onde vivem e vão ocupar os espaços. Esta praça é nossa, foi feita para que a comunidade se encontrasse aqui e é o que estamos fazendo”, comenta o oficial militar Alírio Vilasanti, que estava em viagem durante o dia e, mesmo cansado, fez questão de passar pela praça. “Vim prestigiar a iniciativa, reencontrar amigos. Estou feliz de ver todo mundo aqui”.

A feira agradou também quem veio de fora para faturar com a ideia, claro, como Eliana Caramalac, feirante há 23 anos. “O movimento foi bom, é um pessoal muito educado e atencioso. O clima é alegre. Valeu a pena a gente ter aberto mão de participar de uma feira em outro bairro para vir para cá”, conclui.

A feira do Cidade Jardim acontece às quartas-feiras, das 16h às 21h, na praça Elói de Lima.